por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 12 de dezembro de 2015

É POUCO, MUITO POUCO - José Nilton Mariano Saraiva

Até que enfim o Procurador Geral da República Rodrigo Janot se manifestou.


Falta, porém, o mais importante: colocar Eduardo Cunha atrás das grades.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

“PALHAÇOS-ENGRAVATADOS” – José Nílton Mariano Saraiva

Porque comprovadamente foram cooptados por uma “merreca”, subtraída do vultoso e ilegal valor que o meliante Eduardo Cunha recebeu de “propina” dos bandidos que assaltaram a Petrobras, os “palhaços-engravatados” que o apoiam (dizem ser quase duas centenas), não têm o mínimo de pudor e escrúpulo em protagonizar a chanchada deprimente que atualmente levam a cabo no plenário da casa, bem como no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, da Câmara dos Deputados.

Assim, obedecendo cega e bovinamente ordens do “chefe” (Eduardo Cunha), transformaram os respectivos ambientes em um picadeiro de circo mambembe de periferia, onde reina a palhaçada de quinta categoria e, por consequência, o desrespeito aos mínimos princípios da moralidade, da ética e da seriedade, que ali deveriam se fazer presentes. Daí, a procrastinação ad eternum do andamento do processo de cassação do mandato de Eduardo Cunha, por falta de decoro parlamentar (roubou, mentiu e sonegou), já por seis vezes levado a plenário.

O escárnio é tamanho, que o país literalmente encontra-se parado simplesmente porque o bandido Eduardo Cunha resolveu “peitar” a corte maior do país (Supremo Tribunal Federal) por ter esta cometido a suprema “ousadia” de barrar o rito processual que ele houvera imposto de forma aleatória, imperial e absoluta, na tentativa de (junto com sua quadrilha) viabilizar o impeachment da Presidente Dilma Rousseff; assim, o legislativo federal somente reunir-se-á para decidir sobre qualquer coisa (e a pauta é extensa) após o STF determinar como deverá se processar a querela, daqui a uma semana. Até lá, os “palhaços-engravatados” estarão livres para transgredir e conspirar.

O mais estranho nisso tudo, contudo, é que, apesar das muitas e contundentes provas em seu poder (documentais, telefônicas e verbais) de repente a “agilidade” do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, esvaiu-se; a “coragem” do juiz Sérgio Moro, escafedeu-se: a “determinação” do ministro Teori Zavaschi desapareceu, porquanto assistem passivamente ao festival de arbitrariedades perpetradas por um reconhecido e audacioso bandido de alta periculosidade (até ameaça de morte já foi denunciada).

Estariam tais sumidades receosas de que contra elas Eduardo Cunha acionasse alguma resquício-comprometedor da sua “pauta-bomba” ??? Teriam rabo-preso ??? Ou simplesmente torcem para que ele toque fogo no país de vez, acabando com a normalidade democrática tão duramente conquistada faz tão pouco tempo ???


Por qual razão o Poder Judiciário não se manifesta, determinando a César o que é de César ???

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O "EXTERMINADOR"

Relator que contrariou Cunha diz que foi ameaçado e teve medo de morrer

ameaca
Do Valor, agora há pouco, sobre o país do faroeste legislativo:
“Eu cheguei a pensar que eu poderia morrer, sim”.
Assim o deputado Fausto Pinato (PRB­SP), em seu primeiro mandato, resume as pressões que passou a sofrer desde que foi escolhido como relator do processo de cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB­RJ), no Conselho de Ética da Casa.
Nesta quarta­feira, quando o parecer de Pinato pela abertura do processo iria ser votado no conselho, Cunha fez uma manobra junto à mesa diretora para destituir o deputado do cargo. Pinato afirmou que sofreu ameaças de morte e registrou um boletim de ocorrência confidencial junto à Secretaria de Segurança de São Paulo.
Diz que também fez uma representação ao Ministério da Justiça. Segundo ele, sua família estava usando um carro blindado e um policial militar passou a dormir em sua casa para fazer sua proteção.
“Fui abordado em aeroporto, o meu motorista foi abordado, recebi alguns recados em aeroporto de pessoas desconhecidas. Sofri todo tipo de pressão que você pode imaginar”, disse em entrevista à imprensa. E detalhou: “Falaram para pensar na minha família, que eu tinha filho pequeno, filha pequena, irmão pequeno”. Segundo ele, foi por causa das ameaças que o deputado resolveu apresentar antes do prazo seu parecer a favor da admissibilidade do processo contra Cunha. “Eu protocolei, sim, antes, porque eu fiquei com medo de morrer”, afirmou.
Ele declarou, contudo, que não tem como dizer de onde partiram as ameaças. Pinato disse ainda que os aliados de Cunha na Câmara, sem citar nomes, também lhe pressionaram, sugerindo “aconselhamentos” em favor do arquivamento. “Recebo recados dia e noite de que estaria brigando com um exército de 200 e tantos deputados”, contou.
A conclusão de Pinatto: “o único relator que consegue sobreviver hoje no Conselho de Ética é um relator que arquive o processo”
Viva a “normalidade institucional”, não é , Dr. Temer? Não é, Dr. Janot?

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A GRANDE VAIA - Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (*)


Algum tempo depois do golpe militar, Castelo Branco visitou aquela cidade. Na
época não havia hotel adequado e ele se hospedou na casa do promotor, a melhor do lugar. O ambiente era festivo, aos vencedores dava-se tudo e tudo se solucionava.

Assim, não mais faltaria água e, entre as homenagens ao marechal, um moderno serviço de abastecimento seria inaugurado. O prefeito não sabia mais o que fazer para agradar à nova ordem. Uma solenidade cívica e grande concentração popular marcariam o apreço do povo pelos salvadores da pátria. Os estudantes perfilados agitavam bandeirinhas, os sinos badalavam, o tiro-de-
guerra desfilava, a banda de música tocava e no palanque se comprimiam as autoridades civis, militares e eclesiásticas.

Sim, vivíamos outro Brasil e com os novos tempos, repetiam os oradores, nunca mais faltaria água. E no discurso final, quando o prefeito dissesse que “graças à revolução, esse líquido precioso e cristalino não mais faltará nas pias, nos banheiros e em todos os lares,” Artuliano abriria uma grande torneira no palanque e a água jorraria aos borbotões, coroando a festa. Ele, sarará cabeçudo e grandalhão, segurança e faz-tudo do prefeito, estava ensaiado e confiante.

