por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 2 de dezembro de 2012

A Serpente da Feira - José do Vale Pinheiro Feitosa


Este eixo vertical sobre pernas andarilhas te levarão por veredas, ladeiras e garranchos de antigo matagal viçoso e promitente. No labirinto de calçamentos tuas bancas armadas, as roupas dependuradas e os sacos de farinha, arroz, milho e feijão assentados um ao lado do outro. As estrelas mandam na abóbada mais celeste do que aquele azul banal dos dias. As noites são mais celestiais. Mais celestiais quanto menos reveladoras, mais subentendidas e ocultas como os mistérios da nossa ignorância. Quem sabe jamais conhecida e por isso mesmo misteriosa.

Duas coisas se expandem nos cânions da colmeia humana: os cheiros e o vozerio. Os odores são variados e um quase soterramento dos milhares de cheiro já impregnados na urbanidade. Os extratos oleosos, sobre a pele ou nos cabelos se expressam de passagem, no caminhar entre outros. Ali um pálido perfume de leguminosas, diria que quase parente do gorgulho: da saca de arroz, a farinha da serra, o feijão de corda com as lembranças das palhas fragmentadas nas pauladas de sua debulha.  

Mas o odor que domina a cidade é aquele de cebola e alho e parece serpentear como uma sianinha amarela através das esquinas em todas as ruas da cidade. É bem que a feira da corda tem aquele ranço de matéria palhenta, a agave seca com memória do seu viço de verde na origem. Na feira da rapadura os odores de engenho sedimentaram-se, se tornaram alicerce, muito mais duro e invariante do que a exuberância da azáfama da engenhosidade de canas, moendas, bagaços, caldeiras, garapas azedas, destilação de alambique, fornos, tiborna, mel e alfenim.

Frutas verdes têm cheiro de cica. Maduras de nuvens de mosquito. Podres de lavagem de porco. Balaios despejando fragrâncias de coentro e um si bemol de cebolinha. Estas verduras são tão excelsas que anulam as bancadas de cenoura, beterrabas, batatas e jerimum. Se na safra, a ousadia das copas sombreadas se projetarão na feira com o domínio das mangas que não apenas se repete no verbo homônimo posto que desnecessário. Os cheiros envolvem todo o prédio do mercado. Todos os produtos foram mangados pelos frutos das mangueiras.

E que não dirá meu corpo pedinte, tendencioso, vulnerável, tonto de tantas mensagens ofertantes, entre microfones a decibéis, a ladainha do consumo e esta passagem desvairada de corpos em sentido contrário como a rogar alguns decímetros de ocupação. Perdido em mim e na multidão eis que jorra a sedução feminina. Com seu corpo de espargir dor de amor, grilhões de arrastar pensamentos e fixar o monobloco da unidade inseparável do imantado. Torno-me a cauda daquele cometa no labirinto da feira.

Ei Rosa dos Ventos. Não existe um GPS a traçar destino. Caudal daquele corpo feminino destino algum me comove, para frente, para trás, à esquerda ou à direita. Mesmo que seja um círculo. Apenas me resta o arrasto de uma cabeleira que é ao mesmo tempo lucidez e loucura, um pescoço como um abismo do meu iminente despencar, ombros que me transformam num polvo cheio de ventosas para não apenas agarrar aquela pele que é a síntese do mundo. Ventosas para sugar o indecifrável deste desejo.

Abomino todas as portas. Se fosse São Jorge lancetava são Pedro apenas pela função de porteiro. As portas perversas, pervertidas, a manha do antimundo. A traição da abertura e da liberdade que até então era plena. Inconsciente, mas suprema. E porta fecha aquele objeto inseparável de toda a minha loucura. Aquele momento após o qual, uma vez atendido todo caudal da minha elucubração, o mundo seria pleno e a feira se pulverizava num monturo de sentidos. Uma vez não realizado o sentimento os sentidos se tornam cinco isolamentos. Desconectados, incompreendidos e insensíveis.

