por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Coalho





Toda vila tem seus muitos filhos  naturais e um sem número de outros adotivos. Aqueles  não tiveram escolha, emitiram seus primeiros vagidos no lugar, por mero acaso ou por ditames obscuros da sorte e do destino. Os adotivos, por outro lado, usaram sua sensibilidade e sua empatia na escolha do lugar geográfico onde iriam depositar sua história. Difícil compreender que estranhas forças os impeliram para lugares distantes e muitas vezes inóspitos, sem nos ampararmos nas amarras do fatalismo ou da transcendência. O Crato viveu, durante todo seu percurso, prenhe de uma infinidade de filhos adotivos que aqui chegaram, por obra de estranhas forças e ajudaram a escrever e reescrever muitas linhas da história da Vila de Frei Carlos: Bárbara de Alencar, Martins Filho, os coronéis Antonio Luiz, Álvaro Bomílcar, Jéfferson de Albuquerque, Dr. Antonio Gesteira,  Padre David Moreira, José do Vale Feitosa, Manuel Vieira, Soriano de Albuquerque, João Brígido, isto apenas para citar alguns.                                
                                   Pois bem, hoje, falaremos de um desses importantes filhos adotivos do Crato e que fundiu sua alma ao doce espírito da nossa Vila. Chamava-se Teófilo Artur de Siqueira Cavalcante e nasceu em Palmares , no Pernambuco tão ligado umbilicalmente ao Cariri. Nascido em 1869, veio para o Crato ainda guri, com seu pai, juiz de direito e aqui permaneceu até sua partida definitiva em 1941.  Nas primeiras décadas do Século XX, Teófilo fundou a Pharmácia Siqueira, estabelecida ali na Rua do Fogo ( hoje Senador Pompeu), colada ao nosso primeiro Clube :  “ O Cariri”. O prédio foi demolido ,recentemente, como tem acontecido com todo o Centro Histórico da nossa cidade , numa deliberada e programada incineração do nosso passado glorioso. A Pharmácia Siqueira funcionava como uma espécie de Pronto Socorro da cidade, junto com outros estabelecimentos farmacêuticos da Vila : A Pharmácia Telles, a do Coronel Secundo Chaves, a Botica do Coronel Garrido  e a Central de José Alves de Figueiredo ( o Zuza  da Botica). Mais que isso, elas juntavam , em rodinhas de fim de tarde, toda a intelectualidade da vila, a comentar as últimas notícias, as derradeiras fofocas  e os debates acalorados das áreas:  literária, econômica  e política.
                                   Teófilo era esguio, usava óculos de lentes grossas e tinha um nariz proeminente que lhe imprimia feições parecidas com  a do poeta Manuel Bandeira. Nosso boticário era bem humorado e irreverente. Língua afiadíssima, comentava todas perversões da sociedade provinciana com uma fina argúcia , imersa num comburente molho de malagueta. As suas peripécias faziam parte da nossa doce mitologia cotidiana, cresci ouvindo meu pai , na Livraria Católica, narrar as suas histórias, alegremente, como se viessem de João Grilo,  Cancão de Fogo  ou Pedro Malasartes. Percebendo que se vão esmaecendo estas lembranças nas novas gerações, resolvi registrá-las no papel que tem uma perenidade bem maior que a saliva. Pois aí vão, vendo-as pelo mesmo preço que as comprei !
                                   Aí pelos anos 20, chegou ao Crato um oftalmologista e se estabeleceu na Rua Grande, numa sala agregada à Farmácia Telles , onde depois funcionou o consultório do Dr. Maurício Telles. A novidade espalhou-se rapidamente na região. Se médico naquele tempo era coisa rara, especialista, então, tornava-se artigo para ser tombado pelo IBAMA. A notícia chegou aos ouvidos de Teófilo que não engoliu bem a história. Imaginou, logo, que estabelecido nas  beiradas da farmácia rival, o especialista só iria prescrever remédios da farmácia mais próxima. Começou, imediatamente, a alfinetar o novo esculápio , sem ao menos o conhecer. Um dia, o oculista entrou na Pharmácia Siqueira . Desejava cumprimentar o boticário e apresentar-se , pensando na possibilidade de alimentar uma política de boa vizinhança e, claro, vislumbrando possíveis encaminhamentos de pacientes ao seu consultório. Siqueirinha, o filho do boticário e balconista,  conhecia já o novo profissional e percebendo a aproximação ainda à distância, resolveu pregar uma peça no pai. Abriu o assunto que sabia bastante melindroso:
                                   --- Pai, sabia que chegou um novo oculista na cidade?
                                   Teófilo, meio exasperado, respondeu, enquanto o doutor já entrava na botica:
                                   --- Soube meu filho ! Pois vá lá em Gonzaga de Melo—que era genro Siqueira– e diga para mandar aqui para farmácia uma carrada de vara !
                                   Siqueirinha, sem compreender, já com o médico junto do balcão, pergunta, ciente da bomba que vem de lá:
                                   --- Carrada de vara, papai ? Aqui pra farmácia ? Não entendi !
                                   Teófilo, então, explode a dinamite:
                                   ---- Vara, sim, menino ! Pelo qu´eu soube desse oculista novo, o que vai dar dinheiro agora, em farmácia, é vara de puxar cego !
                                   Siqueirinha, por sua vez, aproveita para completar a pegadinha . Virando-se para o oculista, diz:
                                   --- Papai, eu quero lhe apresentar este rapaz! Ele é o novo oculista da cidade.
                                   Ao contrário do que esperava o filho, o boticário não perdeu a fleugma. Olho-o da cabeça aos pés, sem demonstrar surpresa e saiu-se com essa:
                                   --- Oxente, tá besta menino ! Eu conheço o doutor já de muito tempo, já tava até brincando com ele !
