por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Tradição Oral - Bisaflor conta histórias - Por: Stela Siebra Brito


Sábado passado, Bisaflor foi contar histórias no Lameiro, na casa de Cristina e Zé Nilton. Foi um acontecimento singular, porque as histórias eram intercaladas por músicas. Zé Nilton afinou o violão com esmero e tocou e cantou suas canções. Cristina, com Igor, seu neto, sentadinho junto dela, virou criança outra vez. Aliás, não foi só ela, todos os amigos presentes alimentaram-se não só dos deliciosos quitutes de Cristina, mas, sobretudo, da magia das histórias que Bisaflor contava. Foram muitas, mas Igor pediu para repetir a aventura do Príncipe Caranguejo. Criança é assim, sempre pede pra repetir uma história.

O PRÍNCIPE-CARANGUEJO

Era uma vez um pescador que estava passando por dias difíceis, parecia até que o mar não estava mesmo pra peixe, tantas eram as vezes em que ele chegava com o barco vazio na praia.
No entanto, houve um dia em que puxou a rede e ela estava muito pesada. O homem ficou feliz, imaginando o bom dinheiro que ganharia com a venda do pescado, mas qual não foi sua surpresa ao verificar que pescara um caranguejo de proporções enormes. Ficou abismado, mas decidido a arranjar comprador para tão inusitada pesca, só assim teria dinheiro suficiente para pôr comida na mesa da sua casa.

Foi ao palácio real para vender o caranguejo ao rei, mas este se mostrou relutante, pensava no que haveria de fazer com aquele caranguejo grandalhão. Enquanto tentava persuadir o homem a arranjar outro comprador, sua filha chegou e, como era louca por animais marítimos, pediu ao pai para ficar com o caranguejo:

- Ah, meu pai, compre, compre! Podemos colocá-lo junto com os dourados e as tainhas, no grande tanque, lá ele vai ficar muito bem.

O rei amava muito a filha, gostava de atender seus pedidos e prontamente comprou o caranguejo. O pescador mergulhou-o no tanque, recebeu o pagamento – uma bolsa de moedas de ouro - e foi embora comprar comida para a família.

A princesa não se cansava de admirar o caranguejo e passou a observar todos seus movimentos e costumes. Achou curioso constatar que todo dia, por volta do meio-dia o caranguejo desaparecia e só voltava ao tanque por volta das três horas da tarde. Para onde iria? Em que águas nadaria o caranguejo nesse espaço de tempo? Era o que se perguntava, mas não conseguia imaginar, descobrir uma pista enfim. “Fazer o quê? Existe tanto mistério na natureza, esse é só mais um”, pensou a princesa.

Certo dia estava ela contemplando seus peixes, quando um pobre vagabundo pediu esmolas, lá embaixo, no grande portão do palácio. A princesa jogou-lhe uma bolsa de moedas. O mendigo se esticou, mas não conseguiu pegar a bolsa, que deslizou pela água de uma vala.

Lança-se, então, o pobre homem na água e vai em busca do seu dinheiro, nadando, nadando pela grande vala, que se comunicava com o tanque do palácio por meio de um canal subterrâneo, que sabe-se lá onde ia bater. O fato é que nadando ele foi parar junto a uma bela fonte no meio de uma sala grande, atapetada e onde havia uma mesa posta. O mendigo achou prudente se esconder num cantinho, observando melhor o ambiente e o que poderia acontecer ali.

E assim, viu que ao meio-dia em ponto, um enorme caranguejo surgiu no meio da fonte, carregando uma Fada sentada no seu dorso. Quando chegaram ao meio do salão, a fada tocou com sua varinha na carapaça do animal, e eis que surge do seu interior um homem jovem e muito bonito. Sentaram-se à mesa; a fada com sua varinha fez aparecer comida nos pratos e vinho nas garrafas. Serviram-se. Depois o jovem voltou a entrar na carapaça de caranguejo, a fada tocou-o com a varinha e o caranguejo a levou montada no seu dorso, submergindo pela fonte até desaparecerem debaixo da água.

Só então o mendigo saiu do esconderijo, mergulhou na fonte e nadou, nadou, até desembocar no tanque do Rei. A princesa estava olhando seus peixes e assustou-se com a súbita emersão do mendigo, que logo tratou de acalmá-la dizendo que tinha uma coisa maravilhosa para contar-lhe. A novidade deixou-a radiante.

- Ah, então é isso? Estou começando a desvendar o mistério do sumiço do caranguejo toda tarde. Volte aqui amanhã, mergulharemos juntos.

Uma aventura no dia seguinte! Mergulharam na piscina, nadaram até a fonte através do canal subterrâneo e se esconderam na sala, aguardando os acontecimentos. Ao meio-dia chega o caranguejo carregando a fada no seu dorso. Acontece o mesmo ritual de todo dia: a fada toca com sua varinha na carapaça, aparece um lindo jovem, a fada faz aparecer bebida e comida na mesa.
Ora, se a princesa já gostava do caranguejo, imagine agora! Ficou cheia de amores pelo rapaz, queria chegar junto dele, falar-lhe, saber a história do seu encantamento.