Mas, quando os alto-falantes ecoaram “esse líquido precioso...”, os fogos espocaram e a banda tocou mais forte, a água não apareceu. O prefeito disse, sussurrando, Artuliano, abre a torneira, e, nada! Mais uma vez, a voz trêmula, e não veio a água. Então, pálido e suando em bicas, sob o olhar feroz do ditador, ele gritou desesperado, Artuliano, filho da puta, abre a torneira, satanás! Aí explodiu a vaia imensa e desmoronou a farsa.

Ninguém contava com aquilo e da torneira, completamente aberta, não saiu uma só gota. A vaia foi num crescendo e mil pedras foram atiradas. Algumas feriram o bispo e por pouco não atingiram o marechal. As freiras choravam e os seminaristas não sabiam o que fazer. O juiz sumiu. Ouviu-se abaixo a ditadura, começou a pancadaria e o corre-corre, a polícia e os agentes secretos dispersaram a multidão.

Bateram em pessoas humildes e prenderam os comunistas de sempre, mas não identificaram os culpados. No dia seguinte acharam pedras e cimento fechando a tubulação. Ao encerrar o inquérito, concluíram que, apesar do vexame, tudo não passou de um mal-entendido da política local, fruto de antiga rixa entre coronéis do interior fiéis aos militares. Na verdade, um grupo de estudantes fez a ação na tarde anterior e à noite tomou o ônibus. Só depois de chegar ao Recife, eles souberam do desfecho e comemoraram a operação, às gargalhadas.

Lindas férias de julho – cerveja, festa, namoro e a ditadura humilhada por uma
grande vaia. Eram todos adolescentes sonhadores e ingenuamente não imaginavam a longa noite de terror que aos poucos se anunciava.




(*) Médico-Cardiologista, natural de Missão Velha e atualmente morando e exercendo o ofício em Fortaleza.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

UM OLHAR DIVERGENTE

Nas ruas. Posso ser encontrado além desta tela pelas ruas do Rio. Assim como a Senhor dos Passos. E não passo direto. Vou ao Cedro do Líbano, dizem uma das melhores cozinhas árabes do Rio e, no entanto, pertence a espanhóis há mais de quarenta anos.

Enquanto mastigo com olhares circunvagando pela casa, um olho me fixa. E desvio o meu para não encarar alguém que não conheço. Mas o olho se encontra fixo e, no entanto, ele conversa e come com toda atenção à mesa em que se encontra.

Um olho fixo tem muitos efeitos. Parece acusador e todos os nossos erros, pecados e desvios se tornam réus. Tem imensa força espionaria, querendo desvendar nossas vestes, a idade, os cabelos que não mais se repõem, as rugas que dobram o tempo. Como os promotores da Lava Jato ou o Japonês da Federal, nos vendendo para a manchete que renderá glórias ao repórter e dividendos aos sócios da empresa.

Aquele olho fixo, de estrabismo divergente tinha um ponto em mim e outro no prato. Um ponto no sabor e outro num carro perfurado de balas. Cinco jovens comemorando o primeiro emprego de um deles, metralhados porque é para isso que servem as armas. Destruir vidas.

Jovens favelados. Que não terão a cobertura da mídia tal qual o médico esfaqueado na Lagoa Rodrigo de Freitas. Que não terão justiça porque as metralhadoras continuam soltas apenas num lado da cidade. Lá onde podem disparar sem culpas e punições. Onde o olho fixo da Lei não os atinge e por certo um Pezão cobrirá os rastros da maldade.

E no ônibus um longo papo do passageiro com alguém que muito estica ou se deixa esticar na narrativa que se expõe a quem se encontra na proximidade. Após recomendações para vencer na faculdade e escolher os melhores caminhos da Engenharia, desde a Mecânica, sempre necessária, apesar da economia até ser especialista em cálculos para achar petróleo em águas submarinhas.

E foi aí que, de olhar fixo na outra direção, enquanto ouvia a conversa, surgiu a favela e um jovem médico da equipe de Saúde da Família numa “comunidade” da região, ali por perto onde o ônibus se emperrava no engarrafamento. O jovem médico que adorava o que fazia e ficava além do seu tempo para atender às pessoas e saberem como elas vivem.

“Sabe, ele é meio maluco. Meio doido. Está até pensando em alugar uma casa na comunidade para viver integralmente a realidade da favela. Até se candidatou a ir morar no Amazonas. Lá para bem longe. ”


E o olhar divergente da nossa imensa e desigual humanidade brasileira.  

