por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 15 de junho de 2012

Gabo esquecendo o mundo para que lembremos dele - José do Vale Pinheiro Feitosa

Nesta semana um amigo muito próximo de Gabriel García Márquez informou que o grande escritor estava perdendo a memória e que não se lembrava mais dos amigos. Aos 85 anos Gabriel assim como o Arcanjo apresentava mensagens eternas. O escritor pernambucano Urariano Motta escreveu um belo texto sobre tais notícias. Nele recordou que a história da perda de memória de Gabo já havia sido referida na biografia Gabriel García Márquez - uma vida, escrita por Gerald Mantin. Urariano extraiu um trecho em que isso se revelava que considero uma das mais exuberantes manifestações de amor ao mundo:


Gabo não podia mais dar respostas claras e acuradas a perguntas diretas e inesperadas, e era capaz de esquecer o que acabara de dizer cinco minutos antes. Eu não era especialista sobre as diferentes formas e progressões da perda da memória, mas minha impressão foi de que sua condição progredia com bastante constância. Era duro ver um homem que havia feito da memória o foco central de toda a sua existência assediado por tal infortúnio. Gabo era “um recordador profissional”, como sempre se chamou...
Com dicas adequadas podia lembrar-se de mais coisas do passado remoto – embora nem sempre os títulos de suas obras – e travar uma conversa razoavelmente normal e até bem-humorada. Mas sua memória imediata estava fragilizada, e Gabo se mostrava claramente angustiado com isso e sobre a fase em que parecia ter entrado. Depois que conversamos sobre seu trabalho e seus planos por algum tempo, declarou que não tinha certeza se voltaria a escrever. Então ele disse, quase melancólico: “Escrevi bastante, não escrevi? As pessoas não podem ficar frustradas, e não podem esperar mais nada de mim, não é?” 

Estávamos sentados em imensas poltronas azuis, numa saleta íntima do hotel, de onde se via o anel rodoviário do sul da Cidade do México. Lá fora estava o século XXI, voando. Oito pistas de tráfego incessante.

Ele me olhou e disse:

- Sabe, algumas vezes fico deprimido.
- Como? Você, Gabo, depois de tudo que realizou? Não acredito. Por quê?

Ele gesticulou para o mundo além da janela – a grande artéria de tráfego intenso, a intensidade silenciosa de todas aquelas pessoas comuns vivendo a vida num mundo que não era mais seu - depois voltou o olhar para mim e murmurou:

- Porque percebo que tudo isso está chegando ao fim.
 

Um comentário:

socorro moreira disse...

Pior do que esquecer é o tédio de não viver.

Belo texto, Z|é do Vale!

Abs