Esvaziado. Não cansado. Mas desprovido. A feira morreu. É um silêncio de pilha fraca. O indistinto do cristalino opaco. O inodoro do final de feira. E, no entanto, meu eixo vertical há de mover as pernas por quilômetros mato adentro. Salvam-me as papilas gustativas: um tijolo viscoso ao dente, de leite e açúcar, de esticada narrativa do sabor, tomando gengivas, as língua, o céu da boca, a garganta e mesmo quando desce pelo esôfago parece manter o paladar do ato de fabricá-lo.

São Joaquim Patrício salvou-me os próximos quilômetros do meu recolhimento noturno.    

sábado, 1 de dezembro de 2012

Abertura do Mês em curso...

O ETERNO É O DURANTE
PERPETUAR O DURANTE
É A EMOÇÃO DO VIVER


COMEÇO DEZEMBRO SEM NOÇÃO DE TEMPO E ESPAÇO...
DO JEITO QUE O MESTRE MANDA!




UM FIM DE ANO REPLETO DE FELICIDADES PARA TODOS!
ABRAÇOS NOSSOS.

SOCORRO MOREIRA

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O NOVO RÁDIO ANTIGO DE VICELMO


Sempre que possível, quando fazia o trajeto entre Crato e Recife dava uma parada em Custódia e visitava o Pe. Frederico. O Sacerdote foi vigário da Paróquia São Vicente durante  20 anos.  Acrescento que durante 5 anos fui um dos coroinhas da Igreja comandada por ele.  Numa destas visitas havia um rádio em cima da mesa da sala chamou minha atenção. Era da marca Grunding, cuja fama era a de ser o melhor do mundo.  Indaguei se estava funcionando e o Padre respondeu: Não, está quebrado, mas se lhe interessar, leve-o para Recife, providencie o conserto e fique com ele. Assim, prossegui a viagem com uns 8 kg a mais. O aparelho foi para oficina, funcionou pelo período de 2 anos depois se calou para sempre. Andou por várias oficinas mas não foi mais recuperado. Guardei-o pelo valor estimativo. Através de reportagem em um jornal de Fortaleza tomei conhecimento que Vicelmo e seu filho Paulo Ernesto são colecionadores de rádios antigos. No mês passado encontrei o Jornalista na Praça Siqueira Campos, relatei a história do Rádio e o ofereci ao amigo desde os anos 60, ele prontamente aceitou. Voltando ao Crato hoje, trouxe o prometido. Vicelmo veio buscá-lo na hora em que foi avisado.