sábado, 28 de novembro de 2015

Aparição em Serrinha dos Nicodemos

A crônica de Serrinha dos Nicodemos  , perpetuada de língua em língua, pelos mais velhos , cantava a pedra : A padroeira da cidade , desde que se entenderam de gente era N. S. dos Desamparados. A imagem, exposta na capelinha da vila, fora trazida , há mais de oitenta anos , por um padre espanhol , Pablo de Montieux, que ali chegara numa desobriga. A Virgem , desde então, velava pela pequena  e árida Serrinha, com sua roupa florida, seu cetro na mão direita e o menino de Jesus , com cara de sapeca, pendurado no braço esquerdo, ornado com uma linda roupinha dourada e de lantejoulas que contradiziam totalmente com sua origem humilde.  O sacerdote demorou apenas uma semana na vilazinha, mas simpático e muito solícito, terminou sendo o responsável pela epidemia de Pablinhos e Demontieus que começaram a aparecer na região, depois da sua partida. Não que o velho padre fosse o pai biológico de tantos rebentos, não tinha mais idade e nem palpite para tanto: os meninos saiam da pia batismal com esses nomes, como uma homenagem desprendida dos serrenses para com o condutor da santa querida àquela localidade.   N. S. dos Desamparados amparava a geração de avós e bisavós de Serrinha, as gerações mais novas  , no entanto, adoravam a mesma santa, mas a conheciam por um nome totalmente diverso, estranho e de origem etimológica difícil de se determinar : Nossa Senhora de Seforegreli !
                                               As versões sobre a origem de tão estrambótico nome variavam: alguns remetiam a uma cidade italiana  e a um outro missionário franciscano que passara na região muitos anos antes de De Montiuex, no início da colonização daquelas brenhas, em tempos de ciclo do couro. Os serrenses andaram pesquisando em arquivos de Matozinho, cidade vizinha,  livros velhos de batizados, degustados em parte por traças, não conseguiram desvendar o mistério. Os párocos de Serrinha, que se foram sucedendo, terminaram , também ,por adotar o nome popular da Santa. Não adiantaria lutar contra   anos e anos de tradição, de maneira que N. S. dos Desamparados terminou desamparada, ofuscada pela outra de Seforegreli.
                                               Alguns anos atrás, o pessoal do IBGE, em período de Censo, passou por Serrinha . Junto com a pesquisa dos dados municipais, andaram escavacando relatos históricas da formação da Vila. Detiveram-se, em dado momento, com a Santa padroeira e seu nome estrambótico. Anotaram as mais corriqueiras versões. Alguém, então, lembrou do mais idoso habitante de Serrinha : o velho Castriciano Solos do Mar. Ainda lépido e na ponta dos cascos nos seus 103 anos. Casara, inclusive, recentemente , pela quarta vez e , sem quaisquer aditivos químicos ou ajuda de universitários, era pai de menino ainda de cueiro. Os técnicos, orientados por funcionários da prefeitura, resolveram conversar com a testemunha ocular dos fatos ocorridos naquelas brenhas, nos últimos noventa anos. 
                                   Com dificuldade, em lombo de burro, chegaram no Sítio Bréa, distava umas duas léguas de beiço de Serrinha , já fronteira com Matozinho.  Castriciano os atendeu   com aquela solicitude própria do sertanejo.  Já no primeiro contato explicou o vigor que ainda o acompanhava :
--- Pão de milho, arroz, feijão de corda e bucho ! Isso é que dá sustança ao homem ! A desgraça do mundo foi galinha de granja e macarrão ! Antes dessa porcaria, num tinha baitola no mundo, não !
        Conversa vai, conversa vem, o pessoal do IBGE, então, entrou no varejo do assunto:
    --- O senhor pode explicar de onde vem o nome da padroeira da cidade, N.S. de Sefrolegreli ?

                         O velho, com um chapéu de massa atolado até as orelhas, meio tamborete de sampa, pôs-se nas pontas dos pés, tragou fortemente o cigarro escora-carroça que pendia do bico e contou uma história que não fazia parte dos anais oficiais da história de Serrinha.
                        A primeira padroeira da cidade , na verdade, seria N. S. dos Desamparados que chegou nas mãos do querido Pe De Montieux. Acontece que nos anos cinquenta, uma notícia abalou toda a região. Carmosina, uma menina que morava ali na Bréa, chegou , no Natal, esbaforida em casa contando uma história que tinha visto Nossa Senhora que lhe tinha aparecido, por trás de uma moita de mufumbo, na revência do açude do Calangro. Segundo Carmosina, que mantinha um ar de espanto e sobre naturalidade, a Santa chorara  muito, disse que estava preocupada com os destinos deste mundo eivado de pecado. N. Senhora  ainda afirmara que tinha revelações terríveis para contar  a Carmosina e agendou a volta dela por mais duas vezes: no Carnaval e no São João, quando, enfim,  revelaria as tenebrosas previsões. Sinésio da Bréa, o pai de Carmosina, procurou, imediatamente, o Pe. Ernestino Vilas Boas, então pároco de Serrinha. Revelou-lhe o acontecido. Ernestino tentou dissuadir-lhe : aquilo devia ser fantasia de adolescente , que diabos a Virgem viria fazer num fim de mundo daqueles ?
                                   A incredulidade de Ernestino, no entanto, não contaminou a população. Quando a notícia vazou , espalhou-se mais rápido que fogo em painço. Em tempos de seca de mais de três anos, o povo desesperado viu-se, enfim, diante de uma boia em meio à enxurrada. Num mês, a população de Serrinha triplicou. Começou a chegar romeiro de tudo quanto era canto e a se espremer nas terras próximas ao Açude do Calangro. Barracas cobertas de palha se foram levantando, palhoças para venda de mantimentos e bebidas. Vendedores de santinhos , de imagens , terços e rosários rapidamente montaram suas barraquinhas nas redondezas. Até as meninas da “Boite Chão de Estrelas” de Serrinha, vendo o afluxo crescente de pessoas naquele lugar, montaram um pequeno anexo ali : a  “Barraca Corisco Ariado” .  Mais uma vez, o sagrado e o profano ali se postavam como o anverso e o reverso da mesma medalha.
                                   Pe Ernestino, de início relutante e incrédulo, vendo o  crescimento desenfreado de romeiros, resolveu, embora discretamente, aderir ao fenômeno. Primeiro percebeu que não adiantava nadar contra o Tsunami, depois, mais pragmaticamente, sabia  que aquela multidão podia render em óbolos para a paróquia. Todo dia, por volta das nove da manhã, horário da aparição da santa,  Carmosina, toda vestida de branco,  puxava uma corrente de orações próximo à moita de mufumbo , seguida pela multidão que já ali se espremia. À noite, então, aquilo tudo virava uma festa, com a cachaça correndo solta, a sanfona roncando num arraial montado estrategicamente em uma das vielas mais escuras e o rela-bucho comendo solto até o amanhecer. Frequentemente corria uma mão de tapa em pé de ouvido e peixeira no vazio, efeitos colaterais frequentes desta mescla de álcool-música-dança.
                                   No início de fevereiro, aproximando-se a data da próxima aparição da Santa, as levas de romeiros quadruplicaram e com elas também as soluções e os problemas. Carmosina  passou a entrar em transe frequentemente, a aparecer mais tensa e com cara de outro mundo. Uns três dias antes da data prevista para a aparição , ela chamou o pai e explicou que havia um problema. N. Senhora aparecera em sonho para ela e tinha dito que havia cancelado a vinda, pois aquilo ali estava uma verdadeira Sodoma & Gomora, um antro de pecado e que não viria mais de jeito nenhum.  Sinésio, então, agitado com a reação dos romeiros frente a este novo problema, resolveu procurar o Pe. Ernestino e o pôr a par da complicação. O sacerdote, comendo pelas beiradas como quem come pirão quente, não quis meter o beiço no meio da tigela. Disse  a Sinésio que a promoção do evento era deles , que não tinha nada a ver com isso e quem havia parido Mateus o devia embalar.
                                   Sinésio, depois, da reza das nove horas, então, pediu a palavra e falou com a turba. Maquiavelicamente resolveu não dar a notícia ruim de uma vez só: temia um arranca-rabo. Informou, então, que N. Senhora tinha aparecido em sonho à Carmosina e avisado que não tinha mais condições de aparecer ali .
                                   --- Ela disse, meus amigos, que isso aqui tá uma verdadeira esculhambação, um verdadeiro  cabaré  e que num vem mais é de jeito nenhum ! Até o Capiroto , envergonhado, se recusaria a se meter num Cu-de-boi desses !
                                   De qualquer maneira, Sinésio disse que Carmosina ainda ia tentar negociar com Nossa Senhora, mas que o povo ao menos se comportasse. Quem sabe ela não aceita aparecer amanhã, conforme tinha combinado ?
                                   No dia seguinte, uma multidão gigantesca se apinhava, ao redor da sagrada moita de mufumbo. Às nove horas em ponto, com todos ajoelhados, uma Carmosina aflita começou a chorar desesperadamente ao redor da moita. Ela pressintia o quebra-quebra que aconteceria logo mais. Segundo o velho Castriciano que  já cinquentão botara uma taperazinha ali pra vender mendraca com caju, aquele foi o maior rapapé já acontecido por aquelas bandas.
                                   O velho Sinésio, trêmulo, aproximou-se de uma Carmosina encharcada de lágrimas e deu o diagnóstico final :
                                   --- Amigos, é uma pena, mas eu avisei ! Essa putaria aqui ia terminar dando nisso !  Vocês estavam mais desmantelados que corrida de siriema ! Carmosina pelejou mas Nossa Senhora botou foi a maior banca. Disse que não vem é de jeito nenhum !  
                                   E , então, antes do novo dilúvio, firmou a sentença final de que não apareceria mais nem que a vaca botasse os bofes, com uma frase que terminaria batizando definitivamente a Nossa Senhora de Sifrolegreli de Serrinha . Nossa Senhora teria sapecado :
                                   --- Vocês lá querem Nossa Senhora nada, seus pecadores !  Se eu for, eu grele !



