por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 19 de março de 2012

Afasta de mim esse cálice! - José do Vale Pinheiro Feitosa

Reconheço a barra pesada que seria revelar o nome da cidade ou identificar a secretaria municipal onde estas cenas ocorreram. Nada de bom para minha saúde.

Posso dizer que não foi na Paraíba ou mesmo num vale qualquer que forme uma região. Se me perguntarem se os fatos aconteceram no Rio de Janeiro, o Estado, isso lá não garanto.

Aos fatos!

Esta coisa que balança entre o público e o privado. Que gera uma corrida de aventureiros pelos fundos das verbas do povo que deveria ir para o povo. E não vão. A ganância é tanta que sempre se pretende ganhar mais por menos feito. Aí o déficit do que já é pouco se amplia ainda mais. Escoa para os “esquemas” que criam “riquezas” para ganhar “eleições” e deixando um número de “sócios” com os “bolsos” abarrotados.

Pois é: o grande sonho de uma geração de sanitaristas, educadores, humanistas e outros mais, de uma sociedade democrática e protegida pela municipalização virou a “vantagem” da espertaria que privatiza os bens públicos.

Como diz a grosseria popular: a “sacanagem” se municipalizou. Então estão explicados, em princípio, como os fatos se sucederam: sem respeito humano, sem ética, uma esculhambação que derruba todos os limites da honra das pessoas.

O primeiro personagem é o típico homem de “negócio”. Conhece os “trâmites” das licitações, carrega na algibeira os “fornecedores” por onde anda e por aí “faz” grana que financia a “política” e então fica de município em município fazendo “negócio”. Sanitarista ou professor assalariado para eles é um esquerdista “dinossáurico” e eles se agarram às maçanetas do poder como uma craca ao casco de um navio.

O segundo personagem é uma mulher bonita, técnica, com curso superior, ambiciosa e que pelas “qualidades” ocupa cargo de chefia. O marido também foi um secretário só que de outra pasta e agora não mais exerce função nenhuma no novo governo.

É neste ambiente que o homem de “negócio” e a mulher de “qualidades” se encontram, só que ele é o chefe. Mas isso não é tão a seco assim. Há que lubrificar o choque de interesses, piadas, encontros públicos e almoçarem juntos numa repartição junto com outro terceiro personagem de importância relativa.

Enquanto a mulher se esquiva entre uma piada e outra, põe gelo no fervor dos olhares do homem, as coisas vão para um desfecho em que ele já se imagina vencedor do certame. Ele ganha todas as licitações em que participa. Só que ela é casada e o marido um homem acima do desenvolvimento estatural e alguns excessos ponderais para a média nacional, sem contar para um “nanismo” relativo do homem de “negócio”.

Interpretado os fatos, ponderamos que a grosseria típica desta época, somada à arrogância do poder e da vitoriosa “carreira” nas verbas públicas, levou o baixinho a uma escorregadela indevida. Não foi a única, talvez nem a primeira e certamente não será a última. A não ser a respeito desse assunto especificamente quando seria melhor que ele se tornasse monge.

Este negócio de e-mail a nossa avó bem que disse que tivéssemos cuidado: o bicho é viral e se espalha feito epidemia. E não foi aí que o cara, “tomado” da sutileza com que as percentagens são negociadas nas licitações, veio para cima da mulher com muitas “qualidades”.

Para Cc.: “eu sei que você saiu com o fulano. Agora tem que ser comigo.” O bisavô de qualquer um já avisara: a chantagem funciona até certo limite, a partir daí se declara guerra. No estilo “mafioso” da “negociação” o malandro pretendia ganhar a mulher de outro com mais de um metro e oitenta e que já fora secretário e até mais do que este que era o famoso vice de “negócio”.

Até aí ela segurou a barra, mas a arrogância é assim: não tem um limite em razão do outro. Avança de qualquer modo e naquela grosseria que lhe cabe disse por e-mail que já tinha praticado cinco atos solitários só pensando nela. Isso, convenhamos, não é sedução e nem objetividade: é puro desperdício. Todo desejo é apenas para o outro e como o outro. Uma fantasia já resolvida em si mesma, com o outro apenas na imagem, se torna uma traição da própria essência que é o desejo que ela despertou no homem.

O marido foi instado a tomar providências. Os verdadeiros móveis da convocação ele jamais o saberá, pois se sobrepõe, a qualquer um, a honra matrimonial. Não interessa a interioridade do orgulho feminino ferido, apenas a honra familiar traída. E o marido se tornou um gigante de ódio.

