1988 a 1975
Quando abri os olhos, e o entendimento, ela estava na minha vida.
Pés e mãos miudinhas , testa alta, e o sorriso mais lindo do mundo!
Depois que enviuvou, vestia-se com sobriedade, comprimento no tornozelo, mangas compridas, preto mesclado de branco, meias de algodão, mantilha na cabeça, rosário no pescoço.
Tinha um temperamento romântico, nostálgico. Chorou tantas dores, que perdeu os cílios, mas não perdeu o brilho do olhar. Cochilava no balanço da cadeira, rezando o terço, e vigiando a rotina da casa. Nada lhe passava despercebido. Era antenada, e tinha as "oiças" boas, como dizia minha mãe Valdenôra. Cantava pra espantar os males, quando a tristeza lhe pegava a alma. Voz sonora, entoada, como a de um passarinho engaiolado. Dizia-nos que cantara, na mocidade, nos teatros de revistas , e ganhara todos os papéis principais. Contava-nos com detalhes sobre as fantasias, compatíveis com os personagens que interpretava: a Noite, a Morte, a Primavera, a Florista, a Saudade, a lua, etc. Nasceu no ano em que a lei Áurea foi promulgada. Falava do tronco e do trabalho escravizado com muita angústia, e compaixão. Presenciou os resquícios desse tempo de opressão. Eram escravas, as suas amigas de infância, e com elas dividia as bonecas de pano e as rapas do tacho. Tinha a barriga farta, e adorava cozinhar. Inventava sempre uma novidade, distribuía com todos, e escondia um pouquinho para nunca faltar, e barganhar carinho!
Se a gente lhe fazia um desagrado, logo avisava: “Dessa iguaria, você não verá nem o azul”, mas nunca cumpria a ameaça. Com ela aprendi a fazer sequilhos, pão-de-ló com erva – doce, bolo de goma, enrolado em palha de banana, arroz com quiabo, carne batida com jerimum, feijão com toucinho, sempre acompanhado de frutas: banana, caju ou manga - seus pratos preferidos.
Adorava os netos. Emprestava-lhes o colo com direito a cafuné, para o sono das primeiras horas. Alcovitou os nossos primeiros namoros, sentiu a dor dos rompimentos, nos chamava de "malvada', quando nos julgava culpadas.
“Vai pra baixa da égua”, dizia pra quem lhe pisava nos calos ! Mas logo explicava: " não é nome feio... "Baixa da Égua” é um lugar que fica nas proximidades de Missão Velha (?).
Fuxicava da gente, perante os nossos pretendentes: "Cuidado com essa menina, pois ela tem chita, e é das miudinhas”! No fundo, torcia pra que ninguém ficasse no caritó.
Escapou da morte aos 40 anos, e foi salva por Dr. Gesteira, depois disso, ainda viveu com saúde e lucidez, por 53 anos, com apenas um rim. Ativa, participando de todas as festas, viajando pra cima e pra baixo, visitando parentes, com energia invejável!
Chorava a infância perdida, a vida na fazenda, nos engenhos de cana, nas casas de farinha, a perda de filhos, marido, e o desprestígio de ir ficando "velhinha"... E linda!
Era viciada em novelas de rádio, romance de amor... Como tinha a visão quase comprometida, obrigava-me a ler em voz alta, uns tantos livros, que como tesouros, os guardava. Li e reli: “O Moço Loiro”, “O Herdeiro do Castelo”,” “A Casa dod Rouxinóis”,” “A Escrava Isaura”, A Moreninha”, "O Tronco do Ipê" - os seus preferidos! Nunca vou esquecer, “O Conde Mário, e Aninha” ( Personagens do Herdeiro do Castelo.Os homens acabavam convertidos pelos atributos de mulheres virtuosas, e o amor vencia ! Eram felizes para sempre ... Ninguém morria ! )
Classificava por estereótipos a raça humana, sem uma gota de preconceito . (Interessante ...!)
-"Fulano é alvo, loiro dos olhos azuis , corado que o sangue que espirrar ; mulheres que não têm sangue negro são desbundadas ; moças de sangue europeu possuem cabelos finos, e encaracolados ; as índias têm cor de canela , pele lisinha , sem acne, cabelos lisos , sem dar uma volta, mas, a beleza vem de dentro...Tá na alma ! "
Era qualquer coisa de índia , de mestiça , de portuguesa ... Casca de uma alma nobre !
Adorava presentes , e presentear : corte para fazer roupa nova , óleo para o cabelo , travessa , mantilha , velas , água de cheiro , leite de colônia , sabonete de juá , travesseiro de plumas de aves , mesclado com folhas de eucaliptos ...Tinha sempre ao seu alcance, urinol e candeeiro, perto do santuário , coalhado de santos. Não fazia promessas com Pe. Cícero...
-" Ele era primo, e santo de casa não obra milagres".
Não comprava remédio em farmácia .Fazia suas próprias meizinhas : chá de flor de abacate, chá de cabelo de milho, boldo , macela, casca de laranja , capim- santo , endro , erva-cidreira , acompanhados de uma cibalena diária. Gozou de uma vida longa, sem química , alimentação cem por cento natural ... Deu certo !
Não sabia bordar, fazer crochê ,e rezava num cochicho eterno. Teve um casamento feliz, um marido amoroso , 4 filhos criados ( um deles , adotivo ), genros e uma pancada de netos.
Faz-me falta aquela mulher! Falta da sua raça , fortaleza , e da grandeza do seu coração, que comportava o mundo !
"Um sorriso de Maria " , para enfeitar sua noite de anjo !
*Ana Amélia Maia Ferreira de Meneses ( Donana) era filha do Cel. Aristides Ferreira de Meneses, e sobrinha da mãe de Pe. Cícero. Foi casada com seu primo ,Alfredo Moreira Maia, e passou a chamar-se Ana Amélia Moreira de Meneses .
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