A princesa quando metia uma coisa na cabeça não desistia fácil. Por isso, aproveitando que a carapaça estava vazia, meteu-se lá dentro e aguardou a volta do jovem, que ao encontrá-la no refúgio do seu encantamento, disse-lhe baixinho, temendo ser ouvido pela fada:
- Que fazes aqui? Isso é uma loucura, se a fada descobre acaba com nós dois.
- Eu só quero libertar-te do encantamento. Que devo fazer?
- Para livrar-me do encantamento seria necessário... Ah, é algo muito difícil, talvez impossível. Haveria no mundo uma jovem que me amasse e que se dispusesse a morrer por mim?
- Claro! Essa jovem sou eu, vou salvar-te, diga-me o que devo fazer.

Enquanto se travava esse diálogo entre os jovens, a fada, montada na carapaça de caranguejo, era transportada para o mar aberto, sem a mínima suspeita do que acontecia lá dentro, entre a princesa e o jovem, um príncipe, que ela havia aprisionado num encantamento.

O príncipe, então, disse o que a jovem deveria fazer para desfazer o encantamento:
- Deves ir até os rochedos da praia, cantar e tocar. A fada virá, pois adora música, esquece tudo por uma boa música. Vai pedir que você toque e cante para seu deleite, ao que você responderá que atenderá sim o pedido, mas em troca quer a flor que ela traz na cabeça. Essa flor é minha vida, quando a tiveres na mão estarei livre.

Quando regressaram ao tanque, o mendigo aguardava a princesa, pensava até que ela tinha se metido em apuros... Mas que nada! Estava ela ali sã e salva e, como sempre, generosa, presenteando-o com uma bolsa recheada de moedas de ouro.

Passada a aventura, a princesa correu para o rei e disse que queria aprender música, queria tocar um instrumento e cantar, no que foi prontamente atendida. Vieram os melhores músicos do reino para ensinar suas artes à princesa, que, decidida a libertar seu príncipe, foi a melhor das alunas: disciplinada e dedicada aprendeu muito rápido o domínio dos instrumentos e da voz.

Confiante na sua excelência como musicista e cantora, expressou para o rei seu desejo de tocar e cantar em lugares abertos, amplos:
- Tenho vontade de tocar violino num rochedo, à beira-mar.

O rei considerou aquilo um disparate, achou que sua filha estava ficando louca, quem já se viu uma coisa desta? Tocar em cima de um rochedo à beira-mar? Um perigo!

Porém, como a princesa não desistia fácil e como o rei fazia todas suas vontades, a princesa poderia ir, mas que fosse na companhia de suas aias, e de mais uma guarda de soldados, que deveriam segui-la de longe.

As oito damas de companhia, vestidas de branco, sentaram-se em oito rochedos ao redor do rochedo maior onde estava a filha do rei, que tocou em seu violino uma música tão bela, que logo atraiu a fada, que embevecida, emergindo das ondas, falou para a princesa:
- Sua música é muito bonita! E você toca bem! Vá, continue, cante, toque para deleitar-me.

A filha do rei respondeu-lhe que tocaria sim, com prazer, mas como era louca por flores, gostaria que a fada lhe desse a flor que trazia na cabeça.

- Posso dá-la, mas você terá que pegá-la no lugar onde eu a jogar – foi o que falou a fada, com uma voz suave, embalada pelas ondas do mar.
- Sim, eu irei apanhar a flor onde você a jogar.

Dizendo isso, a princesa recomeçou a tocar e quando terminou pediu a flor. A fada disse que ela viesse pegar, e jogou a flor nas águas, bem longe, pensando que a moça não viria buscá-la.
Quando viu a flor se agitando entre as ondas, a princesa mergulhou no mar e começou a nadar. Suas aias se puseram em alvoroço, agitavam os braços, balançando os véus brancos ao vento e gritando por socorro.

E a princesa, nadando muito, tentando vencer as ondas, viu a flor sendo empurrada pelo movimento das águas, estava achando difícil pegá-la, mas eis que uma grande onda empurrou a flor para suas mãos.

Ouviu, nesta hora, a voz do príncipe-caranguejo:
- Salvaste minha vida, o encanto está quebrado, agora serás minha esposa. Estou aqui embaixo de ti, vou carregar-te até a praia, não tenhas medo. Mas é melhor que, por enquanto, não contes nada a ninguém, nem mesmo a teu pai, aguarda que vou avisar minha família e estarei de volta muito breve para pedir tua mão em casamento.

A princesa já estava quase sem fôlego, porém conseguiu responder:
- Está bem, estamos combinados.

O caranguejo deixou-a na praia. Quando voltou ao palácio, a princesa disse ao rei que tinha sido muito emocionante tocar nos rochedos, que havia se divertido muito.

A calmaria da tarde do dia seguinte foi interrompida por rufar de tambores, toque de trombetas, trote de cavalos e o anúncio de que um príncipe do reinado vizinho queria falar com o rei.
Só depois de pedir a mão da princesa em casamento, é que o príncipe contou sua história. O rei ficou aturdido, não era possível que a filha estivesse envolvida em toda aquela história e ele, seu pai, não sabia de nada. Ah, mas, no fundo ele sabia sim que ela adorava uma aventura. Mandou chamá-la e quando a princesa chegou atirou-se nos braços do amado, seu prometido, seu adorado príncipe.

O rei marcou o casamento e houve grande festa, que se prolongou por vários dias, com muita música, muita comida, muito divertimento. E os noivos foram felizes para sempre.
Entrou por uma perna de pato e saiu por uma perna de pinto,
Senhor rei mandou dizer que contasse mais cinco.


Stela Siebra
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