Mordendo pelas beiradas



Passadas as eleições municipais aqui em Crato, desencadeamos, imediatamente as especulações quanto aos cargos de primeiro e segundo escalão na administração  da prefeitura cratense. De um lado, há o depressivo “arruma a mala aí”, do outro a euforia do “prepare a mala lá”. À medida que se foram divulgando os nomes do futuro secretariado , encetou-se, nas redes sociais ,um grande movimento com o fito de apontar nomes para cargos ainda vacantes como Meio Ambiente, Cultura e Saúde ( alguns desses nomes, diga-se de passagem, de competência indiscutível).  Alguns grupos, inclusive, se reuniram no sentido de promover seminários com alguns especialistas, escolhidos por eles, pensando na perspectiva de contribuir com idéias e programas para a nova gestão municipal. Como sempre, nessa massa heterogênea, há muitos bem intencionados e alguns aproveitadores que ficaram em cima do muro no processo eleitoral, esperando para que lado penderia o fiel da balança e que agora, de repente, aparecem como salvadores da pátria, querendo mostrar serviço e ( quem sabe?) morder a beiradinha de um ou outro cargo que por ventura apareça.
                                   Ora, amigos, qualquer uma das iniciativas me parece totalmente despropositada. É de se imaginar que os eleitores , acompanhando atentamente os programas dos candidatos e suas propostas no processo eleitoral, escolheram seu prefeito ,cuidadosamente , antenados com o Programa de Governo que apresentaram para o Crato. Nego-me a acreditar que possam ter votado nesse ou naquele por conta da sua simpatia, do parentesco ou porque lhe prometeu um emprego ou lhe  deu um dinheirinho. Se foi por uma dessas  razões, então não tem o que cobrar, é botar a violinha no saco e esperar calado o kit que será ofertado. Se, por acaso, votou no Programa, também não há o que espernear. O momento exato de discutir e modificar esse programa de governo era antes da eleição. Engajar-se, mostrar a cara e discutir com todos o melhor para o Crato e levar as propostas ao partido e ao candidato preferido. Passada a eleição, amigos, já não há nada a fazer, assinamos um cheque em branco e , agora, temos que confiar que será preenchido de maneira adequada e com a quantia esperada.
                                   Precisamos compreender o processo democrático. O candidato vencedor tem um programa de governo a cumprir e, mais, um sem número de compromissos eleitorais de que precisará  se desvencilhar. Não existirão, certamente, nomes perfeitos e adequados para sua assessoria , divorciados das suas afinidades políticas e dos rumos  e metas que traçou. Imaginem se o forçamos escolher um secretário capacitadíssimo mas com quem politicamente não se afina! Será o secretário fritado , não terá espaço na gestão e sairá queimado e desacreditado.  Seminários agora são perfeitamente inócuos, não têm qualquer serventia. Deixemos o futuro prefeito à vontade para escolher os seus assessores e executar o plano de governo previsto. Se necessitar da opinião de qualquer um de nós, terá , com certeza, a desenvoltura de nos solicitar.
                                   O Crato escolheu, em outubro último, com votação recorde, seu prefeito. A cidade entendeu, pois, (expresso esse entendimento na maioria dos seus votantes), que Ronaldo Gomes de Matos é o mais capacitado para administrar nosso município nos próximos quatro anos. Pois bem, ele tem todo direito legal e moral para fazê-lo. Cabe a ele e tão-somente a ele a responsabilidade de escolher os melhores e mais qualificados assessores para acompanhá-lo nesta árdua empreitada. Não votei nele, mas torço de coração para que consiga alavancar a cidade de Frei Carlos e tirá-la do marasmo histórico em que se encontra.

  J. Flávio Vieira.

AS GRANDES DECISÕES NO TEATRO DOS GRANDES FARSANTES - José do Vale Pinheiro Feitosa


O modo otimista de ver o julgamento do mensalão é de que todos são iguais perante a lei e que mesmo o partido no governo pega prisão, ou seja, punição. A mídia de modo geral comemorou assim e todo o conteúdo apresentado por ela afirma isso: mesmo tendo indicado os ministros do STF, mesmo tendo a Presidência da República, a Presidência da Câmara dos Deputados e aliado na Presidência do Senado: o PT vai sendo punido exemplarmente.

Todos pensam assim? Somos iguais e protegidos pela lei? Menos de quinze dias após a mídia pulou alto, a maior parte dos deputados pularam mais ainda, o relatório da CPI do Cachoeira iria indiciar jornalistas e o Procurador Geral da República. Mas o relatório não condena, apenas indica um reforço na investigação e na abertura de processo legal contra os indiciados. Afinal o relatório da CPI é fruto da própria investigação policial.

O relator, agora a finalidade de negociar a aprovação do relatório diz que a citação dos personagens é secundária, o principal deve ser preservado no relatório. Agora a dúplilingua ou o duplipensar do 1984 do Orwell faz anotações: secundária, quer dizer intocável. Ninguém pode tocar no Procurador Geral e nem em repórteres. A negociação do PT parece acovardamento, as justificativas de alguns deputados do partido como Dr. Rosinha falando em falta de condições políticas são piores ainda. Desse modo para quem pretende firmar uma política de longo prazo, efetivamente tem um grave problema no espaço a ser conquistado:  sem coluna vertebral não se move.

Essa farsa histórica é a mesma que ocorre no Oriente Médio tendo à frente os EUA e Israel em relação ao povo Palestino que acaba de conquistar na ONU o status de observador. Igual ao Vaticano. A mais recente decisão de Israel é que os palestinos que trabalham em Israel e moram em seus territórios, não possam mais pegar os mesmos ônibus frequentados pelos israelenses dos assentamos tomados ao território palestino. Se é preciso recriar o Apartheid para garantir a segurança de Israel, é claro que algo de podre há nesta política tal qual havia na África do Sul.

