por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Texto de Tiburi sobre Madonna - Colaboração de Luiza



"A Indústria Cultural substituiu a totalidade daquilo que antigamente as pessoas chamavam de arte, mas manteve a promessa de felicidade que a arte promovia
Raramente alguém que diga Indústria Cultural sabe o que está a dizer. A própria expressão cunhada num livro de 1947 por dois autores – Max Horkheimer e Theodor Adorno – sempre criticados por quem jamais os leu de fato, foi apropriada pela indústria que, no ato mesmo de apropriação, aniquilou seu potencial crítico. Ler ou simplesmente citar autores críticos já faz, de certo modo, parte da Indústria Cultural, mas entender o que eles possam ter dito não faz. É assim que, hoje, enquanto o crítico dos produtos culturais usa a expressão com certa vergonha por achá-la inatual, a empresa de entretenimento com franqueza invejável diz agir em nome da Indústria Cultural. A expressão deixou de ser sinônimo de crítica ao lixo cultural (Adorno, por exemplo, dizia que “toda” a cultura era lixo, reaproveitando Freud). Ninguém mais vê mal algum em que a cultura possa ser associada a algo como lixo ou que haja lixo como cultura. Falar de lixo já não assusta. É claro que toda cultura tem relação com o resto da cultura anterior, com o que sobra da pesquisa científica e da produção artística. É certo que toda cultura de massa vive da alimentação que eruditos e populares fornecem às massas, verdade que a construção da ideologia que alimenta as massas vêm de cima pra baixo e, por isso, se falar que cidadãos comuns chafurdam na lama da cultura não é nada demais, muito menos dizer que se lambuzam na cultura de massas. Que o lixo seja cultura é normal e aceitável. Em vez de criar temos que reciclar. Toda a cultura torna-se pastiche.
No entanto, o fato de que a expressão Indústria Cultural seja assumida e não indique nada demais é um problema cultural grave. Significa que, no embate da crítica com seu objeto, a própria crítica foi devorada e só temos que nos conformar que ela passou a fazer parte do sistema contra o qual se dirigia. Ou seja, podemos colocar o sentido crítico da “indústria cultural” no lixo que ela mesma criticava. Porém, analisando um pouco mais, o que foi para o lixo numa manobra que põe em risco o sentido da coisa que se quer designar com a palavra “cultura”, foi a crítica. Com a crítica vai-se embora o sentido da cultura. Ficamos só com a indústria que parece dar mais garantias: emoções baratas como produtos made in China com know-how americano num contexto em que as formas de vida, nossos gestos, pensamentos e ações servem à religião do mercado, à sua versão mais “espiritualizada” cuja crítica Guy Débord, por exemplo, tornou imortal em seu A Sociedade do Espetáculo. Aquilo que chamávamos Vida é o que fica entre o muro da Indústria Cultural e o espelho sem reflexo do Espetáculo.
Falar em Indústria Cultural ainda era um modo de pensar o processo de produção da cultura. Quem quiser se manter crítico não deve colocar o termo no lixo sem antes verificar sua possibilidade de reutilização. Estamos em tempo de valorizar o lixo. Do mesmo modo o lixo como sobra cultural. A crítica, neste sentido, é também uma questão de ecologia cultural. Não de sustentabilidade da cultura diante de sua aniquilação total em indústria, mas da chance de que outras formas de vida e experiência não regulamentadas pela indústria possam ser preservadas. O problema nem é a cultura, mas a indústria que substitui aquilo que muitos esperavam que ainda tivesse a ver com arte, criação, resistência, liberdade de expressão. Coisas velhas que, infelizmente para os mais “espertos”, ainda podem vender bem. Afinal, o que não vira mercadoria? Fugir, não há como negar, ainda é preciso.
Se definirmos “cultura” como processo e obra humana, o que se revela no lugar existencial do qual não podemos fugir é que a vida inteira foi substituída pela indústria. Ao dizer indústria refiro-me à produção em série com vistas ao lucro e que, para tanto, necessita de escravização em graus variados. A indústria define-se pelo processo de produção que envolve a dominação de uns por outros. Se há produção em série é porque há o objetivo da cópia e da distribuição em série de um mesmo produto. Se o objetivo é a reprodução e distribuição, nada mais lógico do que prever quem será o destinatário, seja do produto, seja da mensagem. A este destinatário o “sistema” chama consumidor. Para que haja consumidor, ou seja, alguém que corresponda às produções industriais que devem ser tão efêmeras quanto exige o lucro esperado, é preciso que se controle um sentido da espécie humana que desde que foi descoberto (ou inventado) não deixa de ser manipulado por seu potencial mágico: o desejo.