Crato, 28/11/15

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Quando um grupo de jovens, aparentemente do Rio e São Paulo, usam a rede social para exprimir preconceito racial algumas dúvidas se apresentam. Primeiro onde este pessoal incorporou  um atraso deste, quando tudo no país avançou em termos de direitos sociais e respeito cidadão. 

Os pais teriam alguma razão, aquele discurso preconceituoso contra o ex-presidente Lula, o Bolsa Família, o nordestino parasita e outros venenos mais. Estou falando do grupo de jovens que com perfil fake manifestaram preconceito contra a atriz Taís Araújo.

Então pela coincidência de nomes surgiu esta montagem:


terça-feira, 3 de novembro de 2015

LEMBRANDO DO CRATO - Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (*)


Solenemente, o velho sentou no banco da praça, fechou os olhos e reviveu a época breve em que morou no Crato. Naquele tempo, aos quatorze anos, he’s leaving home. O primeiro a deixar o ninho, ele jamais esqueceria o choro da mãe e a esperança do pai e teria uma vida inteira a disfarçar certa tristeza e solidão.

Aliás, era um domingo, havia muita gente na Siqueira Campos ou tomando sorvete no Bantim. O Cine Moderno exibia “A Noviça Rebelde,” mas ele preferiu o Cassino e “O Professor Aloprado” – nessa noite, Jerry Lewis seria melhor pro coração.

Quando voltou à pensão, as horas passaram devagar, lágrimas no travesseiro e o tic-tac na parede madrugada afora. De manhã, o Diocesano. Haveria que ser forte e organizado nessa luta desigual. E nos fins-de-semana, de ônibus ou de trem, ia e voltava de casa. No jogo de botão, Fechine, saudoso amigo, sempre ganhava, mas ele reforçaria o time, treinaria mais e da próxima vez venceria o campeonato.

O choro da mãe e a certeza do pai... O trem chegando, a cidade quase deserta, o silêncio da noite, o medo invadindo tudo e ele andando rápido: Praça da Estação, Rua da Vala, João Pessoa, Miguel Limaverde, entrava na pensão e adormecia amando loucamente a namoradinha de um amigo seu. Amanhã, aulas de novo, a vida seguindo o próprio rumo, the long and winding road se fazendo devagar. Recife era uma miragem e precisava estudar cada vez mais.

Nem telefone, nem TV, nem internet, mas a pensão era uma festa. A Araripe e a Educadora tocavam Jovem Guarda, “Aline” e “Os Verdes Campos do Meu Lar.” No final da tarde, uma volta na livraria. Pelos jornais do Rio, dois dias atrasados, Lacerda, Jango e Juscelino iriam formar a “Frente Ampla” e derrubar a ditadura. Outras tardes, na Escola Triunfo, aulas de datilografia com a Dona Soledade. A mãe achava importante, o Banco do Brasil era uma opção e ele guardou o diploma, não se sabia o que futuro iria aprontar.

E, sem nenhum rancor, lembrou-se da adolescente do Santa Teresa que acintosamente o ignorava. Ele era desajeitado e feio, até lhe faltava um incisivo, mas por que a humilhação? Onde estavam os pais e a Madre Feitosa que não deram educação a essa menina? Deixou pra lá... Aproximava-se a festa da padroeira e as suas colegas aparentemente o respeitavam. Houve um ensaio de jogral na Praça da Sé e elas cantaram “A Banda.” Pela primeira vez ele ouviu falar em Chico Buarque e tornou-se mais um admirador fanático desse gênio brasileiro incomparável.

E aí, veio a Miss Ceará, exuberante, desfilando de maiô no Tênis Clube, sob a música envolvente do Hildegardo. Ela sorriu, sentou no seu colo e sussurrou que o chalé do Granjeiro já estava acertado. Mas, um maldito “paredão de som” logo lhe acordou, disparando Ivete Sangalo. Alucinado, se deu conta de que estava só, saltou do banco, abriu os braços e explodiu furioso num gritou revoltado: só no Crato.



