por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 24 de abril de 2011

Dia Internacional do Livro - 23 de abril. Dia em que Shakespeare, Cervantes e Inca Garcilaso embarcaram na Barca da Morte



Desde 1995, 23 de abril é o Dia Internacional do Livro. A data foi escolhida pela Unesco em homenagem a William Shakespeare e Miguel de Cervantes, dois grandes autores que morreram no mesmo 23 de abril de 1616. E o Inca Garcilaso de la Vega.
Quando soube da data, num 23 de abril de 2005, fiz este poema.


A BARCA DA MORTE

O mar lembra a morte.

O grande sineiro toca
o sino da montanha,

tange nuvens,
carneiros loucos,

bois que mugem
ruminando o milho do mistério.

Ó tempo,
timoneiro do destino esconso,

para onde me levas
nessa nau entre os vagalhões despedaçada?

A memória do mar,
a memória da morte

nas flores de abril cruel.

Levanto a rosa de fogo
diante de um velho crânio.

Cavalguei para a fábula
com a dor escorrendo nos lábios.

Sentado na barca
aguardo o último cálice de vinho.

Já vejo a minha face
na água da eternidade.

O mar vai e vem na praia
e apaga as pegadas

descomunais
na areia delicada.

Atrelo o arado a um tigre
e continuo lavrando o meu campo de estrelas.

O poema é um nó sereno sob a harpa quebrada
dos pássaros do crepúsculo.

Estou pequeno
esculpindo palavras toscas num tronco seco.

Eu sou o que não partiu.

Eu
fincado no chão como uma estaca.

Se fosse na infância
iria florir o meu bordão.

Já quebrei as pernas descuidadas
nas esquinas do mundo.

A ferrugem nas juntas
é o meu ouro.

A morte cose as minhas meias
junto ao fogão.

Nenhum fogo,
as cinzas frias

e a morte a fiar, a fiar
na roca que não pára.

Estendo a minha mortalha
entre as brumas e as escoriações.

Eleva-se a minha alma em êxtase na barca e canta
a água que vem e vai

com o estandarte do sol
e a terra ferida.

Diviso à minha frente o horizonte aberto
e a morte.

O sol sangra no mar da morte.


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