                                   A década de vinte trouxe ao Crato uma das maiores pianistas brasileiras. Conhecida familiarmente por “Chaguinha”, tinha uma grande ligação com o Crato.  Consta que a artista tivera um affair ou um rolo com o nosso Pedro Maia, músico, fotógrafo e motorista, por fim, quando suas folhas começaram a tombar no outono da existência. Pois, bem,  a cidade engalanou-se  para  o show. Armou-se um grande palco na Praça da Sé, onde se instalou um piano de cauda e uma grande mesa que comandaria a importante solenidade. Teófilo fora escolhido como orador do evento. Possivelmente por indicação de Dr. Elysio Figueiredo(1892-1975) de quem era grande amigo. Dr. Elysio, médico,  talvez tenha sido o orador mais brilhante e inspirado que o Cariri  já teve  . Dono de uma memória prodigiosa, de porte atlético e com gestos teatrais tinha o poder de hipnotizar qualquer platéia com sua voz possante e sua erudição. Ele sabia perfeitamente que Teófilo possuía um discurso básico e único adaptável a qualquer ocasião e já o tinha decorado de cabo a rabo. Antes do início da solenidade, procurou o Dr. Irineu Pinheiro(1881-1954), um dos nossos maiores historiadores , o autor de “Éfemerides do Cariri “ e o informou que sabia qual seria a fala de Teófilo naquela noite. Sapecou-lhe o discurso que tinha decorado com sua memória fotográfica. Montada a mesa, antes do concerto, com todas as autoridades locais, inclusive Dr. Elysio e Dr. Irineu, a palavra foi cedida ao orador da noite : Teófilo Siqueira. Encetado o discurso, Dr. Irineu começou a não se agüentar e a rir descontroladamente: saía o pronunciamento igualzinho ao que Dr. Elysio havia há pouco recitado. Nosso historiador necessitou sair de mansinho , sob qualquer pretexto, sem conseguir sustentar a crise de riso. Terminada a solenidade e o concerto inspirado de Chaguinha, Teófilo comentou o descontrole do escritor:
                                   --- Tu viu, Elysio a besteira de Irineu? Aquilo é burro, tapado, bocó que só uma porta velha . Também num é pra menos, né ? Ele nasceu no “bê-erre-obró” !
                                   Dr. Elysio sabia que Teófilo , como um ascendente do personagem  “Coxinha”, tinha sempre duas avaliações críticas. Uma na presença do avaliado e outro na sua ausência. Finalizado o concerto, nosso boticário se dirigiu para a pianista e dissolveu-se em elogios:
                                   --- D. Chaguinha, eu nunca vi coisa tão linda. A senhora toca como um anjo !  Por um momento eu fechei os olhos e  tive o maior sobressalto, pensei que tinha era morrido e já tinha chegado  no céu ! Isso que a senhora carrega nas mãos não são dedos : são varinhas de condão !
                                   Terminada  a solenidade, voltando para casa, Dr. Elysio pediu, por fim a segunda avaliação da artista. Teófilo olhou para um lado e para o outro, certificando-se que não havia testemunhas outras e soltou o verbo:
                                   ---- Elysio, como é que a pessoa não tem vergonha e vem para o Crato dizendo que sabe tocar piano ? A noite toda tengo-tendo-tengo ! Parecia um ferreiro cantando numa gaiola! Uma nota não batia com a outra, rapaz!  Era ver uma casa na chuva, cheia de goteira, as panelas espalhadas pelo chão e os pingos caindo aqui e ali: tém-tém-tém.  
                                   O cratense Vicente Leite ( 1900-1941) foi um artista plástico de fama internacional, considerado por alguns o maior paisagista brasileiro. Aluno da Academia Brasileira de Belas Artes, Vicente foi colega de Portinari e Orlando Teruz.  Muito premiado, Vicente Leite em 1935 recebeu como prêmio, uma viagem pelo Brasil , seu maior sonho. Aproveitou a oportunidade para expor seus trabalhos na sua terra natal , vindo em companhia ilustre do escritor cearense, membro da Academia Brasileira de Letras, Gustavo Barroso (1888-1959).  Sua Exposição foi aberta em Crato com muito estardalhaço e, na inauguração, estiveram presentes, na comitiva principal que acompanhava o pintor e Gustavo Barroso, Dr. Elysio e Teófilo. Antes Dr. Elysio já havia alertado o artista plástico e nosso importante literato sobre a variabilidade das avaliações estéticas do boticário, dependendo, claro, da presença ou ausência do avaliado. Cientes todos destas características, combinaram todos para apreciar a primeira opinião e , depois, se ausentarem Vicente e Gustavo, escondendo-se por perto, para , assim, terem , por fim, aquela outra visão menos pessoal de crítica estética. À medida que a comitiva ia, pouco a pouco, degustando as lindas paisagens do pintor cratense, Teófilo proporcionalmente parecia se extasiar com a beleza das telas e comentava :
                                   --- Vicente, isso é uma coisa divina ! Sua arte, meu amigo, é de um realismo difícil de se conceber. Eu acho que você deve , embaixo de cada uma dessas paisagens, botar uma advertência informando que se trata de um quadro. Corre o risco, se não o fizer, de um menino querer trepar num pé de mangueira desse pensando que é de verdade. Eu mesmo, há pouco,  cheguei a pensar em ir buscar minha rede prá armar debaixo dessa braúna à beira do rio.
                                   Os elogios se sucediam até chegar o momento em que  o previamente combinado se realizou. Vicente Leite e Gustavo deram uma desculpa , pediram licença, dizendo que precisariam se ausentar um pouco a fim de resolver algumas pendências da Vernisage.  Sem que ninguém percebesse, esconderam-se por trás de um empanada próxima que fazia a divisória de partes da exposição. Dr. Elysio, então, mandou o mote :
                                   --- Teófilo, agora que os homens já saíram, diga prá gente, rapaz, o que é que você tá achando mesmo dos quadros de Vicente Leite ?
                                   Teófilo cubou o ambiente certificando-se da ausência dos autores e não tardou em mandar a glosa:
                                   --- Compadre Elysio, mas como é que pode ? A pessoa trazer de tão longe uma porcaria dessa dizendo que é arte ? O sobrenome dele já diz tudo : Leite ! E pode ter certeza, compadre, botaram água nesse leite. Eu não sei não, viu ? Prá fazer uma coisa labrocheira como essa eu acho que só tem um jeito : ele envia o pincel no cu e fica rodando prá lá e prá cá, como um pião doido.Nãããããooooooo!
                                   Por trás da empanada se ouviram gritos abafados e mal contidos. Parece que o leite de Vicente tinha acabado de talhar.  