(*) Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (médico cardiologista, natural de Missão Velha, e apaixonado pelo Crato, atualmente reside e exerce o ofício em Fortaleza) 

sábado, 24 de outubro de 2015

Retrato Falado-por socorro moreira


Entre outros , Maria Divani Esmeraldo Cabral , apresentou-me hoje, um retrato  do passado...
Antes de qualquer coisa vi o pé de algaroba, na entrada do portão de ferro,já fechado.Janelas abertas.

Todos em sala de aula.Pelo silêncio, ora sonoridade peculiar, suponho!
Risadas tímidas , na sala do nosso Diretor e Prof. de Português, Dr.José Newton Alves de Sousa.

Suas aulas eram fantásticas! Poderiam ter sido gravadas.Ainda bem que algo inestimável ficou- a base, construída com rigor e bom humor.

Um coro , e uma canção americana.Nosso Prof de Inglês usa a música, porque é também um músico! A aprendizagem acontece de forma lúdica.

Pe Ágio Moreira , ainda vive entre nós.Um exemplo de longevidade e genialidade musical.
Insigne figura , cidadão cratense, ícone cultural de várias gerações,até os nossos dias.

Soma com  a maestrina Divani Cabral , na Educação Artística da nossa cidade.
Divani nos encantou com o estudo de todas as artes.Da primeira(A Música) até a sétima(O Cinema).Promoveu lindos eventos, na década de 60, quando mestra, no Colégio S.J.Bosco.Ela que o diga! As fotos que o provem.Nós que  nos lembremos.Nós  e quem viveu a época com intensidade!

Inesquecível a Matemática lecionada pela Professora Ana Teresa Esmeraldo Cabral.Começamos  com uma matéria nova pros iniciantes de Ginásio: Raiz Quadrada! Graças a sua boa  didática conseguimos aprender , inclusive com números decimais.Haja aproximação...Haja memorização   por toda uma vida.De lá até cá! Nesta área tivemos outros mestres inesquecíveis: Dona Ruth e Prof.Anchieta Barreto, que também lecionou Física, quando fizemos o primeiro ano científico.

História era uma disciplina que caia nas graças de quase todos os alunos.Fomos privilegiados como alunos de Vera Lúcia Maia.Suas aulas de História, notadamente as do Egito eram fascinantes. Ela tinha o carisma de  uma Sherazade.Sentia cheiro de especiarias, na sala de nossas aulas. 
Prof. Alderico , já no curso científico, nos assustava para que acordássemos para uma realidade: a História sob o ponto de vista filosófico e social.Trabalhava a nossa consciência crítica.Admirável!

Professores que já se despediram do plano terráqueo, mas continuam eternos na nossa memória: Dona Cira,Dona Lourdinha,Ivone Pequeno,Vieirinha,Dr.José Nilo, Vilany,Terezinha Pinheiro,Dona Astrês, Dona Nilza...

Professores  do Ensino Pedagógico como Dona Isa, Dona Neide, Maryane,Cidália,Josélia,Ana Cristina,Maria do Carmo Feitosa...

Mestres reconhecidamente competentes, como Bastinha Job,Lucenir,Terezinha Maia, Assis,Sônia Aragão,Edite...

Outros personagens  que, naquela época, responderam  pela Administração da Escola, como Eloneida Barreto,Toinha...

Claro que um encontro de todos seria utopia,afinal já se passaram 50 anos.
Poucos dos nossos pais poderiam se pronunciar, em testemunho.
Salve Dona Almina Arraes,Dona Maria Alice, Dona Maura, e poucos outros.

No dia 31 de outubro de 2015, dia dos Diretores,( conforme  batizou a Professora Divani) acontecerá a confraternização de ex-alunos, e alguns  professores dessa famosa Instituição de Ensino, grande responsável pela educação cratense , nos anos 60.

Esperando reencontrar nossos contemporâneos  e colegas, aguardamos com ansiedade o dia "D"!

Grande encontro, galera! Abraços! Até lá!

socorro moreira



segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A MENSAGEM FANTASIADA

O meio é a mensagem. Famosa frase do pensador McLuhan, que demonstrou ser a informação era “processada” pelos meios de comunicação, para então ser entregue. Em outras palavras a informação já não era mais a originária.

Quem entrega a mensagem acrescenta, subtrai, inverte, transforma a informação. E inclusive autocensura, esconde a informação do grande público. Hoje a crítica feita aos meios de comunicação, especialmente os hegemônicos é que fazem tudo isso pelo que se chama editar a informação.

Alberto Dines em entrevista com o pensador Zygmunt Bauman levanta a solução da pluralidade de fontes de informação, para que a população pudesse ter melhor consciência de sua realidade. Ao mesmo tempo que concorda com Dines, Bauman aponta um revés grave neste caminho.

As pessoas estariam tão desejosas de conforto que teriam criado verdadeiras zonas de proteção para não se exporem a outros, a ideias e circunstâncias que se tirem pasmaceira confortável. Enfim a imagem clássica da redução do burguês de revolucionário a uma enfadonha vida de negócios e convenções mudas e surda.

O pensador inclusive aponta as redes sociais e a internet em geral como um exemplo desta criação de “zonas de conforto” (acrescente a dezenas de opções de canais de televisão com o controle remoto para correr rápido do desgosto). Ali apenas dialogamos e procuramos o que não nos incomoda, aquilo do qual não divergimos, “desligamos” tudo que é incômodo.

Ou seja, as pessoas podem até ter fontes plurais de informação, mas tenderiam a se manter inertes a elas para não ter que articular suas próprias contradições. Esse é certamente o lado da cultura de consumo, da mercadoria enfeitiçada, dos símbolos irreais de uma digestão rápida de processos, performances e objetos.

Mas a crítica não se perde, apesar das zonas de conforto.  E mais ainda, logo a contradição é tão marcante que a inquietação se sobreleva ao conforto que, em última análise, depende das circunstâncias afinal mutáveis. E temos fôlego e indignação para apontar a censura das grandes corporações de Meios de Comunicação e de suas Agências de Notícias, todas sediadas nos países centrais (especialmente EUA) e sujeitas a todo tipo de pressão ideológica das Agências Governamentais de natureza imperial.