Mas aí surge a contradição máxima. Ir para cima do conquistador “internético” e dar-lhe uns merecidos safanões se tornaria a vingança do corno. E o baixinho ainda sairia com os roxos da face como medalha do conquistador que levou ao desespero um homem daquele tamanho. Então foram enormes noites solitárias a pensar numa solução para a ação. O segundo ato foi preparar a munição para a vingança uma vez concluída qual arma seria mais eficiente.

Tudo pronto. Ação!

Sete horas da manhã o “marido” furioso se encontra na porta da secretaria. A vida segue normal: funcionários com ar de enfado da rotina entrando e assinando o ponto. O guardador de carros arrumando vagas na rua. Pessoas em busca de recursos. No outro lado da calçada a vida normal, especialmente do café onde as pessoas vão tomar conhecimento das novas fofocas do mundo e da cidade.

Aí o homem de “negócio”, já pelas nove horas da manhã estaciona tomando de pronto duas vagas sem necessidade. Só para mostrar poder. Desce do seu carro e naquele andar rapidinho de quem tem pernas curtas, com o corpanzil acima do peso como é devido a todo mundo que ganha bem, vai em direção de sua sala.

Encontra o “maridão” acumulado de fúria pela espera. O homem de “negócios” o cumprimenta e o outro diz que precisava conversar com ele no gabinete de “negociações”. Ambos sobem uma escada, passam por uma guarda de segurança que se posta ali para proteger as autoridades. O baixinho nem se aproveitou do descanso ao colocar sua pasta cheia de processos em sua de sua mesa. Não deu tempo e a tempestade vociferante despejou-se sobre sua honra, sua covardia, sua inação.

Os decibéis da voz do “gigante” ferido inundaram o espaço inteiro do quarteirão. O pessoal que estava no café saiu de lá e se aglomerou na calçada com os olhos espiando as janelas abertas por onde vazavam “elogios” dantescos. Os funcionários que estavam nas salas, em todos os andares, se agitaram com a gritaria. A secretária do indigitado homem de “negócio” usou os arquivos de ferro como casamata de proteção.

E a coitada da guarda de segurança? Pois é: o gigante começou a vociferação ainda com a porta aberta. A segurança que estava sentada numa mesa próxima à porta deu um pulo tão logo soaram as primeiras sílabas e postou-se após o verbo em posição de ênclise. E dali agiu com a voz sumida na audioamplicação presente: gente, por favor, pare com isso. Gente pelo amor de Deus!

O escândalo tomara o coração da cidade. Não foi uma simples audiência localizada: foi um verdadeiro comício. Seu filho disso, daquilo e daquilo outro. Seu isso e seu aquilo. Vai querer minha mulher, mas não vai levar. Mas eu vou te dar o que você quis dar para ela. Tome aqui! Tome! É todo meu! Leve o que é meu!

E abrindo um vidro jogou um líquido gosmento sobre o rosto do baixinho pálido e estático com os costados sobre um forte armário de aço. O coitado ainda se protegeu levando a mão em defesa do rosto e aquela gosma ficou pingando na ponta dos dedos como uma cópula de sucesso.

Leve! Leve o que é meu! O gigante finalizava sua ação e começava a se retirar deixando um homem empalidecido ao extremo, as pernas bambas e um grande alívio. Ele esperava que daquele vidro saísse um ácido com poder de corroer até as madeiras daquelas famosas caras. Ele limpou alguns dedos nas bordas do armário, buscou papéis para recompor-se dos excessos de gosma logo ao amanhecer.

A guarda de segurança, com a boca escancarada, os olhos esbugalhados, afastou-se para que o marido refeito e vitorioso de seu ato seguisse em frente sem que o corpo dela serviço de empecilho ao livre ir e vir daquela ira. Tão logo conseguiu soltar a respiração, pensou em ir arrumar um pacote de papel toalha para limpar os excessos do chefe.

A rua inteira só comentava o ocorrido e as versões se multiplicaram na rosa dos ventos da cidade. Alguns dias depois um amigo perguntou ao marido sobre a natureza da vingança. Ele respondeu: matutei muito o que deveria fazer até tomar a decisão. Então passei cinco dias juntando e misturando com um pouco de soro para se manter aquoso. Agora o mais gostoso de tudo é que todos os dias eu recebo a oferta de sêmen para ampliar o volume sobre aquele desgraçado. Tamanho é o número de desafetos do homem.

A história, dizem, não terminou aí. Alguém viu o baixinho, que por conta da exposição e do lava rosto em sêmen terminou sendo exonerado, indo, em segredo fazer um exame de sangue. Dizem que é prevenção primária do HIV. Afinal foi uma chuva de esperma sem camisinha.

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