J. Flávio Vieira

Muito lindo!


Hoje ela completaria 50 anos...


PATATIVA X VICELMO E A USINA DE AÇÚCAR


Na década de 70, a Usina Manoel Costa Filho, instalada em Barbalha, enfrentava problema com o pequeno fornecimento de cana.  Seu parque industrial produzia abaixo da capacidade porque os plantadores preferiam fabricar rapadura ou aguardente a vender sua matéria prima.
O jornalista Antônio Vicelmo, líder de audiência na região do Cariri, que ainda hoje comanda o noticiário de maior credibilidade em todo Sul do Ceará, foi contratado para levar adiante campanha publicitária visando convencer os agricultores se tornarem fornecedores da usina.

Além dos anúncios nas rádios, Vicelmo planejou cordel enaltecendo  os benefícios que aquela indústria trazia para a Região e as vantagens que os plantadores de cana teriam vendendo sua cana de açucar.  Para o cordel pensou logo no nome de Patativa do Assaré. Naquela época o poeta já era nome consagrado, respeitadíssimo pelo Sertanejo e, porque não dizer, amado pelo seu povo.  Apesar da fama, vivia com dificuldades financeiras, no limite da pobreza.
Vicelmo , por ter entrevistado várias vezes Patativa, ter noticiado os lançamentos dos seus livros, divulgado sua poesia e pelo vínculo de amizade, achou que a tarefa seria fácil, ainda mais que os usineiros haviam disponibilizado uma boa quantia, uma verdadeira “loteria” para remunerar o trabalho do poeta de Assaré.
O radialista deslocou-se até Assaré confiante no êxito da missão. Chegando na casa de Patativa e vendo a pobreza em volta, seu otimismo aumentou. Jamais pensou receber um não.
Pois foi o que aconteceu.  Patativa ouviu atentamente a proposta de Vicelmo, entendeu a oferta de recompensa financeira, mas recusou explicando que 40 anos antes havia feito a poesia  “Ingém de Ferro”, e o pedido da Usina significava exatamente o contrário do que ele expressara em versos. Sua consciência não ficaria em paz se produzisse algo no sentido oposto. Seria traição pura.
Vicelmo retornou ao Crato deprimido, esmagado pela força moral e dignidade de Patativa do Assaré. Viu que existiam Homens que não se vendem.
Ingém de Ferro

Ingém de ferro, você
Com seu amigo motô,
Sabe bem desenvorvê,
É munto trabaiadô.
Arguém já me disse até
E afirmô que você é
Progressista em alto grau;
Tem força e tem energia,
Mas não tem a poesia
Que tem um ingém de pau.

O ingém de pau quando canta,
Tudo lhe presta atenção,
Parece que as coisa santa
Chega em nosso coração.
Mas você, ingém de ferro,
Com este horroroso berro,
É como quem qué brigá,
Com a sua grande afronta
Você tá tomando conta
De todos canaviá.

Do bom tempo que se foi
Faz mangofa, zomba, escarra.
Foi quem espursou os boi
Que puxava na manjarra.
Todo soberbo e sisudo,
Qué governá e mandá tudo,
É só quem qué sê ingém.
Você pode tê grandeza
E pode fazê riqueza,
Mas eu não lhe quero bem.