Ernesto Carmona, jornalista, escritor chileno e jurado internacional do Project Censored, publicado em Proyecto Censurado e traduzido por Carlos Santos para o site esquerda.net e reproduzido pelo site Carta Maior, aponta as 10 notícias mais censuradas pela grande mídia em 2014 e 2015 foram as que seguem abaixo.

O 1% mais rico possui metade da riqueza mundial, de modo que em 2016 apenas um 1% da população possuirá mais riqueza que os 99% restantes.  A segunda é que o fracking (processo de fratura hidráulica do subsolo para extrair petróleo e gás) envenena as águas subterrâneas. Esse envenenamento contaminou os aquíferos da Califórnia.

A terceira notícia mais censurada foi que 89% das vítimas paquistanesas de drones americanos nem seque são apontados como militantes islâmicos (ou seja, o famoso efeito colateral). A quarta é que a luta da Bolívia pelo direito à água deu certo e muitos países seguem o exemplo. A quinta:   o desastre nuclear de Fukushima se espalha pelo Oceano Pacífico e já ameaça chegar à costa ocidental da América do Norte.

A sexta notícia é que os níveis de metano na atmosfera atingiram o máximo histórico nos últimos anos e o Oceano Ártico tem perigo crescente e com alterações de modo abrupto, inclusive com a liberação de grandes quantidades de metano que é contido pelo gelo. A sétima notícia é que o medo da espionagem dos governos condiciona a liberdade de expressão dos escritores, incluindo jornalistas e advogados. Em comparação com outras nações, a polícia dos EUA mata muito mais: 100 vezes mais que as polícias inglesas, 40 vezes mais letal que as alemãs e 20 vezes mais que as canadenses.

As grandes corporações de mídia vivem de afagar os egos dos multimilionários esquecendo-se dos pobres. E a décima é que a Costa Rica já tem predomínio em sua matriz a energia renovável. Assim diminuindo a geração por combustíveis.  

Isso apenas significa que a grande mídia é apenas um projeto geopolítico. E todos os impactos citados, positivos e ou negativos, devemos avaliar com critério inclusão e exclusão. Não repetir os erros já verificados.  


sábado, 17 de outubro de 2015

SEXO SEM NATALIDADE

Como dantes, nunca se ouviu tantas vezes que antes se viu algo igual, os indivíduos mudam como se transforma a demografia. Redução vertiginosa da fertilidade, envelhecimento da população, urbanização universal e articulação global.

O eixo da fertilidade é o sexo, que é o eixo do amor, mesmo aquele dito de todos a favor de todos. E agora o que teremos? Grandes implicações em tudo que é indivíduo e coletivo: gênero, personalidade, moral, família, sociedade e conteúdo do projeto de futuro (filosofia).

O sexo que sempre esteve associado ao desejo, já se encontra codificado como mercadoria e consumo. Todos os símbolos se tornaram meios de venda. E mais do que nunca o sexo, sem natalidade, se encontra robustecido pelas marcas do lazer (prazer).

Como produto pós-biológico, o sexo é conduzido socialmente como conquista sem barreiras de gênero, de raça, de idade, posição econômica (ou para alcança-la) e sobretudo como estética aquisitiva para exposição pública (especialmente de belas espécimes do sexo feminino).

Por isso se ultrapassaram, por meios químicos, os limites de idade e se fabricam parafernália de brinquedos, cremes, vestimentas, luzes e assim continua para puro sexo como diversão. Sem natalidade. Ou seja, sexo sem história a ser feita.

Assim como se tornaram toscos os efeitos especiais dos filmes dos anos 80 diante da computação gráfica, os brinquedos e bonecos de sexo estão se aperfeiçoando. Já há quem diga, como o futurólogo Ian Pearson (blog Opera Mundi) que “o sexo virtual e o sexo com robôs superarão as relações íntimas entre humanos.

No fundo o que temos é construção filosófica da sociedade de consumo, especialmente aquela de base tecnológica, retirando a relação corpo a corpo entre as pessoas. O que falta esclarecer é o quanto a exclusão do corpo pode nos fazer mais humanos, espiritualizados e mentalmente aceitáveis.
A rigor a filosofia destas fontes tem o forte desejo de, com um aperto de botão, sumir com o corpo para uma ambiência que chamam de virtual, mas que não passa de meras gravações e interações sobre estas gravações.


E retornemos a outras fontes filosóficas: a memória (gravação) não explica toda a nossa humanidade. Ela é parte não o todo. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

TEMOS PAPA, VIVA O PAPA ! - Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (*)

Aos prantos, ela se jogou ao pés do Frei Abelardo e implorou para que a criança ficasse. Era mais um menino consagrado a São Francisco, vestindo marrom desde o nascimento e que a mãe não tinha como criar. Percebendo minha comoção, o superior aceitou, mas que eu me responsabilizasse.

Aparentava sete anos e se chamava Raimundim. Logo, os moleques o apelidaram Perna-Santa – apesar do defeito, corria, driblava e chutava de maneira surpreendente. Quem sabe, dali não brotasse um novo Chagas, aquele que começou no Salesiano, brilhou no Treze, voou pra Roma e envelheceu nos braços de uma condessa italiana. Mas, se ele ia bem no futebol, na alfabetização era um desastre. Sempre o pior aluno, jamais a pendeu a ler e a escrever, independente do esforço e de diversas tentativas pedagógicas.

Com o tempo, me convenci de que era impossível alfabetizá-lo e ordená-lo frade. Além disso, como se agravaram o defeito na perna e um problema na coluna, o sonho do futebol foi embora. No entanto, sempre de batina marrom, adorava limpar o altar, tocar a chamada da missa, responder ladainha, sacudir o turíbulo e estar à frente nas procissões. Tornou-se um agregado da Igreja e virou irmão Raimundim.

Memória prodigiosa, ele sabia de cor os evangelhos e nenhuma liturgia lhe faltava. Na Semana Santa, apoderava-se da matraca na procissão do Senhor Morto e ficava a noite inteira ajoelhado na Sexta Feira da Paixão. Ninguém na Ordem Franciscana conseguia acompanhá-lo, E assim continuou até quando Frei Abelardo faleceu e eu fui promovido a pároco.

