por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 13 de dezembro de 2014

VASSOUREIRO! - José do Vale Pinheiro Feitosa

O espaço onde vivemos não apenas garante a sobrevivência. Desenha nossas emoções, o modo como compreendemos o conteúdo e o continente. A formação da memória e o processo pelo qual a memória não é um mero arquivo. É coisa viva. Que pulsa, se anima, se entristece, apreende coisas novas, inclusive dos acontecidos.

Moramos numa ladeira. Uma ladeira que tem curva. Portanto, não apenas o aclive esconde pedaços de sua sequência para cima ou para baixo, como a curva extrai eventos na proximidade. Isso é, a visão deles. Pois tudo o que resta a outros sentidos, se tem por testemunha de ocorrência.

E como ladeira, no talude da montanha, à audição adiciona uma certa reverberação dos sons. São os carros bufando na subida, os freios na descida. São cães latindo na caminhada de seus donos, como naquele momento do sol nas prisões. Os cães dormitam no espaço menor dos apartamentos.

De vez em quando lá de algum lugar que não se enxerga começa uma chamada. Uma voz repetindo a mesma palavra. Subindo pelas encostas. Como uma pena voando em direção aos galhos das árvores altas que margeiam a passagem. Uma palavra bela. Um canto. Um som que vai no âmago da memória e extrai as coisas passageiras, tidas como idas, mas havidas como atuais.

E a voz vai revelando fonemas. Vai subindo. Vem lá de baixo. Se aproxima da minha janela. Com pouco a palavra se revelará como um sujeito em sua ação. Uma ação que juro, antes do acontecido, é a fusão de centúrias, da lida humana, dos pés atemporais como aqueles que vão pelas ruas para expressar as mãos ritmadas do triângulo anunciando o cavaco chinês.

E do primeiro momento que o olhar capta a visão, o ouvido interpreta a palavra. VASSOUREIRO! E repete tantas vezes quanto a oportunidade de vender as suas vassouras. Vai subindo pela minha rua, o vassoureiro do início do século XX aqui no Rio de Janeiro. O momento em que fica claro que a saudade também é uma forma de eternidade.

Pego na carteira de dinheiro. Não quero nem saber a situação das minhas. Pego o elevador e desço para comprar alguma coisa com o vassoureiro. Tudo para que o grito do vassoureiro nunca desapareça da minha rua. Nesta ladeira. 

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