Mode esta suberba sua
Ninguém vê mais nas muage,
Nas bela noite de lua,
Aquela camaradage
De todos trabaiadô.
Um falando em seu amô
Outro dizendo uma rima,
Na mais doce brincadêra,
Deitado na bagacêra,
Tudo de papo pra cima.

Esse tempo que passô
Tão bom e tão divertido,
Foi você quem acabô,
Esguerado, esgalamido!
Come,come interessêro!
Lá dos confim do estrangêro,
Com seu baruio indecente,
Você vem todo prevesso,
Com históra de progresso,
Mode dá desgosto a gente!

Ingém de ferro, eu não quero
Abatê sua grandeza,
Mas eu não lhe considero
Como coisa de beleza,
Eu nunca lhe achei bonito,
Sempre lhe achei esquesito,
Orguioso e munto mau.
Até mesmo a rapadura
Não tem aquela doçura
Do tempo do ingém de pau.

Ingém de pau! Coitadinho!
Ficou no triste abandono
E você, você sozinho
Hoje é quem tá sendo dono
Das cana do meu país.
Derne o momento infeliz
Que o ingém de pau levou fim,
Eu sinto sem piedade
Três moenda de sodade
Ringindo dentro de mim.

Nunca mais tive prazê
Com muage neste mundo
E o causadô de eu vivê
Como um pobre vagabundo,
Pezaroso, triste e pérro,
Foi você, ingém de ferro,
Seu safado, seu ladrão1
Você me dexô à toa,
Robou as coisinha boa
Que eu tinha em meu coração!

A frase que Niemeyer não disse - parte 2

Quando fui testar na internet a origem da tal frase que o Niemeyer não disse, encontrei-a em blogs pessoais e alguns coletivos, por vezes dependentes de fontes de e-mail ou das redes sociais. A fonte original não se identificava. Assim mesmo com os elementos que possuía fiz o texto, mas tomando o cuidado de consultar um assessor privilegiado do Niemeyer, presidente da Editora Revan, o Renato Guimarães com quem tenho afinidade de amizade. Hoje o  Renato confirma a fraude:

Caro Zé. Você tem razão, a frase é fraudulenta. Gostei de seu artigo hoje sobre Oscar e Lúcio Costa.

Abraço,
Renato

Revista Carta Capital (transcrição)

Nos tempos do engavetador-geral: “Refrescando” Henrique Cardoso
O que é mais vergonhoso para um presidente da República? Ter as ações de seu governo investigadas e os responsáveis, punidos, ou varrer tudo para debaixo do tapete? Eis a diferença entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva: durante o governo do primeiro, nenhuma denúncia – e foram muitas – foi investigada; ninguém foi punido. O segundo está tendo que cortar agora na própria carne por seus erros e de seu governo simplesmente porque deu autonomia aos órgãos de investigação, como a Polícia Federal e o Ministério Público. O que é mais republicano? Descobrir malfeitos ou encobri-los?
FHC, durante os oito anos de mandato, foi beneficiado, sim, ao contrário de Lula, pelo olhar condescendente dos órgãos públicos investigadores. Seu procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, era conhecido pela alcunha vexaminosa de “engavetador-geral da República”. O caso mais gritante de corrupção do governo FHC, em tudo similar ao “mensalão”, a compra de votos para a emenda da reeleição, nunca chegou ao Supremo Tribunal Federal nem seus responsáveis foram punidos porque o procurador-geral simplesmente arquivou o caso. Arquivou! Um escândalo.
Durante a sabatina de recondução de Brindeiro ao cargo, em 2001, vários parlamentares questionaram as atitudes do envagetador, ops, procurador. A senadora Heloísa Helena, ainda no PT, citou um levantamento do próprio MP segundo o qual havia mais de 4 mil processos parados no gabinete do procurador-geral. Brindeiro foi questionado sobre o fato de ter sido preterido pelos colegas numa eleição feita para indicar ao presidente FHC quem deveria ser o procurador-geral da República.
Lula, não. Atendeu ao pedido dos procuradores de nomear Claudio Fonteles, primeiro colocado na lista tríplice feita pela classe, em 2003 e, em 2005, ao escolher Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia do mensalão. Detalhe: em 2007, mesmo após o procurador-geral fazer a denúncia, Lula reconduziu-o ao cargo. Na época, o presidente lembrou que escolheu procuradores nomeados por seus pares, e garantiu a Antonio Fernando:  Você pode ser chamado por mim para tomar café, mas nunca será procurado pelo presidente da República para pedir que engavete um processo contra quem quer que seja neste país.” E assim foi.
Privatizações, Proer, Sivam… Pesquisem na internet. Nada, nenhum escândalo do governo FHC foi investigado. Nenhum. O pior: após o seu governo, o ex-presidente passou a ser tratado pela imprensa com condescendência tal que nenhum jornalista lhe faz perguntas sobre a impunidade em seu governo. Novamente, pesquisem na internet: encontrem alguma entrevista em que FHC foi confrontado com o fato de a compra de votos à reeleição ter sido engavetada por seu procurador-geral. Depois pesquisem quantas vezes Lula teve de ouvir perguntas sobre o “mensalão”. FHC, exatamente como Lula, disse que “não sabia” da compra de votos para a reeleição. Alguém questiona o príncipe?
Esta semana, o ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da presidência, colocou o dedo na ferida: “Os órgãos todos de vigilância e fiscalização estão autorizados e com toda liberdade garantida pelo governo. Eu quero insistir nisso, não é uma autonomia que nasceu do nada, porque antes não havia essa autonomia, nos governos Fernando Henrique não havia autonomia, agora há autonomia, inclusive quando cortam na nossa própria carne”, disse Carvalho. É verdade.
Imediatamente FHC foi acionado pelos jornais para rebater o ministro. “Tenho 81 anos, mas tenho memória”, disse o ex-presidente. Nenhum jornalista foi capaz de refrescar suas lembranças seletivas e falar do “engavetador-geral” e da compra de votos à reeleição. Pois eu refresco: nunca antes neste País se investigou tanto e com tanta independência. A ponto de o ministro da Justiça ser “acusado” de não ter sido informado da operação da PF que revirou a vida de uma mulher íntima do ex-presidente Lula. Imagina se isso iria acontecer na época de FHC e do seu engavetador-geral.
O erro do PT foi, fazendo diferente, agir igual.