Assim é que tanto a indústria de automóveis quanto a da pornografia, tanto a indústria cinematográfica quanto a musical ou literária, têm o mesmo propósito. Atingir a aura do capital, servir ao seu valor de culto, afinal não há nada que escape (salvo exceções que confirmam a regra) da religião do capital. Espetáculo é só o seu nome pomposo. Claro que as mercadorias culturais valem muito menos, mas quem trabalha com elas, mesmo se sentindo menos bem remunerado, saberá que, muitas vezes, terá um lucro extra em prazer e, quem sabe, até pagamento em narcisismo. Ou será que o artista seria incapaz de mensurar o que deseja com a obra que faz quando deve incluir o lucro no todo dos seus propósitos? Perguntas como esta não deixam em paz quem se ligue à arte. Será que alguém ainda pode ser romântico diante da Indústria? Quem conseguir se salvar do ideal do lucro é o único que terá vivido uma vida justa como artista. Mas a quem ela ainda pode interessar em termos estéticos e éticos? E apesar de tudo isso, esta crítica não pode significar apenas que o artista deve ser pobre para garantir seu lugar no céu da ideologia da arte.
Indústria, não devemos esquecer, é o contrário do artesanato, ou seja, da produção em pequena escala que dificilmente envolve mais-valia. A maior parte dos artistas vive de uma produção fora da indústria, a qual chamamos de processo. O artista atual ou vive mais próximo do que antigamente chamávamos de artesão ou vive dentro da indústria. Não há terceira alternativa. Arte, no entanto, não é palavra que possa ser aplicada ao que se deve chamar Indústria Cultural, sem que se sinta certa vertigem. Aqui temos que tratar de negócios. Precisamos voltar nossos olhos para o business. Arte, se ainda quisermos pensar no seu potencial de emancipação, resistência, crítica, etc. seria uma irrupção de algo completamente outro em relação à mercadoria. O que se poderá esperar ou desejar na vida industrializada além de mercadorias? Arte seria algo que muitas vezes está presente nos produtos industriais, mas que não interessa realmente à Indústria para além do lucro que pode render. Também artistas sérios buscam nela seu lugar ao sol.
Indústria como bussiness
Neste ponto, já posso incluir o fantástico exemplo de Madonna no contexto da Indústria Cultural e pensar o que o seu fenômeno significa nestes tempos em que podemos chamar de Espetáculo à religião da Indústria Cultural.
Madonna é vista como uma artista, termo que lhe pode ser bem aplicado, caso se entenda arte como sinônimo de mercadoria. Madonna é um claro produto industrial, como os carros que são fabricados em série na mítica cidade de Detroit onde ela nasceu e viveu até se tornar aquilo que, sem desmontar o mito, chamam “rainha do pop”. Madonna não é arte, contudo, no sentido de produto insubmisso à sua transformação em mercadoria. Ela é pura e explicitamente mercadoria. Ninguém pode lhe objetar a falsidade. Quem pergunta se ela é arte está equivocado quanto ao estatuto da questão.
Madonna não é nada, dirão seus críticos mais ferrenhos, aqueles que percebem sua inexpressividade musical, mas desconsideram a competência espetacular que é o seu foco. Dizer que ela é uma má artista é um exagero que desconsidera que sua questão, a despeito da enganação que a publicidade faz com o povo usando o apelativo da arte, não é a arte, mas o Espetáculo. Quem entender de mercadoria não poderá se revoltar contra Madonna. Como mercadoria ela nem pode ser cobrada de qualquer ética para além do que ela está a vender.
Madonna é um produto muito competente da Indústria Cultural que culmina na Sociedade do Espetáculo. Ela é uma empresa que usa a cena da arte. É um negócio como qualquer negócio. Emblema da competência, ela é a alegoria perfeita da Indústria Cultural e a melhor expressão da falta de expressão do Espetáculo. Vazio estético apresentado com pompa de efeitos especiais e corpo de plástico, pura esteticidade que impera com sua marca autoritária de coisa a ser seguida por hordas de imitadores e “consumidores”, aparência de beleza eterna que sobrevive ao tempo, estereótipo e simulacro. Imitar a produção não serve para alimentar seu ego. Isto não vem ao caso. O que importa é a série de produtos que são vendidos com a marca da Madonna. Nada de novo se diz aqui. A única coisa que seria realmente uma novidade seria a consciência de que a imersão no meramente estético que a mercadoria Madonna define é que estamos diante de uma máscara sem rosto. Só o que podemos lhe objetar é aparecer tanto e roubar espaço em nosso imaginário. É não pedir licença. A Indústria Cultural é um eterno saque indevido, um roubo, no tempo do imaginário que seria um direito de todos.
Madonna ou Vênus