Outra grande farsa é a postura dos países altamente industrializados em relação às emissões de gases de efeito estufa. O Protocolo de Kioto está para findar-se e não existe nada no horizonte que faça evoluir a questão do clima ou  seja, o aquecimento global. As evidências de que efeitos climáticos tipo o Sandy em Nova York atingem cada vez mais o hemisfério norte. O degelo do Ártico no ano de 2012 foi um dos maiores em desde 2007 e correspondeu a 12 milhões de quilômetros quadrados de derretimento de gelo. Neste ano se teve as temperaturas mais altas desde 1850.

Esse problema avança para um nível de saturação de gases atmosféricos de natureza catastrófica. Catastrófica porque de repente todo o processo se acelera uma vez que se estima que a camada de gelo que cobre o ártico aprisione 1,7 gigatoneladas de carbono que uma vez liberados pelo degelo ampliarão ainda mais o efeito estufa.

Estamos numa época de grandes decisões num teatro de grandes farsantes.   

09 Faixa 9 Só quero você

09 Faixa 9 Só quero você

16 Faixa 16Rezas e Credos

16 Faixa 16Rezas e Credos

“NENHUMA MÚSICA, QUALQUER POEMA OU PINTURA É O MERO MOMENTO DE UMA PESSOA”  - fragmento de um comentário de José do Vale Pinheiro, que se revela como um texto para deleite, pois que é uma análise concisa, mas poética (Stela Siebra)   
 
“As artes coletivas são óbvias na partilha e construção plural. Nem se precisa dizer que tais artes são o que na verdade são as artes: a criação multiplicadora de uma matriz original. Assim como aquele ovo indez que serve para que tantos outros sejam postos.

Quanto às artes individuais, como as composições nas artes plásticas, na música, na poesia e nos textos, fica uma dúvida se efetivamente seriam multiplicáveis coletivamente. Mas é uma dúvida passageira: nenhuma música, qualquer poema ou pintura é o mero momento de uma pessoa.

Na verdade os arranjadores na música, os músicos e os ouvintes recriam a composição com tanta intensidade que se tornam outra unidade artística. A mesma coisa ao poema, à escultura ou um romance, ponderando os elementos multiplicadores, por vezes o silêncio interior do leitor, ou os olhos do observador e assim por diante.

Isso tudo para explicar o que a Stela acaba de fazer. Fez poesia com quatro poemas compostos por outros, em outros tempos e lugares. As escolhas da Stela: esta singeleza do amor, este pudor, este tê-lo com ou sem dor. O amor como a reprodução do viver: uma chama que é eterna enquanto dura. O amor é a síntese, para Stela, do viver”.
Comentário de José do Vale Pinheiro no post “Constelação Poética”, em 28 de novembro de 2012.

 

Saudades do Meu Canto - Aloísio


Meu canto não vejo mais
Meu canto também não ouço
Meu canto tá longe demais
Meu canto ficou pra trás

Onde achar este meu canto
Com os encantos dos poetas
Procurando em todas as curvas
Ou naquelas linhas retas

Já procurei nas lagoas
E em todas as cachoeiras
Andando lá nas planícies
Até subindo as ladeiras

Meu canto está bem ali
Nalgum canto do universo
Por isso peço que cante
Misturado em algum verso

Meu canto é a minha voz
Meu canto é algum lugar
Meu canto tem endereço
Ele é pra quem alcançar

Agora findo o meu canto
Daquele canto distante
Não sei se é cantiga ou lugar
Ou é o canto dos amantes

Tenho que ir, tenho que ir
Meu canto me espera
Com este canto de partir...
 
Tenho que ir, tenho que ir
Pois ele é longe daqui...

Tenho que ir, tenho que ir...
 

Aloísio

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Aniversariante do dia:ABIDORAL JAMACARU!

Nosso abraço especial para este grande músico e grande amigo!

