por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 4 de julho de 2011

Real Aeronorte pousando no Crato - José do Vale Feitosa




O cariri cearense faz parte da história nacional desde o século XIX. Aliás, isso quer dizer que desde sempre, uma vez que o nacional brasileiro só passou a existir de fato neste século. Em outras palavras o que era nacional e fazia parte da evolução histórica do mundo sempre esteve presente na região. Independente de no início a cidade do Crato ser muito acanhada, também o era o império brasileiro inteiro. Então o fato é sempre estivemos pari passu com a dinâmica do mundo. O que surpreende não é o fato, mas a geografia onde tal ocorria. O cariri fica no centro do hinterland nordestino (assim a chamava Padre Gomes) distante do arco do litoral do qual se afasta na média de 650 quilômetros ou mais.

Os modernos meios de transporte, como o trem e caminhões, facilitaram enormemente este papel da região. A avidez por meios rápidos foi total. Nada diferente do que ocorreu em todas as populações do século XX, mas de muito maior significado, foi o advento do avião, das fabricantes dos mesmos e a conseqüente aviação comercial e militar. Até hoje ainda repercute na cidade do Crato o histórico do seu filho Brigadeiro Zé Macedo, dada a importância que teve no nosso imaginário tanto subjetivo como objetivo (algo que considerar sobre o bombardeio aos retirantes do Caldeirão?). Mas o tema mesmo é o avião e sendo avião fazer um guisado composto de memória e pesquisa.

Gledson, sua vírgula de barba sob o lábio inferior. A camioneta, ou sopa, ou o que nome se tenha, que era exclusivamente para idas e vindas ao Aeroporto Nossa Senhora de Fátima bem no cimo da chapada do Araripe. Isso numa época em que as chuvas atolavam os veículos que pretendiam subir a ladeira das guaribas. Quem há de esquecer a freqüência com que Cândido Figueiredo, magro, risonho, alegre com a vida, subia até o aeroporto para pegar mercadoria. Pois bem, Cândido é responsável pelo maior mito automobilístico que até hoje guardo: um Cadilac Rabo de Peixe, conversível, verde claro. E aí João que furo nos demos, porque não conseguimos guardar até hoje aquele carro do teu pai? Você não teria fotos do mesmo? Envie para o Dihelson que ele publica neste tapete persa em que se tornou a rede do blog do Crato. Mas o Dihelson é isso mesmo: tem mania de grandeza como o Crato.

Aos mais antigos que eu e meus contemporâneos sabe o que me veio na memória? O Coringa da Real Aerovias e depois Real Aeronorte posto bem na frente da aeronave. O símbolo da companhia era um corcunda que eu não associava ao baralho, remetia-me ao romance de Victo Hugo. Dizem que o coringa se originou de duas lendas: uma em que um dos fundadores da Real e sua verdadeira alma, o comandante Lineu Gomes, ex-piloto da TACA, gostava de jogar baralho e o coringa valia qualquer coisa, era a sorte no baralho. Ele teria comprado a primeira aeronave da companhia no carteado. Mas outra versão há que o coringa era uma referência a um funcionário corcunda da empresa que era uma espécie de mascote da sorte do próprio Lineu.

A Real teve uma história não muito longa: durou 14 anos, de 1946 até 1960. Aliás, esta é a natureza das companhias aéreas: quantas gigantes não já sucumbiram nos últimos 60 anos? No entanto sua história é fantástica: chegou a ter em sua frota 116 aeronaves, sendo classificada pela IATA na sétima posição do ranking mundial. A empresa se expandiu comprando outras e se associando a gigantes, terminando por formar um consórcio sob a bandeira dela. Ela é uma das primeiras empresas brasileiras a de fato fazer rotas internacionais regulares, como Miami e Chicago no ano de 1956. Foi uma aviação pioneira na travessia do Pacífico, quando recebeu quatro Constellations, inaugurou um vôo para o Japão, isso numa época em que se voava naquela imensidão sem horizontes com um sextante e fazendo duas escalas a partir dos EUA: Honolulu e Ilha Wake.

A Real também foi a primeira a ter vôos regulares para Brasília ainda em sua fase de construção (1957). Chega o ano de 1960, a companhia comemora seu aniversário com cifras impressionantes: 12 milhões de passageiros transportados, rotas para sete países e uma das melhores estruturas do país (escola própria para formação de suas equipes, mais de um milhão de horas voadas etc.). Neste ano três desastres abalam a empresa. O primeiro deles ocorreu em fevereiro, uma aeronave vinda de Campos no Estado Rio de Janeiro choca-se com um avião militar americano que vinha de Buenos Aires para o Galeão. Morrem 26 pessoas na aeronave da Real e 35 no avião americano. A investigação da Aeronáutica apontou que a culpa teria sido do piloto americano, mas a investigação independente da US Navy culpou as condições de controle do tráfico aéreo brasileira, eximindo os dois pilotos. Esta história faz parte das referências primeiras para o exame do recente desastre da Gol.