Curvado sobre a bengala, barba e cabelos brancos, Raimundim envelheceu precocemente, tão longe aquele menino que eu vislumbrava um craque. Ao saber que Bento XVI renunciou, ele se recolheu em orações, aumentou as penitências, não comia nem dormia, cada vez mais introspectivo e solitário.

Certo dia, o Bispo convocou o clero pra orientações no período da vacância papal. À tarde, quando voltei, percebi algo estranho, um povaréu imenso ia da estação ferroviária à Igreja dos Franciscanos. Mil fogos espocando, banda de pífanos, bacamarteiros e maneiro-pau. O badalar dos sinos e um mar de braços erguidos num ondular de chapéus e gritos ritmados de “temos Papa, viva o Papa, temos Papa...”.

A muito custo, atravessei beatas ajoelhadas e, penitentes em flagelação. Cheguei à sacada da Igreja e constatei perplexo: era ele mesmo, agora sem marrom, mas de batina, estola e solidéu brancos. O crucifixo pendia do pescoço e Raimundim abençoava a multidão que ecoava “temos Papa, viva o Papa, temos Papa...”.

Retomei o fôlego, olhei no azul dos seus olhos e fulminei colérico: o que é isso Raimundim, pode me explicar que loucura é essa ??? Sereno, ele fitou-me com extrema gravidade e falou para que só eu escutasse: Oxente, Frei Serafim, eu ia deixar os romeiros sem Papa ???



(*) Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (médico cardiologista, nascido em Missão Velha, residente e exercendo a profissão em Fortaleza)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

As reflexões, imaginações, especulações, adivinhações, ocupam parte do nosso viver. Por isso mesmo tanto representam na vida. Porém as grandes questões são ações e reações frente ao surgir, ao momento, ao acontecendo.
A fusão entre o longo da imaginação e o imediato do acontecer é uma das maiores evidências pelas quais o amor existe. Ele é o manifesto do relâmpago e o reboar dos trovões.
Aqui um pouco desta experiência:


domingo, 4 de outubro de 2015

DIREITOS HUMANOS

Na selva viva das redes sociais apareceram tipos que apenas refletem as palavras odientas de desesperados, ou que têm tanta insatisfação com a própria história que vivem à caça de culpados como os nazistas aos judeus, ciganos, comunistas, gays e tantos que poderiam, indefesos, serem a expiação de tanta culpa. Mas essa é a origem imediata de um discurso mas existem outros mediatos.

Há na selva desarmônica heranças históricas que teimam em permanecer apesar de outros tempos.  A herança das polícias (que se assemelhavam a pistoleiros, bandidos, justiceiros, vingadores etc.) que existiam para proteger os privilégios de elite em explorar e perseguir a população de trabalhadores e camponeses.

Vejamos uma questão. Quem mais semeia o ódio contra os Direitos Humanos, inscritos na Constituição Federal, nas Leis Nacionais e na Carta da Declaração dos Direitos Humanos da ONU são grupos militares (especialmente policiais).

 Os grupos militares do Estado o tempo todo tentam privatizar em benefício de suas operações o que é um monopólio do Estado: a violência em defesa das pessoas e seus direitos. A violência do Estado é pela justiça que é um modo de pesos e contrapesos para garantir a plena liberdade à acusação e à defesa.

Quando um grupo, seja de mídias, religiosos, políticos, de interesses ou corporativo tenta estigmatizar todo o curso da justiça quer apenas se apropriar da violência que é monopólio do Estado. Quando policiais vêm com aquele discurso genérico de que prendemos e o juiz solta, logo imagine que eles querem apenas para eles o monopólio que é do Estado.

Por isso os discursos de má qualidade contra os direitos humanos normalmente nascem de picaretas políticos, de exploradores da raiva pública nos grupos de mídia e de grupos militares que querem o privilégio da violência para si.

Ao criminoso o caminho corretivo é o da justiça. À violência se contrapõe a educação, a democracia, a justiça e os direitos humanos. E por isso toda a dinâmica tem que ser pelos direitos humanos, que passo a escrever segundo os termos de um vídeo divulgado pelo Youtube chamado: “A História dos Direitos Humanos (legendado em português). Tomo algumas frases essenciais:

Onde fica o lugar dos Direitos Humanos?

“Indivíduos de pensamento livre que se recusam a ficar calados;
Que compreendem que “Direitos Humanos” não é uma lição de história em sala de aula;
Palavras escritas nas páginas de livros;
Não são discursos, propagandas, ou campanhas de relações públicas;
São as escolhas que fazemos diariamente como seres humanos;
São as responsabilidades que todos nós compartilhamos que são:
Respeitar uns aos outros;
Ajudar uns aos outros;

E proteger aqueles que precisam”.
A estética da arma de fogo

Ao assunto das mortes por arma de fogo. A primeira coisa pensemos nas armas como uma posse. Um objeto pessoal. Uma categoria de fetiche. De design. Misturada ao consumo como estas tecnologias digitais cada vez mais atraentes. Isso tudo se encontra nas séries de armas de fogo, especialmente as chamadas armas leves.
Em segundo lembremos o caso do cigarro. Desde que na abertura do Canal de Suez, para ganhar tempo dos trabalhadores, inventaram a máquina de fazer cigarro, que ele se tornou um objeto de consumo de massa especialmente na indústria americana. Afinal as grandes tabageiras se fundaram no Império Inglês e o americano, convenhamos, é apenas o mesmo transferindo ativos para a América do Norte.
Os americanos usaram a maior máquina de gerar consumo com o cinema. E foi no cinema, na estética do cinema, cenas preparadas para dar profundidade e estética ao ato de fumar. Aquele momento da reflexão, o charme da sedução, a virilidade masculina, o desafio da juventude, tudo isso foi usado para aderir o público ao consumo do cigarro.
E tem um fato mais criminoso ainda. As estratégias foram se adequando à faixa etária que aderia ao consumo. Quando esta baixou para menos de 18 a indústria não teve escrúpulo algum, avançou no estímulo específico. Humphrey Bogart e outros meninos transviados formavam a imagem. A tragédia é que Bogart morreu de câncer provocado pelo cigarro assim como o cowboy que era o homem de Marlboro.
Pois agora a indústria armamentista faz o mesmo no cinema. A estética da arma de fogo, fazer clics viris para encaixar a bala, as munições que destroem tudo à frente, o ódio, a vingança desenfreada, as acrobacias para atirar deitado, no ar, caindo, pulando com as balas saindo em câmara lenta e explodindo no "inimigo".
Enquanto no cigarro a estética se associava ao drama e às seduções de amor, agora é no ódio desmedido que a estética da arma se justifica. Por isso Hollywood tem feito tanto filme destruindo tudo. Com a queda das torres gêmeas a vontade de destruir tudo que se move e tudo que se encontra em pé se aprofundou na cultura americana.
Agora imaginem, o que esta estética faz com uma sociedade acumulativa, com uma meritocracia de faz-de-conta, onde o sucesso é sempre o revés, as insatisfações aumentam e o ódio cresce ao tentar explicar as permanentes derrotas da imensa maioria. Um estado permanente de culpa de terceiros pelo próprio fracasso.