LAMPIÃO E A INDÚSTRIA LINARD


 
 
Há algum tempo, não lembro quando, Zé do Vale pediu informações sobre a origem dos Linards de Missão Velha. Para ser sincero, não recordo se foi e-mail dirigido a mim ou via postagem no Azul Sonhado.  Fiquei devendo o esclarecimento ao primo, grande amigo de infância.
Pois bem, lendo “O Incrível Mundo do Cangaço”, Volume 1, de Antônio Vilela de Souza, Editora Bagaço, 5ª edição, encontrei, na página 138, a seguinte história:
Em 1932, Lampião recebeu um lote de armas vindas da França e da Inglaterra, tinha urgência em usá-las. Para tal, procurou o engenheiro francês, Antônio Linard, residente em Missão Velha, Ceará.Linard foi até onde o bando estava e em pouco tempo deixou as armas prontas.
Lampião perguntou quanto custara o trabalho. “Não é nada”, disse o engenheiro. Lampião tirou o chapéu e fez uma cata entre os cangaceiros, dando um monte de dinheiro. Lampião perguntou se ele tinha algum sonho. Meu pai lhe disse que há 4 anos estava comendo uma vez por dia para economizar e realizar o seu desejo, contou o filho de Antônio e diretor da Indústria Linard.  Lampião realizou o sonho de Antônio Linard, dando-lhe um torno mecânico de fabricação italiana, que funciona até hoje. A indústria Linard  conta com 100 empregados e distribui máquinas pesadas por todo o Brasil.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Uma notícia da Alemanha choca minhas Tias High-Tech - José do Vale Pinheiro Feitosa


- Vaqueirinho! Ô Vaqueirinho! Vaqueirinho!

- Ninhora! – uma voz respondeu por trás da cerca do curral da frente.

- Vem cá!

- Já vou!. – Vaqueirinho atendeu ao chamado de tia Mundinha imediatamente e se dirigiu para a varanda em que ela se encontrava.

- Pronto. Tô aqui.

- Tudo bem meu filho?

- Tudo nos conforme dona Mundinha.

- Meu filho, me diga uma coisa, porque toda tarde tu leva a cabrita malhada lá para outro lado do curral?

Vaqueirinho, da cor parda, virou palha seca. Os sinais de sangue sumiram como cachorro escorraçado. Parecia que os piolhos se assanharam na cachola do rapaz. A coceira era tanta que se ouvia o raspar das unhas. Olhou em redor para encontrar algum fenômeno extraordinário que o retirasse daquele constrangimento. Mas o sertão é assim mesmo para quem vive nele: tudo se move no ordinário, nem a seca é surpresa.

Tia Mundinha olhava para o rapaz naquela situação de canto de cerca e os ângulos da boca dela mostravam sinais contraditórios: eram severos e risonhos ao mesmo tempo. A rigor não precisaria de mais nenhuma palavra de Vaqueirinho o que ela queria saber estava escrito na face pasma do rapaz. Por isso mesmo tratou de encomendar alguma coisa ao rapaz a título de liberá-lo daquela prisão de ventre emocional.

Em seguida foi ao encontro das outras tias: Rosinha e Maria sentavam-se na varanda tirando a casca e chupando pitombas mais doces iguais a nenhuma da redondeza. Um balaio cheio de cachos de pitombas ainda com pedaços de galhos e suas folhas era a visão da fartura do paraíso.

Assim que Mundinha aproximou-se as duas abriram os olhos uma vez que tinham observado à distância a coceira intensa na cabeça de Vaqueirinho, enquanto palatavam o doce da pitomba e dela extraia a pequena popa que tem o dom da abundância tal é o poder do sabor. Maria perguntou: o que Vaqueirinho fez de besteira?

- Menina eu estava navegando na internet e abri um site com uma notícia impressionante.

- E do que se trata mulher? Para que tanto espanto?

- De um assunto que aqui por nossos ermos, brutos e matutos até pode ser que exista. Mas o assunto é na pérola da civilização.

- É mesmo? – Tia Rosinha até parou de debulhar as pitombas do cacho que tinha no colo.

- E onde é este lugar? – Tia Maria perguntou.

- Na Alemanha. Na fina flor da civilização. O assunto está legalizado por lá.

