por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 6 de outubro de 2011

João de Sapuril e o horizonte - José do Vale Pinheiro Feitosa

João do Sapuril passou o braço diante de mim e fechou a poderosa mão como a segurar o ar. E sua mão estava cheia dele. Antes e depois da apreensão.




Eram sete homens na cabine do barco. Sete homens acostumados na lâmina sobre as profundas águas do mar. Eram sete homens e um só destino.

E nem tempo de respirar e o barco deu um galeio. Sentimos a pancada da água na porta da cabine. E estava tudo no fundo mar. Seis metros abaixo da superfície.

O mundo de ponta cabeça cruza as referências como um sacrifício. Onde é o quê, não se sabe mais. A morte tem o peso das águas e o que resta são alguns litros de oxigênio nos pulmões.
Tudo é igual: sem saída. Paredes de madeira, leme do barco, teto onde era piso. No último adeus uma luz e achei que era porta e fui. Saí por ela.

Foi um passo diminuto no que restava. Seis metros de água a subir na escuridão do mar e da noite. Seis metros a consumir os decilitros que restavam nos pulmões. Braçadas de desespero sem nunca chegar ao limite da vida ou da morte.

Quando o fluxo do ar de milhas distante da costa entrou nos pulmões, João do Sapuril estava no terceiro estágio das dúvidas entre a iminente morte e a esperança sem elementos constitutivos.
Ele e dois sobreviventes entre sete que afundaram juntos. Noite estrelada, um casco de barco a subir e descer violentamente nas ondas agitadas. A distância era obrigatória: o casco estava cheio de mariscos cortantes a anunciar sangria.

E agora mestre João? Vamos esperar perto do barco. Alguém há de nos achar por aqui. Não vamos nos afastar. O barco seria o norte da janela de achados e perdidos.

O mais novo, aquele que primeiro saiu para o ar, o que tinha mais força física, sucumbiu à escrita da morte anunciada. Ainda quis se agarrar a um dos companheiros, mas este pediu que se separassem para que ambos sobrevivessem. Ele não acreditou e afundou sozinho.

Acontecera o acidente às 7 horas e às 22 horas desistiram de ficar junto ao barco e saíram de braçadas no rumo da risca da terra. Um mais adiantado e outro mais atrasado com o peso da cruz do sentimento de entregar-se à realidade da morte.

João de Sapuril foi de braçadas para a vida. Perdeu-se do companheiro lá pelas tantas da madrugada. O náufrago enquanto os braços iam e vinham, dividia o ar de respirar com a voz de cantor e cantava Nelson Gonçalves por que te queixas és feliz. E nada sou perto de ti que tanto és.





Passou o dia todo nadando e no final da tarde, arrastado por um paquete, chegou à areia da praia. Longe de Paracuru: na Lagoinha. Achava que da praia mesmo iria andando até em casa.

Quando pisou no chão, a gravidade veio como um açoite e o derrubou na areia. As pernas sem resposta. A vida sem querer viver. A morte em vida. O pânico como o lento cozimento de outras desgraças.

E foram anos de tratamento. De não mais ir ao mar. E quando se perguntou o que pensava da morte ele respondeu: depois daquilo eu já sei como ela é. Não tenho medo, ela é apenas um instante e mais nada pesa na nossa coragem ou covardia.

Um comentário:

socorro moreira disse...

Li, reli...Gostei das músicas e do texto.
Maravilha!