por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Recebido por e-mail



Gente Querida
Caririenses de nascença ou de longa moradia

Encontrei essa crônica no Jornal OPOVO e fiquei emocionada, principalmente com as seguintes frases:

"O vale do Cariri é lindíssimo, minha alma se perde por lá quando volto de viagem".
"Senti-me no mais profundo dos Cearás".



Com carinho
Betania Moura



 

Pequeno relato de viagem - Cariri



16.07.2011| 17:00
  • ANA MIRANDA
Estou de volta do Crato, trazendo na lembrança as serras azuis que cercam o vale do Cariri, riscadas pelas águas que descem o flanco, formando quedas; uma vegetação exuberante, povoada de animais preciosos e diversos. O “oásis do sertão” é também verdejante, apesar de assolado por estios, como o de 1877, que nosso padim Cícero teve de enfrentar junto com seus fiéis. Ali estão as prósperas cidades de Crato e Juazeiro, quase juntas de tão crescidas.


Juazeiro, nascida numa trilha onde havia três dessas milagrosas árvores, que davam pouso aos viajantes, está fazendo cem anos por agora. É incrível pensar que em apenas cem anos as poucas casas de barro e palha se transformaram nessa metrópole, passando por tantos sofrimentos, tantos conflitos; e hoje é um centro de religiosidade dos maiores no mundo, terra com a nobre vocação acadêmica, berço de mestres. Ali sempre visito dona Assunção, pintora e mestra da cultura, que faz os bolos confeitados mais perfeitos, e conheceu padre Cícero, quando era menina. Também andei fazendo um trabalho junto a gravuristas da Lira Nordestina, numa pequena antologia de poemas ilustrados com xilos. Nunca deixo de ir ao mestre Espedito Seleiro, em Nova Olinda, para comprar umas currulepes, tão apreciadas na Califórnia; e visito as crianças que administram uma casa, em projeto exemplar.
 
O Crato é mais antigo. Foi primeiro o aldeamento da Missão do Miranda – meu xarapim era um chefe indígena – e em 1745 consistia em apenas uma igreja de taipa nas margens do rio Granjeiro, cercada de poucas e singelas casas. Cidade com história grandiosa: ali dona Bárbara de Alencar e outros heróis lutaram pela nossa independência, e pela república, quando a Vila Real do Crato já era das povoações mais importantes do Nordeste colonial, no começo do século 19. O município tem carrascais, florestas espinhosas e de chuvas, resquícios de Mata Atlântica, e é um dos lugares mais sensíveis para a conservação da riqueza natural do Ceará. Possui universidades, metrô, feira de gado; artistas e artesãos, como o antigo mestre Noza, cujo galpão fui visitar; tem parque natural, a fabulosa banda cabaçal dos Irmãos Aniceto, e academia de cordel em homenagem ao Patativa; tem infelizmente alagamentos causados pela destruição das matas nos cílios do Granjeiro e seu assoreamento. Visitamos a graciosa estação férrea e entramos numa casa antiga, era uma instituição pública, mas parecia a casa de nossas avós, com santos e crochês.
 
Conheço algo da vida familiar cratense quando visito minha amiga, a professora Maria Isa, e seu marido, o médico Luciano. Eles possuem uma cultura ao mesmo tempo erudita e popular, são capazes de discorrer longamente sobre um livro clássico, ou as qualidades e usos do rapé entre os sertanejos. Antes de subirmos a ladeira até sua bonita e antiga casa no alto da colina, paramos para comprar um bolo de milho que poucas vezes provei tão bom. O filho Bernardo, também médico, também conversador, fascina as visitas com histórias curiosas do povo cearense. Dessa vez, fomos assistir à coroação de Nossa Senhora, na praça, debaixo de uma chuva fininha. Vi aquele povo devoto, compungido pelo que a vida traz de sofrimentos e esperanças. Senti-me no mais profundo dos Cearás.
 
Fui convidada pelo Sesc. Levava nos braços um livro e uma lata de leite especial, para entregar ao bispo do Cariri, dom Panico, mandados por dona Lúcia, coisa tão meiga e nordestina; acompanhada de duas amigas inseparáveis, vi que estou ficando parecida com a minha mãe, que só viaja em comitiva. Recepcionada pela doce Tina e seu esposo, fui para uma noite de incentivo à leitura, aberta por uma orquestra de sopros, ainda mais emocionante para mim, avó de um trompetista e um futuro clarinetista crianças; teve cordel lido pelo autor, Maércio Lopes Siqueira. Havia uma exposição de trabalhos de crianças que leram livros infantis e se inspiraram nos personagens e nas histórias, as coisas mais lindas esses desenhos!
 
Depois, conversas com um público atento e silencioso, a lotar uma quadra de esportes. Professores falaram com a voz de quem sabe o que diz, tecendo comentários elaborados por estudos; conversas longas sobre como a leitura, principalmente a de livros, e ainda mais, a de livros do tesouro literário, é capaz de construir nosso pensamento, ampliando nossos conhecimentos, nossa imaginação, nossa fala. Voltei abraçada a livros ou originais de escritores do Cariri, pensando em toda aquela gente autêntica, com um quê de pureza, lutando entre o avanço do tempo e a tradição. Um artista amigo meu disse:


Ana Miranda é escritora. É autora de Boca do Inferno (1989), Desmundo (1996) e Amrik (1997), entre outros.

Um comentário:

Mara Thiers disse...

Muito, muito belo!
Apenas retificando:
Inocêncio da Costa Nick [1897 - 1984], mas conhecido pelo nome de Mestre Noza, é filho natural de Taquaritinga- Pernambuco, mas radicado em Juazeiro do Norte.
"O Nosso Saudoso Mestre Noza!"