O perfume das uvas sob o sol de outubro.
O rio cresce, as águas se avolumam, destroem
as barrancas e as locas dos peixes.
As águas correm dentro das árvores, correm dentro de nós.
As nossas raízes se vão com as águas vorazes.
E as uvas perfumam a tarde sob o sol do outono.
Os abismos do mar deságuam por nós a dentro.
No canto selvagem do mar a voz do afogado,
estrangeiro como nós, sem pátria como nós.
O sal do mar nas pétalas caídas no altar.
O grito do gavião nas fauces do mar.
As vagas morrem na areia, os rochedos cobertos
de espumas, lágrimas escorrendo.
O mar uiva, as uvas perfumam a montanha.
Vou deixando as minhas pegadas na areia da praia,
pesadas, com sombra.
Cai a sombra na minha alma.
Logo se apagam as pegadas.
Um sino tange o tempo antiqüíssimo e sempre novo.
As gaivotas trazem o mar nas asas.
As árvores em chamas despencam no mar.
Flores voam no ar do verão.
Espumas e sangue escorrem do rochedo dos mariscos.
Um navio joga grossas ondas contra a ilha.
Línguas de fogo elevam-se da terra.
Este é o tempo dos mortos.
As mulheres se abrem aflitas para o céu.
Desfia-se o tecido das coisas.
Não somos. Sombras que a sombra devora.
Ouvi a voz dos mortos, como sementes,
brotando à borda dos poços.
Os vinhedos já não estão ao sol, as uvas
ainda perfumam os pássaros, as águas, os peixes.
O sino tange no horizonte, com sangue.
2 comentários:
O cheiro do cotidiano/ natureza...
O faro poético de Brandão,catalogando , num lindo discernimento!
Poeta maior!
Grande poema esse! Pra ser lido, relido muitas vezes.
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