Cynara Manezes

Oscar Niemeyer e Lúcio Costa - José do Vale Pinheiro Feitosa


O conhecimento é cumulativo até que de repente, num ponto de transição, dá um salto e muda de patamar. Assim como a água que vai acumulando calor até que entra em ebulição e se torna vapor.

O salto no nosso conhecimento acontece o tempo todo. Os de fala inglesa chamam isso de insight, é aquele lampejo da inteligência que de repente compreende algo que estava na fronteira, mas ainda não se havia percebido. A célebre maçã da lenda que na gravidade a jogara na cabeça de Newton.

Vou falar de duas experiências pessoais. Uma com Oscar Niemeyer e outra com Lúcio Costa. No primeiro ano do governo Brizola eu coordenava uma área de controle de doenças e fui escalado pelo Secretário de Saúde Eduardo Costa para ser contraparte da Secretaria de Saúde no Programa de Educação dos CIEPS na ocasião sendo gestado pelo Darcy Ribeiro.

Na primeira reunião com Darcy Ribeiro, cheguei cedo à antessala e fiquei aguardando o Darcy terminar outra reunião. Estava sozinho quando Oscar Niemeyer entrou, sentou-se numa poltrona ao meu lado. E ficamos esperando sermos chamados.

Então com trinta e poucos anos a minha tietagem aflorava naquela oportunidade de ao lado de um ícone brasileiro sofrer a angústia de não dizer nada. Na petulância da mocidade querendo aparecer. Mas a serenidade de Oscar não convidava a esse tipo de tietagem. E foi aí que começamos a falar das nossas matérias ali: a construção dos CIEPS.

Em resumo: o salto de conhecimento a respeito de Niemeyer não foi sua genialidade e menos ainda um traço exuberante de sua personalidade: a criatividade. A nossa conversa, naquele tom um pouco monocórdico dele correu em torno da finalidade e da responsabilidade. Oscar não criava um projeto arquitetônico como arcabouço ambiental, na verdade ele apontava a confiança no projeto pedagógico de Darcy para aí sim criar o ambiente em que o dia-a-dia de alunos e professores iria potencializar o futuro do país.

Niemeyer tinha compromissos com ideias e com projetos de transformações da humanidade. Quando muito se vêm em perplexidade por Niemeyer manter-se um marxista convicto e à espera de um sistema comunista de organização social, não tome como medida a Muro de Berlim e nem o fim da União Soviética. Niemeyer e muita gente mais não pensa o mundo apenas como um aparelho ideológico para se aplicar a toda e qualquer realidade. Ao contrário: eles têm a convicção que era preciso pensar a crise do sistema dominante para que se possa ter um amanhã que seja um salto no conhecimento da nossa realidade. E não se trata apenas da esperança, mas, sobretudo, de remexer os escombros para a matéria do futuro.

Encontrei Lúcio Costa no aniversário de Pierre Gervaiseau, casado com Violeta Arraes. Lúcio já com mais de 90 anos, sentava-se numa cadeira relativamente baixa, junto aos batentes que ligavam a sala a uma área descoberta. Sentei-me nos batentes, ao lado dele, igual companhia não podia ter para aquela noite.

Lúcio Costa não falou de grandes projetos, de grandes realizações. Não posso nem dizer que levantou grandes críticas ao mundo naquela passagem entre o século XX e XXI. Aliás, ali estavam pessoas importantíssimas da história do século XX no Brasil, como Celso Furtado, Luiz Carlos Barreto, Célio Borja entre outros. E a lição de transição de Lúcio Costa foi no sentido que as montanhas da cidade do Rio de Janeiro precisavam retornar às suas dimensões dominantes na paisagem da alma carioca. Os prédios ao escondê-las e ao se erguer diante dos nossos pés como ciclopes de segunda categoria haviam escondido a silhueta histórica da cidade.

Oscar e Lúcio não vagueiam entre a simplicidade e a complexidade, entre a genialidade e mediocridade, entre o lírico e o poético, ambos estiveram no mundo querendo pensa-lo, em suas contradições e no que o conhecimento é capaz para garantir o humanismo como um norte além da selvageria individualista do capitalismo cumulativo.  

