por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 24 de abril de 2011

Minha Tia Dora - "A Iara do Rio Jaguaripe " - por Corujinha Baiana




Quando criança, em época de férias escolares, eu sempre passava uns dias na chácara da minha avó, em Nazaré das Farinhas, município do Recôncavo Baiano, banhado pelo rio Jaguaripe.

Para mim, isso era o máximo. Lá havia, entre outras atrações, muuuuuitos pés de sapoti, uma das frutas que eu mais gosto. Além disso, em Nazaré também havia a Feira de Caxixis - uma verdadeira farra quando a minha avó me levava, e me deixava escolher os que eu quisesse.

Assim, miniaturas de panelas, cuscuzeiros, tigelas, jarras, moringas, fruteiras e tudo que alimentava o meu mundo inocente de criança, era cuidadosamente colocado dentro de um mocó.

Mas em Nazaré, o que eu mais gostava mesmo, um verdadeiro encantamento, era ver a minha tia Dora lavar seus cabelos, sentada numa pedra, à beira do rio, que passava no fundo da chácara.

Minha tia era linda.Traços delicados, pele clara e macia, uma covinha no queixo e setenta e cinco centímetros de cabelos negros e lisos.Uma verdadeira Iara. Eu a admirava e, para mim, ela era uma deusa. Nunca me esqueço o encantamento que sentia, ao vê-la sentada, lavando os seus cabelos, à beira do rio.

Quando penteada, ela usava grossas tranças, em diferentes estilos .Um dia, as cruzava; no dia seguinte, as dobrava uma sobre a outra; noutro ainda, as enrolava sobre a cabeça como um ninho ...Mas quase sempre, as mantinha presas com laços de fita, que eram escolhidos com muito gosto, sempre em perfeita harmonia cromática com a roupa que usava.Lembro-me de que ela tinha uma variedade delas.

Em muitas ocasiões, ouvi pessoas da cidade se referirem à minha tia como a moça mais bonita do lugar. E eu ... orgulhosa. Afinal, ela era a minha tia.

Voltei para casa, passou o tempo, as aulas terminaram, e novamente, chegaram as férias. Mais uma vez, lá estava eu na chácara da minha avó, encantada com a minha tia. Mas dessa vez, o encantamento durou pouco.

Certa feita, não se sabe como, ao lavar os seus cabelos, eles embaraçaram, e formaram uns nós, deixando-a desesperada.

Amigas, parentes, minha avó, todos tentaram ajudá-la. Escova, óleo, pente largo, pente de dentes bem afastados, mas tudo em vão.

"Foi feitiço" - alguém falou. Dito e acreditado. - "Foi feitiço".Chamaram a rezadeira da cidade. Reza curta, reza comprida, reza cantada, até que o santo mostrou a solução: a solução que todos conheciam, mas que ninguém tinha a coragem de falar: " Para desembaraçar e desfazer os nós, tem que cortar o cabelo."

Eu não queria acreditar no que ouvia, mas tive que acreditar no que vi : minha tia a chorar, e seus cabelos pelo chão do quarto. Essa é uma triste imagem que eu tenho até hoje gravada na minha memória.

Depois dessa "tragédia", minha tia entristecida, ficou muito tempo sem sair de casa, esperando que seus cabelos crescessem ... mas eles nunca mais foram os mesmos.

Hoje, minha tia de cabelos curtos e grisalhos, sofre com a osteoporose, e anda com dificuldade. Mas na minha memória, ela continua sendo Minha Tia Dora - "A Iara do rio Jaguaripe".

( Coisas de Família - Corujinha Baiana - 17 de janeiro de 2010 )

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