- Mais menina que coisa mais horrível. Legalizado desde quando? – Tia Maria queria saber detalhes.
- Já tem mais de quarenta anos que o assunto foi aprovado como lei.

- Meu Deus do céu onde este mundo vai parar? – Tia Rosinha cuspindo o caroço de pitomba enquanto falava.

- É o juízo final! – Tia Maria mantinha a censura aos fatos.

E as interjeições continuaram por mais algum momento, até que tia Rosinha se deu conta que havia algo errado: elas tinham os adjetivos, mas faltavam os substantivos. E nesse lapso entendido ela afinal perguntou:

- Mulher o que foi mesmo que tu leu?

- Desde 1969 que na Alemanha foi legalizada a Zoofilia Erótica. Mais de cem mil alemães praticam esta coisa.

Tia Rosinha e tia Maria que vinham das alturas dos escândalos estavam no pântano da dúvida: zoofilia erótica. O que seria isso? E agora como mostrar a ignorância para a irmã que tinha a vantagem de ter lido toda a matéria na internet e já sabia do que se tratava. As duas trocaram tantos olhares até que a vergonha se desmascarou e uma delas com raiva perguntou:

- Mais com seiscentos milhões de demônios o que diacho é Zoofilia Erótica?

Se tivesse com meu Iphone iria fotografar o ar de satisfação professoral de tia Mundinha e ela foi seca como um estampido de bala:

- Sexo com animais. Na Alemanha a lei protege quem faz sexo com animais. Dizem que não maltratam os animais e só fazem o que eles querem. Teve um sujeito que até disse que é mais fácil saber o desejo de um cachorro do que de uma mulher.

Sou obrigado a usar letras neste espaço, mas na verdade deveria ser tão em branco como o clima entre minhas tias após a frase final de tia Mundinha. A cesta de pitomba foi esquecida. As cadeiras ficaram vazias. As três, em silêncio, recolheram-se aos aposentos respectivos com o sentimento de hibernação.  

Sim! Dona Angela Merkel, a papisa da Austeridade financeira, vai embarcar na Austeridade moral: pretende criar um clima para revogar a dita liberdade legalizada. 
                                                         CONSTELAÇÃO POÉTICA
 
Recentemente encontrei essa foto na internet e assim nomeei os poetas (da esquerda para a direita): Carlos Drummond, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mário Quintana e... ? não tenho certeza se é Fernando Sabino ou Paulo Mendes Campos.
 
Selecionei um poema de cada autor, com a temática amorosa. Vejamos:



Mário Quintana

BILHETE
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve
ainda…

 
Carlos Drummond

O SEU SANTO NOME
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.


 

Vinícius de Moraes

SONETO DE FIDELIDADE
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 

Manuel Bandeira

BELO BELO
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

O PAPEL POLÍTICO DOS CAPACHOS IMPERIAIS - José do Vale Pinheiro Feitosa


Por incrível que pareça não tem muito mais de ano e meio que pelo menos dois blogs do Crato reproduziram o documento de um militar brasileiro, em momento de reforma do serviço ativo, dizendo que O Golpe de 64 foi um ato heroico dos golpistas para livrar o país da anarquia e do comunismo. Os dois blogs bebiam na fonte da atual administração da cidade e publicavam o panfleto por afinidade ideológica com a extrema direita brasileira e muito provavelmente para provocar seus desafetos no campo político.