Assim como no Renascimento italiano a Vênus surgindo das águas na pintura de Botticelli representou a verdade, Madonna é a nova verdade na passagem dos séculos. É a Indústria Cultural emergindo no Espetáculo. O mito do nascimento da Vênus na pintura de Botticelli mostrava que a verdade deveria estar nua e livre das roupas da cultura. Madonna inverte tudo. Enquanto a Vênus nascia do mar, sustentada por uma concha, Madonna surge de dentro de carros, holofotes, lasers, luzes e toda a parafernália que adorna o kitsch pomposo do pop com seus trejeitos herdeiros das óperas, feito de rituais de efeito sadomasoquista e lúdico-tecnológico. Seu corpo forte e musculoso, capaz de enfrentar toda fraqueza, que promete superar toda morte, é o emblema do poder invejável, o poder que faz qualquer um entregar sua liberdade em nome de um sentido, uma proteção pela adoração da imagem.
Aqueles, feministas ou não, que viram em Madonna a emblemática da mulher poderosa porque desbocada, sexualmente livre, determinada, competitiva, e apesar de toda a sorte de liberdade, capaz de ser uma boa e caretíssima mãe, não percebem que ela mesma é uma montagem que deriva da cultura patriarcal que continua dizendo o que devem ser as mulheres. Não mais do que coisa para olhos alheios. Sem moralismo quem poderá objetar que há algum mal nisso tudo? Temos apenas que cuidar para que a ausência de moralismo não nos jogue de cara no chão do cinismo que a tudo perdoa.
Madonna não é feminista. Seria feminista se não fosse senhora e serva da indústria, rainha e súdita do pop. Madonna, emblema da indústria, é fabricada pela indústria que precisa levar em conta as demandas feministas, pois “mulheres” também é uma excelente mercadoria.
A Indústria Cultural substituiu a totalidade daquilo que antigamente chamamos de arte. Mas manteve a promessa de felicidade que a arte promovia. A arte, assim como a crítica, foi descartada já que o que ela prometia custava caro em termos de experiência. A crise da arte não pode ser separada do capitalismo, do consumismo e da indústria que promete dar tudo aquilo que a arte antigamente prometia, mas por meios mais fáceis. O que a arte prometia era felicidade pelo estranhamento e pela distância. A indústria afirma que a felicidade pode vir sem estranhamento nem distância. Ela está ao alcance do cartão de crédito, ou dada de graça em rádios e tevês, e, hoje em dia, dada a qualquer um que aceite a publicidade, basta um pouco de prostituição ou aluguel dos seus sentidos. Nenhum de nós cobra pelo aluguel de nossos olhos e ouvidos. Somos otários ou ingênuos. A publicidade vende a idéia de que basta comprar e ter, que basta comprar para lucrar em entendimento e emoção. Quem não queira lucrar não deixará de ser otário. Pagará igualmente pela própria possibilidade que parece vir de graça. A publicidade, parasita de toda mídia, não irá deixá-lo em paz, seja pelo chamado do tele-marketing que já era uma potência da invenção de Graham Bell, seja antes de assistir o filme no telão do cinema onde se compra o ingresso para ver um determinado “produto cultural” e quem sabe “lucrar” vendo sinais de “arte”, e paga-se pela propaganda que não se pediu para ver. A única justiça seria ingressos de graça ou pagamento pelo aluguel da nossa paciência de rebanho.
Em show da Madonna no Rio, em um país pobre como o Brasil, os ingressos ao preço indecente do nosso salário mínimo de fome sobraram porque também haverá fome diante da Indústria Cultural. Ela não é acessível como finge ser. Nem Madonna escapa da nossa fome. E mesmo quando o preço do ingresso vale a emoção, ninguém sai sabendo mais do que aquilo que já se sabia quando se usa qualquer droga, o efeito é sempre o mesmo."

* Comentário de Luiza

Cérebro é uma coisa maravilhosa, todas as pessoas deveriam ter um!...rs..
E, não me venham com este papinho mais que furado..”gosto não se discute" e tal. Não, não me venham com desculpinhas maltrapilhas. A maioria das pessoas tem gosto musical eclético, também tenho, porém, costumo comparar gosto musical com paladar, uns gostam de comida oriental, outros preferem a comida francesa, outros tantos, a brasileira, e assim por diante, mas causa-me espanto que alguém consiga descer goela abaixo, e ainda deleitar-se.. com comida estragada! Enfim...
Que gozem os tambores!..rs..nem cabe discutir Madonna e Arte no mesmo parágrafo, e duvido que ela considere seu trabalho, arte!
Madonna é fake. Só consome quem gosta porque se identifica!
Não conheço uma só pessoa do meu círculo de amizades que admire ou mesmo curta a Madonna, e sinceramente, se um dia... conhecer alguém que goste, aniquilo..kkkk....!(preconceito??!!) bem, preconceito, às vezes, também é algo maravilhoso, assim como o cérebro...nos poupa um tempo precioso..rs..
Bom feriadão!

Luiza

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