Desde 1995, 23 de abril é o Dia Internacional do Livro. A data foi  escolhida pela Unesco em homenagem a William Shakespeare e Miguel de  Cervantes, dois grandes autores que morreram no mesmo 23 de abril de  1616. E o Inca Garcilaso de la Vega.
Quando soube da data, num 23 de abril de 2005, fiz este poema. 
A BARCA DA MORTE 
O mar lembra a morte.
O grande sineiro toca
o sino da montanha,
tange nuvens,
carneiros loucos,
bois que mugem 
ruminando o milho do mistério.
Ó tempo,
timoneiro do destino esconso,
para onde me levas
nessa nau entre os vagalhões despedaçada?
A memória do mar,
a memória da morte
nas flores de abril cruel.
Levanto a rosa de fogo
diante de um velho crânio. 
Cavalguei para a fábula
com a dor escorrendo nos lábios.
Sentado na barca
aguardo o último cálice de vinho.
Já vejo a minha face
na água da eternidade.
O mar vai e vem na praia 
e apaga as pegadas 
descomunais
na areia delicada.
Atrelo o arado a um tigre 
e continuo lavrando o meu campo de estrelas. 
O poema é um nó sereno sob a harpa quebrada
dos pássaros do crepúsculo.
Estou pequeno
esculpindo palavras toscas num tronco seco.
Eu sou o que não partiu.
Eu
fincado no chão como uma estaca.
Se fosse na infância
iria florir o meu bordão.
Já quebrei as pernas descuidadas
nas esquinas do mundo.
A ferrugem nas juntas
é o meu ouro.
A morte cose as minhas meias 
junto ao fogão.
Nenhum fogo,
as cinzas frias
e a morte a fiar, a fiar
na roca que não pára.
Estendo a minha mortalha
entre as brumas e as escoriações.
Eleva-se a minha alma em êxtase na barca e canta
a água que vem e vai 
com o estandarte do sol
e a terra ferida. 
Diviso à minha frente o horizonte aberto
e a morte.
O sol sangra no mar da morte.

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