Ainda hoje anciões do Clube Militar guardam um ódio visceral contra políticas progressistas e sustentam esta energia a partir do borralho ideológico ainda dos anos de ditadura e dos embates das Reformas de Base intensamente mobilizadas pelo povo brasileiro no Governo João Goulart. As Reformas de Base reuniam um conjunto de medidas que abrangiam a reforma bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Incluía-se entre as medidas o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas. O carro chefe era a Reforma Agrária onde se reuniu um dos focos de maior conflito na política interna do país. No entanto foi no campo externo, especialmente em relação aos Estados Unidos da América e outras nações capitalistas dominantes onde a luta foi maior: eram medidas nacionalistas com maior intervenção do Estado na vida econômica, controle do investimento estrangeiro especialmente sobre a remessa de lucros para o exterior, além da nacionalização de empresas estratégicas como dos setores de energia e comunicações.
O que liga personagens relativamente nascidos após o golpe de 64 que pontuavam na política do Crato até agora a essa herança conservadora e extremista? Penso que vestem uma capa envelhecida para esconderem o verdadeiro sentido dos seus corpos ideológicos. Uma capa costurada com retalhos da luta anticomunista, de segmentos reacionários da igreja católica, de uma noção de família e patrimônio há muito ultrapassada pelo próprio desenvolvimento capitalista. Mas o sentido de ser na vida é um esdrúxulo senso de superioridade de classe subalterna ao modelo superior de outros povos, no caso os EUA. Esses personagens do outro lado da margem dos comunistas, repetem a mesma inação ou ação sob comando de outros povos, igual aos comunistas com a União Soviética.

Tomei por exemplo este chorume da história para nos lembrar que o Golpe Militar de 64 era uma fachada ideológica a serviço dos interesses dos Estados Unidos da América. Claro que refletiam o conflito interno, a forte reação de latifundiários e os próprios erros do Governo Goulart, mas jamais teriam a desenvoltura finalista que tiveram se não fosse o financiamento americano do IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) e do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que financiavam armas, textos, campanhas eleitorais e deputados no parlamento. Sem os mecanismos de sabotagem do abastecimento, além de programas de invasão da CIA e outros setores de inteligência americana dentro do Programa Aliança para o Progresso e com o que chamava Voluntários da Paz. Nos idos dos anos 63 a 67 só no bairro da Batateira moravam dois americanos sem papel religioso, vivendo numa casa precária e colhendo informações.   

Porém o mais importante foi o deslocamento de uma frota de navios para dividir o país em cinco partes e assim promover o fatiamento da unidade nacional. Com armas, armadas, infiltração social, financiamento de setores militares, políticos, da mídia,  religiosos e intelectuais, os EUA foram o móvel essencial do golpe. Até mesmo a violência com a tortura e humilhação sofrida por militantes adversários fez parte da política americana que além de ampliar a capacidade de torturar apoiava todas as práticas já em curso nos porões da polícia brasileira, sem contar os horrores já praticados durante a ditadura do Estado Novo.

Os EUA não apenas foram o móvel do Golpe, como auferiram logo em seguida todas as vantagens econômicas advindas dele: remessas de lucros, fim da estabilidade do emprego, arrocho econômico, perseguição dos trabalhadores e a criação de multinacionais que dirigem até hoje a economia nacional. Foi efetivamente um Projeto Imperial que levou o povo brasileiro a um atraso imenso em seu progresso e desenvolvimento, atingindo todos os campos: a posse da terra, a urbanização justa, a educação, a saúde pública, a infraestrutura produtiva e, principalmente, a autonomia para um projeto de desenvolvimento nacional.

Isso tudo não pode ser mais objeto das dúvidas daquele militar de pijama do início do texto: isso é um farto material pesquisado e para ser ainda mais aprofundado do papel dos EUA no Golpe Militar de 64. Não é questão de crença ideológica, é a luz dos documentos e registros da época.  

Essa é pra você!


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Explode, coração ! - socorro moreira