Imaginem o que isso gera com a estética da arma de fogo. Especialmente na mão de quem já não consegue sair do estado de alienação do feitiço da mercadoria e da estética cultural da destruição ampla, geral e irrestrita.

sábado, 3 de outubro de 2015

A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE BRUNO PEDROSA

Onde o Vêneto começa seu abraço aos alpes dolomitas, vive um artista plástico corre-mundo, que hoje navega o abstrato pictórico, mas foi nas sinuosidades, ângulos e ilusões da tridimensionalidade que se descobriu. Após formar-se na Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro, é aquele joio que fica das levas de formandos que desistem ou escondem suas obras em guardados. Ele viveu, vive e viverá até o fim dos tempos levando o pão para casa do valor de mercado de sua arte.

E para compreender os séculos gestados a partir do Renascimento, o Bruno Pedrosa é um espécime em amostra. Não por ser quase italiano, ou por artista plástico, mas pelo que aquele movimento fez ao buscar no passado uma bússola para abrir novas, inimagináveis e interditadas trilhas da alma.

Séculos que carregam simultaneamente a ousadia iconoclástica, a inovação, o questionamento do posto ou a revisão da realidade ao mesmo tempo em que se veste de corpo e alma com o arcaico que sua passadas derruba. Nascido e alimentado numa longa mesa patriarcal, com 32 assentos, no sertão do Riacho do Machado no Ceará, com as barbas e cabelos de profeta, Bruno Pedrosa é o tipo humano dos nossos séculos renascentista-iluminista-técnico-científico.

E este caleidoscópio de eras, das dimensões imperiais, dos fragmentos civilizatórios e localidades culturais resultou neste associativismo abstrato. Em que o obscuro é parte essencial da luz. Da realidade multiforme e por isso mesmo sensível.  

Nos últimos quarenta anos do século XX, numa cidade típica do mais profundo interior nordestino, localizada no centro geodésico do Nordeste, ali se desenvolveu o coletivo daqueles séculos. Uma cidade ajoelhada aos séculos coloniais com os olhos brilhando para as luzes inovadoras que piscavam nas publicações jornalísticas, nas ondas da Rádio Araripe e nos fótons projetados na tela dos cinemas.   
E foi numa peça automotiva do pós-guerra, um jipe com tração nas quatro rodas, que Bruno Pedrosa, poderia ser Raimundo, Pinheiro ou Campos, assistiu à explosão da sedução. Uma jovem cratense ganhara o título de Miss Ceará e iria para a disputa nacional. E a cidade comemorou igualmente com já fazia com Antonio Corninho um transeunte das ruas.

Não é para esticar. Mas Antonio Corninho era no Crato a representação da modernidade com adereços do arcaísmo. Pela rua central de comércio as senhoras das honradas famílias faziam compras nas lojas chiques. Era o ambiente de exposição da sociedade, da elite da cidade. E por ela também passava Antonio Corninho e os gaiatos gritavam: Antonio Cornin! Comunista! E Antonio Corninho fazia descer do mais intenso arcaico uma profusão de palavrões suficientes para abalar até os cabarés do Gesso.

Então puseram a Miss em pé, ao lado do motorista, no jipe sem capota, se movendo pelas ruas principais da cidade. Apinhadas de gente, fogos espocando, sorrisos largos e a miss desfilando a glória da beleza. Especialmente para Bruno Pedrosa, então uma criança beirando a adolescência.

As famosas misses das capas da revista O Cruzeiro, desfilavam em vários trajes. O escolhido para o desfile no Crato foi aquele de banho na piscina. Um maiô colante que expunha todos os centímetros da perfeição, dos cabelos até as unhas pintadas dos pés, passando por toda vibração erétil do corpo da juventude desbragada. E ali Bruno Pedrosa.

Que já manifestava seus pendores para o desenho. E com pedaços de gesso de um conserto da vizinhança, desenhou aquele corpo sensual, de maiô, desfilando num jipe no cimento da passarela que atravessava o jardim da casa. A casa de uma tia carola e violenta que, segundo o sobrinho, quando apresentou as credenciais ao chefe do fogo eterno, recebeu deste uma pequena gleba para ali implantar seu inferno particular e fora dos domínios do decaído.

O cimentado, da miss desenhada, foi esfregado, raspado, tomou banho de ácido, até que nem lembrança restasse daquele pecado mortal do lembrado adolescente. Foi um prazer interrompido. Assim como ser pego no auto prazer solitário e por escândalo surgirem vituperações de todas as injúrias possíveis.

Acontece que segurar a era de Bruno Pedrosa, é igual segurar a água líquida pela mão. É uma era amoldável aos continentes, mas capaz de drenar, pelas falhas estruturais existentes em todos os contidos. Logo estava Bruno na fazenda do pai. Na redondeza pessoas moldando telhas para depois queimar no forno como uma cerâmica.

E com a telha moldável, a argila ainda mole, Bruno Pedrosa desenhou a miss sedutora sendo conduzida naquele jipe na representação do alazão do prazer. Um tio viu aquilo e encantou-se qual o sobrinho. Mandou queimar a telha. Pôs a dita com a face desenhada para baixo, do alpendre, bem na mira do seu olhar quando deitado na rede usada para sonhar.


E ali ficou anos sem fim exposta aos olhares admirados por aquela primeira exposição de uma obra de Bruno Pedrosa.