Em junho de 1960 uma aeronave Convair 340 da Real realizando uma aproximação noturna do aeroporto Santos Dumont no Rio, chocou-se com o mar, morrendo 49 passageiros e 4 tripulantes. Este faz parte dos grandes desastres em número de vítimas da aviação comercial brasileira no século XX. Não tive como comprovar, foi impossível achar a lista de passageiros, mas acho que neste acidente morreu um comerciante do Crato, cujo nome me foge à memória agora, o qual era dono de um posto de gasolina Texaco bem no final da rua da Vala. O terceiro acidente foi na Serra do Cachimbo no Pará, numa rota entre Manaus e Cuiabá, quando o avião começou a perder altura, a tripulação ainda jogou a carga fora, mas não conseguiu evitar o choque com a serra.

A Real é vendida por mais de dois bilhões de cruzeiros para a VARIG numa transação que envolveria "forças ocultas", as mesmas que logo a seguir estariam na renúncia do Presidente Jânio Quadros segundo explicações dele mesmo. A transação de compra foi rápida e VARIG assumiu toda a malha e as aeronaves e logo os cratenses começaram a observar nova bandeira comercial em seu aeroporto. Aquilo também marcou a transitoriedade das empresas filhas dos homens e como eles mortais: Lineu Gomes estava no fim da vida.


*"José do Vale Pinheiro Feitosa – nascido na cidade de Crato, Ceará, no dia 21 de dezembro de 1948, morando no Rio de Janeiro há 34 anos. Médico do Ministério da Saúde. Publicou o Romance Paracuru em 2003. Assina matérias em alguns blogs e jornais. Em literatura agita crônicas, contos, poesia e ensaios de temas variados. Gosta de pintar e tem alguns trabalhos de escultura."

É impressionante a quantidade de textos do escritor José do Vale, espalhados com propriedade, no universo virtual.

Sua presença entre nós tem sido assídua ( não podemos nos queixar), mas toda vez que me deparo com ele por aí, sinto vontade de trazê-lo para cá.

Umas das grandes surpresas foi saber que ele ,além de escritor, membro do Instituto Cultural do Cariri , desde o dia 27.10.2007, possue outras habilidades artísticas.
Postado por socorro moreira às 17:32 0 comentários
O quê pensar das revoltas no mundo islâmico - José do Vale Pinheiro Feitosa

As revistas semanais, os jornais e o noticiário televisivo, além das mesas de debate tentam traduzir o que ocorre no cerne do Oriente Médio. Aliás, o que ocorre no coração das sociedades de cultura islâmica, inclusive no norte da África. Tentam, mas por vezes apenas traduzem o próprio discurso que possuíam antes das revoltas populares e das quedas, qual um dominó, de velhos regimes autoritários na região.

O mais comum é a lembrança do fundamentalismo religioso iraniano. Um regime político baseado sobre a religião islâmica. E tocam a repetir chavões sem darem conta, simplesmente, que o Irã é a velha Pérsia, que não são Árabes e que o projeto de cultura de seu povo é muito mais firme do que meros fundamentalismos.

Por vezes repetem a questão islâmica sem perceberem que o Ocidente não teria o vigor do renascimento e da revolução da ciência, técnica e capital sem a emergência daquela cultura no Oriente Médio. Este norte um tanto helênico do Ocidente não existiria sem a preservação das bibliotecas e pela força dos pensadores do Islã.

Como de hábito repetimos os conceitos de outros, ouvidos e absorvidos nos noticiários como se nossos fossem, sem percebermos que, por vezes, apenas fazemos a lengalenga das tensões entre os EUA com o Sionismo por um lado e o mundo islâmico pelo outro. Vejam o atoleiro do Afeganistão, ali onde os ocidentais encalharam, sem perceberem que aquelas sociedades tribais não são superáveis apenas por estradas, tanques e helicópteros, que elas vão tão longe, em aprendizado, como a rota da seda.

Olham para as revoltas populares nas ditaduras do oriente médio e norte da África esquecendo-se que há muito é prática naquela região as revoltas populares. Esqueceram-se dos movimentos populares durante o colonialismo europeu da região, dos movimentos de libertação e das revoltas deste o Iêmen, Arábia, esquecem de Nasser no Egito, de tantas lutas populares que permearam a região entre a década de 50 e 70.

Precisamos acompanhar estas revoltas, pois terão grandes repercussões sobre a história contemporânea. Talvez sejam mais importantes do que aquilo que nos anos 90 aconteceu nas ex-repúblicas soviéticas e em várias áreas do leste europeu. Estamos novamente nas calhas de dois mares fundamentais: o mediterrâneo e o vermelho. Novamente as tensões pelo petróleo, o jogo das grandes potências, a angústia do amanhã sem as reservas energéticas a mover a grande máquina produtiva do presente.

O calor das revoltas no mundo islâmico ainda bem que acontece, para os europeus, no fim do seu inverno quase glacial. Mas isso é sazonal: depois virá o frio e a necessidade de mais energia a aquecer os lares do hemisfério norte tão assolado pela crise do capitalismo financeiro.

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