por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 18 de setembro de 2011

A Carmem e a Acrofobia - José do Vale Pinheiro Feitosa

A acrofobia não é da Carmem, mas a narrativa é do mesmo personagem que me contou as duas histórias.

Mas pensando melhor o medo de ser Carmem é assim como um medo de altura. Saltar da pose de psicóloga até o abismo dos lenços enfeitiçados no pescoço do moreno sedutor. Com uma dança a oferecer pelas costas o fascínio das montanhas duplas do corpo.

Bem que merece. Uma noite no Teatro Municipal do Rio para ouvir Nelson Freire no virtuosismo de uma audição de piano e orquestra. Um sobrinho para comprar os ingressos. Qual a condição? Eu vou comprar no lugar que posso pagar. Está bem. Ficamos todos juntos!

Algumas garrafas de cachaça transportadas da cidade até o alojamento em chalés num meio semi-rural. Um baile à fantasia e todos juntos. Alto nível. Analisando o contexto do imaginário humano em sociedade. O baile fazia parte do relaxamento após tensas rodas de autoconhecimento.

Ninguém vai ao Teatro Municipal sem uma roupa de gala. Além de tudo era o aniversário dela. E a comemoração acontecia nos salões art-nouveau do teatro com seus candelabros e a elegância dos salões, assentos das poltronas, e belíssimo e iluminado palco.

O fogo da aguardente com a doçura do mel de abelhas surripiado da despensa dos padres. O alojamento era da Diocese. Não existe um drama espanhol que resista a tal cruzamento. A Carmem não estava ali para seduzir apenas um. A todos: fosse em grupo ou com alguma individualidade seduzida.

O lugar a que pode pagar não daria outro. Cadeiras marcadas nas galerias do municipal. Naquelas poltronas laterais quase despencando no abismo da platéia. Ali naquela fronteira em que o corpo treme o drama de saber-se se irá pular voluntariamente ou congelar-se de pavor.

As noites de baile a fantasia abrem, mas o recato feminino procurou o leito para apascentar as dúvidas das cenas vividas. Mas enquanto as companheiras de quarto dormiam, a madeira da cama do chalé ao lado rangia como uma velha caravela no centro de uma tempestade.

Eu sou psicóloga. Eu não vou saltar. Eu sou resolvida, não tenho medo de altura. Mas as leis da gravidade são outra matéria, pertencem à física embora a psicologia entenda as leis da atração. E foi isso que o diabinho dizia: pula. Que psicóloga que nada, abraça-te ao vazio pelo qual tua vida escapa.

Entre o lenho e madeiras rangidas surgiram as conseqüências dos ruídos audíveis. São ais, expressões que pedem mais, um gemido enganador, pois não se fala da dor. E no êxtase do momento naquele chalé, não teve quem compreendesse por que Deus tem que tão ardorosamente ser chamado. Carmem em ação.

Menino pega meu braço e me tira deste abismo. Calma! Calma que nada, eu vou pular, me tire daqui. As mãos geladas, prenúncio da morte iminente, agarraram os braços do sobrinho. E lá vai com ele até os batentes das galerias, ali mesmo de onde a acrofobia permitiu-lhe as notas musicais de Nelson Freire.

No dia seguinte no café da manhã os incômodos das ouças agredidas por tantos rogos a Deus. A palavra mais comentada foi que: mas que coisa mais inconveniente. Um dos seduzidos, o moreno em quem todos apostavam, não levou o troféu da noite e logo tratou de desmentir qualquer hipótese de ménage à trois.

Nelson Freire assistido dos batentes das galerias por uma simples fobia de altura e todas as demais pessoas incomodadas por igual medo desta ligação entre a carne e Deus.

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