por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Rio de Janeiro e Sempre - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Quando o Rio gritou pela sua escolha, era a escolha de um canto permanente. De uma cidade sem igual. Como os sonhadores que navegam em Atenas, as emoções que se elevam nas sete Colinas de Roma. Apenas um traço e toda humanidade sabe que se trata do Rio de Janeiro.

Em sua homenagem três vidas na cidade.

Rua Constante Ramos, em Copacabana, junto ao paredão do Morro dos Cabritos. As árvores tomaram a vitamina dos arranha-céus e buscam a luz como se rivalizassem com eles. São tão altas, que meu olhar lá de baixo imagina o universo fantástico daquelas brechas entre galhos e folhas perto da morada do sol. Era uma tarde urbana, de gentes em todos os quadrantes, carros em filas atrasadas, buzinas como se solicitassem aos santos do candomblé que a corrida se iniciasse.

Foi quando um homem alto, negro, ereto, muito elegante se aproximou. Aproximou-se dos latões de lixo e começou o trabalho de escolha. Mas não buscava papelões, latas ou garrafas. Fazia escolhas de coisas que já foram úteis para as famílias de classe média e agora se viam a caminho do lixão de Jardim Gramacho. Era um catacador sem igual e perguntei ao porteiro o que buscava.
- Coisas que depois vende nas calçadas de Caxias. Leva tudo que ainda possa ter algum tipo de recuperação. Outro dia ele pegou uns três pares velhos de sandálias japonesas e me disse que venderia cada um a dois reais.

Na mesma rua. Um senhor baixo, caucasiano, dos cabelos já totalmente esbranquiçados. De vez em quando o encontro sentado em algum batente de uma das portarias do edifício lendo um livro. Literatura de um modo geral. Já dediquei meu livro Paracuru a ele.

É cearense, da classe média, da família Lima Verde, fez segundo grau e viveu em Fortaleza uma vida confortável, inclusive tendo estudado em colégio interno. Veio para o Rio logo após o golpe de 64 e até hoje vive nas ruas, fazendo biscates, é pintor, de vez em quando toma um porre fenomenal e dá muito trabalho.

Com frequência um porteiro deixa que viva num canto qualquer da garagem dos prédios, mas ele tem o costume de brigar com seus acolhedores. De qualquer modo faz a sua higiene aqui e acolá por cortesia dos porteiros e vigias. Atualmente mora num carro velho abandonado junto ao Morro dos Cabritos, bem no fundo da rua.

Desço do metrô na estação de Botafogo e pego um táxi. Um homem que me parecia ainda jovem, negro, alto e de óculos era o motorista. Comento que o dia havia mudado, no início da tarde estava nublado e naquele instante o céu abrira. Ele diz que não sabia. Estava dormindo durante a tarde. Perguntei se ele trabalhava à noite.

Disse que não. Que já trabalhara muito na vida e que agora quando o sono chegava ia dormir. Depois retornava ao trabalho. Agora cuidava mais do corpo do que do consumo material. Levou-me a especular com a idade dele. Como política de boa vizinhança, embora com razão, pois seu aspecto era jovem, especulei algo como trinta e cinco anos. Ele corrigiu: quarenta e nove anos.

Continuou já entrando em minha rua falando da sua rotina de tarefas e de descansos. Um descanso agora bem cedido, aceito e vangloriado. Considerou que precisava deitar e dormir. Agora não mais se matava no trabalho, mas gostava muito de namorar e isso consumia as energias dele. Eis por que precisava descansar.

Paguei a corrida com nós dois concluindo que tudo se justificava pelas mulheres.

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