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A frase que Niemeyer não disse - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os  blogs de vários lugares e inclusive do cariri, em larga escala, picaram uma suposta frase do Niemeyer que é uma farsa. De cara se deve suspeitar da mesma pois Niemeyer tinha lá suas ingenuidades, mas sabia perfeitamente qual a realidade em que projetou Brasília. A outra coisa mostra a ignorância dos farsantes (que fizeram a montagem) e que todos embarcaram pelo vício do cachimbo, pois acredito que todos os nossos coordenadores de blogs sabiam aprioristicamente que o Plano Piloto em formato de Asa de Avião é de Lúcio Costa. Aliás Brasília é rigorosamente o projeto de três gênios: Niemeyer, Lúcio Costa e Joaquim Cardoso no cálculo estrutural.

E tem mais: Brasília é o maior projeto de expansão para o Centro Oeste que já houve. Com ela o Brasil mudou a ponto de ser o que é hoje. Portanto tem Juscelino na Política, tem os engenheiros, tem os candangos e muita gente empreendedora, entre alguns malfeitores. Brasília custou caro não apenas pelo  roubo, mas pelo que é de fato construir uma cidade no meio do sertão em pouco mais de três anos. E tem mais: a marchar para o interior do Brasil já deu retorno de milhares de vezes o que se gastou em Brasília. 

A farsa já tem um viés ideológico de marca: os comunistas arrependidos. Niemeyer foi até o último suspiro sendo uma pessoa universalmente querida mantendo a sua coerência de comunista. Inclusive financiando atividades, ajudando à sobrevivência do PCB e de uma editora de livros. E tem mais o modo acrítico como se divulga é o resquício redivivo do velho udenismo golpista. 

O segundo erro: não basta assinar para se tornar o texto de alguém. Oscar Niemeyer é elegante, não usaria a palavra penico para descrever Brasília e jamais compararia Brasília com um Camburão. À direita brasileira não apenas por vezes falta senso de acerto, como exagera na ignorância. Um comunista o é essencialmente porque acredita na política e nela realiza o combate, jamais se insurge como nesta frase contra a política. E por último: basta ir agora mesmo ao Google e examinar outras frases do Niemeyer, além de não ser grosseiro, ele acreditava na sua obra realizada. 

Eu vi essa reprodução em vários blogs aí do Crato e seria bom uma nova avaliação dos seus responsáveis. Volto ao assunto por uma questão já apontada ontem na manipulação frequente da internet. Por isso roubam senhas de pessoas desavisadas e por vezes ingênuas. 

Discussão politica caracteriza o Festival Nacional de Teatro de Rua no Ceará

Teobaldo Silva - Coordenador do FESTMAR


A VIII edição do Festival Nacional de Teatro de Rua do Movimento de Agitação e Resistência da Cultura Popular  de Aracati no Ceará – Festmar que está sendo realizada no período de 05 a 08 de dezembro na cidade litorânea  Aracati tem como diferencial esse ano a defesa de 2% no orçamento do Município destinado para a cultura. Em diversas cidades do Ceará, os movimentos de culturas estão se articulando neste sentido, como é o caso da cidade do Crato. Outro ponto defendido no Festival é a criação de uma rede de grupos e coletivos de artistas da região nordeste com o caráter de contribuir no intercâmbio entre os artistas e o fortalecimento político e organizativo dos grupos.  

O Festmar vem se consolidando no Estado do Ceará. Esse ano reúne grupos de teatro dos Estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul.

O evento reúne 22 companhias e ocupam os espaços públicos da cidade como Praças e monumentos históricos do Patrimônio Artístico e Arquitetônico Nacional.

Para Teobaldo Silva, coordenador do Festmar, o evento surgiu em 1999, como um festival da cidade e posteriormente foi tendo uma abrangência nacional. Ele destaca que o evento ainda realizado com dificuldades financeiras. “Resistimos fazendo arte, pois acreditamos que ela é um instrumento político e desenvolvimentista importante para a população”, frisa Teobaldo.

Para Alexandre Lucas que integra o Programa Nacional de Cultura – PIA, uma rede de coletivos e artistas que trabalham com intervenções e performances,  é imprescindível a criação de canal de diálogo e mobilização política entre os artistas, como é a intenção do Festmar esse ano.     

O evento é apoiado financeiramente pelo Fundo Estadual da Cultura – FEC e conta com algumas parcerias locais, como  Casa da Cultura e uma empresa de contabilidade.                 

MAIS UMA DA “ÓIA”



(Jornalista da Veja pede desculpas por ter publicado imagem falsa de Lula)

Depois de ficha falsa, dossiê falso, telefonemas falsos, ainda tinha uma foto... obviamente falsa. Essa é a nossa imprensa... falsa.
 Da Veja
Ricardo Setti
Amigas e amigos do blog, não tenho compromisso com o erro, e nem medo de pedir desculpas. Então, queria dizer que a suposta foto que até há alguns minutos ilustrava o post sobre o “Caso Rose” que publiquei hoje, mostrando Lula supostamente abraçado a Rosemary Noronha, de um lado, e a dona Marisa Letícia, de outro, é na verdade uma montagem. Foi feita a partir de foto do Carnaval de 2009, no Sambódromo. Na foto, realmente Lula abraça dona Marisa e outra mulher, na verdade a esposa do cantor Neguinho da Beija-Flor, Eliane Reis. Neguinho aparece na foto original, abraçado a Lula e a dona Marisa, mas foi eliminado na montagem.