As ruas estão iluminadas para o Natal. 2012, no pódio, como atleta do tempo.
Paradoxalmente vivemos fases diversas, nas paralelas. O facebook bombando. Este não me interessa tanto. Prefiro o aconchegozinho dos blogs, onde me desnudo, mesmo com pudores. Fico feliz com as postagens de Zé Nilton Mariano, Zé do Vale, Stela, Liduína, Brandão, Ulisses, Nicodemos, Rosemary,Alexandre Lucas, Zé Flávio, Emerson, Zé Almino, Domingos, Arimathéa, Joaquim, Ângela,...
 - Estes que movimentaram literariamente o blog, neste ano quase findo.
Não vejo chances de ponto final... ”O AZULSONHADO” continua, a não ser que o mundo acabe para todos... Impossível!?
Espero projetos novos e interessantes em 2013. Boas mudanças, e fertilidade no campo das artes. Espero ganhos na contabilidade da vida. Espero saúde, paz e crescimento, no contexto humano, que faz parte de um sistema maior.
As guerras do petróleo, religiosas, ainda constituem uma ameaça, mas as mortes acontecidas em São Paulo também nos angustiam. Sinto medo. Quero rever meus amigos, estar com todos, ainda neste plano. Que tudo possa ser celebrado com alegria e entusiasmo doravante, e sempre, desconsiderando, sem desvalorizar, os percalços inevitáveis.
Quero a poesia, no pisca - pisca do Natal. Quero a constelação de amigos, seguindo a órbita da Chapada do Araripe,  bebendo das nossas águas, roendo piqui... Quero todos os nossos braços ocupados de abraços, e corações em palpitação!
Pensando bem, tanta gente tem lugar especial no meu coração, que às vezes penso que ele explodirá como um balão.




A BATATEIRA E FAIXA DE GAZA - José do Vale Pinheiro Feitosa


Para se tomar uma referência em relação à Faixa da Gaza, com 1,5 milhões de habitantes e recentemente bombardeada pelo Exército Israelense (não Judeu que é um povo e uma religião, embora cada vez mais ortodoxos prefiram confundir a temporalidade de um Estado com a atemporalidade religiosa): a região metropolitana de Fortaleza possui 3,7 milhões e a região Cariri 574 mil habitantes. E por que falar em Faixa de Gaza?

Para observar o significativo da injustiça social, do genocídio e da perseguição aos pobres em todo o sistema de produção, circulação e distribuição das riquezas no mundo atual. Ali naquela faixa estão todas as formas de ódio, de ressentimento, de humilhação, de apreensão constante do que um dos importantes Judeus do ocidente, Noam Chomsky, considera como “a maior prisão a céu aberto do mundo”.  Diz Chomsky, evidenciando os propósitos das políticas de dominação de nações detentoras dos avanços tecnológicas e controladoras de grandes riquezas: “cujo propósito não é senão humilhar e rebaixar a população palestina e ulteriormente garantir tanto o esmagamento das esperanças de um futuro decente quanto a nulidade do vasto apoio internacional para um acordo diplomático que sancione os direitos a essas esperanças.”

Não por culpa dos Judeus, mas por um mistura do Estado de Israel com o projeto Imperial dos Estados Unidos, especialmente na região mais promissora em Petróleo ao fim da Segunda Guerra Mundial, praticamente tornando Israel em mais uma Unidade dos EUA. Assim como foi o Havaí tão distante. A situação hoje de Israel e seu Exército tornando prisioneiros aos palestinos, matando-os e destruindo seus prédios, tem um dor cruel: o mesmo valor insensível e odioso dos genocidas dos judeus na Alemanha Nazista.

Mas copiando Caetano o Gil volto-me para as nossas faixas de gaza, pois estas estão aqui mesmo em nossa cidade. Se formos passear nas mentes assustadas e cheias de ódio que praticamente surtam diante de eventuais “crimes” contra o patrimônio feito por algum morador de nossos bairros populares como a Batateira, por exemplo. Ao invés de se observar o crime, suas razões agravantes e atenuantes, o amplo direito de defesa e o poder de punir da justiça, toma-se de uma cultura punitiva contra todo um bairro. A Batateira se torna, especialmente na mídia “escandalosa”, nas rodas “familiares” que advogam um individualismo exacerbado e consumista e, por isso mesmo, na voz de políticos oportunistas, numa “faixa de gaza” a ser atacada.

O bairro da Batateira como um equivalente à Faixa de Gaza funciona no imaginário punitivo de setores da nossa cidade com o mesmo valor extremado de ampla maioria no Estado de Israel. A cegueira de injustiça, justaposta à luz da Justiça é o que mais temos para refletir sobre qual a cultura urbana e social que o nosso país deseja. É certo que há uma ampla força trabalhando para reproduzir “ad nauseam” as faixas de gaza, mas certamente temos que nos organizar para construir a contradição a isso para em seguida extrair a síntese de uma sociedade democrática.