(Em aditamento à postagem do Zé do Vale).

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

 

 

 

 

POEMA DE OSCAR NIEMEYER:

"Não é o ângulo reto que me atrai.
Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem.
O que me atrai é a linha curva livre e sensual.
A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso de seus rios,
nas ondas das mornas nuvens do céu, na curva da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo.
O universo curvo de Einstein."

Sobre Raposas e Toupeiras - José do Vale Pinheiro Feitosa


Quando setores da esquerda fizeram uma campanha “Fora FHC” no segundo mandato dele, havia ali uma dose de oportunismo e uma bandeira antidemocrática a qual setores da direita usam com relação ao atual governo e a Lula. A diferença é que corporações que antes criticavam o equívoco daquela campanha contra FHC, hoje sustentam e dão vida à má fé do outro lado. Falo especialmente da Revista Veja e do Sistema Globo de Comunicação.

A internet é o universo da diversidade, do debate e, também, das grandes farsas e manipulações. Com a riqueza que tem é vasta indo desde o humorismo até textos filosóficos e de profundidade intelectual. Quando, por exemplo, o Blog Kibeloco fez brincadeiras usando montagens de fotos e contando piadas era evidente o uso da manipulação da imagem com a finalidade da ironia.

No entanto casos como aquele da Daniela que viu as fotos de família divulgadas por uma molecagem machista não tem nada de engraçado, mas muito de patologia, má fé e crime. A ponte do assunto é justamente com a má fé e a irresponsabilidade da Revista Veja em sua ânsia de atacar seus desafetos políticos.

Um parêntese: os governadores do PSDB não aceitaram os acordos das elétricas que baixaria a conta de luz em até 20%. Os percentuais mais baixos na queda da conta é consequência do ato deles, o que diz o Globo em sua manchete principal? “Conta de Luz Cairá menos do que Dilma Prometeu.” E a manchete se repetiu nos jornais televisivos. Se isso não é manipulação de má fé com um fato real a realidade se tornou um pântano só.

Durante mais de um mês circulou nas caixas postais e foi postado em blogs e certas mensagens nas redes sociais uma suposta capa da Revista Forbes com a foto do Lula sendo colocado entre os bilionários brasileiros. A manipulação de má fé conta com a burrice de certos setores, que só viu falar na lista da Forbes no Jornal Nacional, mas é incapaz de checar um absurdo desse na própria internet. Resultado, isso deve levar muita toupeira repetir a notícia como verdade e, no entanto, se trata de uma manipulação pura e simples de uma capa real da Forbes com os bilionários do mundo.   

O caso da Veja. O colunista Ricardo Setti teve que desmentir uma postagem dele com uma foto em que apareceria Dona Marisa, Lula e Rosemary Noronha abraçados. Acontece que era uma montagem de uma foto do Lula, Dona Marisa, Neguinho da Beija Flor e a esposa dele ao lado do Lula. Isso é o jornalismo que faz a cabeça de muita gente no Brasil. E gente a qual não podemos nem lhes dar o perdão da ignorância. Parecem que andam pelas ruas a cata de pedras para jogar no Lula e no PT.

Mas o dia teve outras tristezas. Morreu aos 91 anos de vida o grande pianista e compositor de jazz. Para lembra-lo segue abaixo uma música que é um ícone em sua carreira:  

Dave Brubeck - Take Five

“CASTELÃO”: Monumento à insensatez – José Nilton Mariano Saraiva

Por 90 dias, prorrogáveis por igual período, o Governador do Ceará houve por bem decretar “estado de emergência” em 174 dos 184 municípios constitutivos do Estado, e por uma razão de todos conhecida: a estiagem (longo período sem chuvas), com todos os seus maléficos desdobramentos. Segundo os especialistas, esta é a “seca” mais inclemente dos últimos 50 anos.
Onde quer que ocorra, a decretação do “estado de emergência”, tal a seriedade embutida em sua operacionalização, há que obedecer a uma série de procedimentos, contidos em leis e manuais específicos; portanto, independente do “estado de espírito” de quem o chancela.
Por aqui, a fuga a tais procedimentos nos remeteu à insensatez: é que, em detrimento do clamor dos milhares de conterrâneos que imploram por ajuda (só um pouco de comida e água pra beber), dia a dia os jornais da capital estampam os números imorais e superlativos da grana gasta pelo Governo do Estado na reforma da “arena Castelão” (obra faraônica e desnecessária).
E tudo isso para que ??? Para que o nosso falido Estado seja o primeiro a apresentar à FIFA a “arena Castelão”, reformulada e pronta para abrigar seis (06) partidas de futebol (durante as copas da Confederação e do Mundial), às quais, devido ao salgado preço dos ingressos, apenas alguns “iluminados” serão testemunhas oculares. Sim, porque querer fazer crer que aqui desembarcarão milhares e milhares de turistas, que gastarão dólares e mais dólares durante os dois eventos, é pura enganação.
Deveriam espelhar-se na miserável África do Sul, em 2010: enquanto foram erigidas “arenas” deslumbrantes e portentosas, perambulavam nas suas cercanias glebas de um povo faminto e desesperado, sequer convidado para a festa. E a África do Sul, depois daí, não recebeu a enxurrada de turistas prevista, nem apresentou nenhum crescimento, a não ser na sua dívida externa (hoje, a dificuldade é manter as tais “arenas”).
Para que servirá a “arena Castelão”, no pós-Copa ??? Para abrigar duas vezes ao ano o clássico Ceará X Fortaleza ??? Como justificar a montanha de dinheiro lá gasta, em detrimento do “amenizar a fome e a sede” de milhares de conterrâneos ??? Sem medo de errar: na posteridade, tende a “arena Castelão” ficar conhecida como um “monumento à insensatez”. 

O PADRE HENRIQUE E O DRAGÃO DA MALDADE - PATATIVA


Sou um poeta do Mato
Vivo afastado dos meios
Minha rude lira canta
Casos bonitos e feios
Eu canto meus sentimentos
e os sentimentos alheios.

Sou caboclo nordestino,
tenho mão calosa e grossa,
a minha vida tem sido
da choupana para a roça,
Sou amigo da família
da mais humilde palhoça.

Canto da mata frondosa
a sua imensa beleza,
onde vemos os sinais
do pincel da natureza,
e quando é preciso eu canto
a mágoa, a dor e a tristeza.

Canto a noite de São João
com toda sua alegria,
sua latada de folha
repleta de fantasia
e canto o pobre que chora
pelo pão de cada dia.

  Apenas a primeira página. O folheto tem mais 15 do mesmo nível.


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Santíssima Trindade - José do Vale Pinheiro Feitosa


- O homem porque o homem é muito feroz. O homem é feroz. O homem é mais feroz do que os outros animais. O homem é capaz de tudo. O homem destrói outro ser humano. O homem não tem medo de nada não. Só a Deus.

- Mas você acha que ele teme a Deus?

- Rapaz tem uns que temem. Pelo menos eu temo.

- Mas não tem uns cabras que fazem uns negócios tão errados que parecem que não temem nada?

- A maioria não é Mudinho?

- A maioria é contra Deus, mas Deus não é assim não. Tem que temer a Deus.

- Mas me convença disso! Dê um argumento forte!

- É porque Deus tem poder e nós não temos poder. Deus é quem dá o poder a nós. Nós tem coragem. Nós somos corajosos. Mas não temos poder.

- E o que é o poder?

- O poder sabe o que é que é: a gente carrega dentro de si. Porque a gente tem aquele poder em Deus. Tem aquela certeza que Deus comanda nós.

- Então você quer dizer que o poder é a certeza?

- É a certeza.
(conversa com Raimundo Castro dos Santos – Mudinho – pescador de Paracuru)

Sobre a grande dificuldade de Agostinho decifrar o mistério da Santíssima Trindade. São três Deuses distintos e Um só verdadeiro. Mistério metafísico, da identificação da essência, ou seja, do indivisível ser. O limite do conceito de Pai, Filho e Espírito Santo. A essência de três seres numa impossível ponte com a unidade da substância divina.

Na verdade Tomás de Aquino havia posto a trindade numa relação: envolvendo numa única relação o amor (espírito santo), o filho e por necessidade o pai. Tomando a questão nesse ponto do tomismo, esquecendo o dogmatismo da igreja que pretende “roubar” o poder de Deus para exercê-lo em nome dele, vamos abandonar o mistério insolúvel (ou dogmatismo do mistério que alimenta os doutores bibliófilos da igreja).

Aí um pescador de Paracuru, leitor do livro das marés enchentes e vazantes, a despescar currais de peixe, plantar legumes nas vazantes, amar as mulheres e fazer filhos, devolve a Deus o poder que apenas a ele cabe. Perceberam a lógica simples? Se todos os homens são ferozes, destroem uns aos outros, é impossível entre eles uma solução de poder que faça a intermediação de todas as ferocidades destrutivas. A construção é impossível nesses termos. Nestes termos só resta a relação entre escravagistas e escravos, sem brechas na atenção, a qualquer momento o escravo apunhala o senhor.

E a solução de poder possível é aquela da igualdade, que também é irmandade e por isso mesmo de filhos semelhantes junto ao pai. A linha que revela a absoluta igualdade entre todos é o amor (espírito santo) que representa a terceira pessoa da solução de poder possível. É pelo espírito do amor que nenhum filho pode ter herança maior que os outros, a partilha do pai é a própria natureza da igualdade.

Por isso quando as igrejas são questionadas, não o espírito do amor e da igualdade, tome-se o pensamento milenar de Mudinho como igual a Tomás de Aquino ou à solução implícita do messias dos Judeus, sem que eles se dessem conta da contradição que a boa nova era a igualdade e não o povo escolhido. Do mesmo modo são questionadas todas as soluções de poder que não façam efetivamente a mediação da ferocidade humana.

Acumular riquezas, hierarquizar o poder, o individualismo predatório, em nome de si mesmo é a dinâmica da ferocidade e da destruição do ser humano pelo ser humano. Por isso mesmo desde Spartacus que as classes populares exploradas retornam com coragem que atesta óbitos.  

E para completar ouviremos na voz de Amelinha, Águas de Outro Mar com imagens da terra de Mundinho.



PATATIVA, D. HÉLDER E O CASO DO PADRE HENRIQUE – por Joaquim Pinheiro
Em 1969, O Pe. Henrique Pereira, 29 anos, foi sequestrado, depois de barbaramente torturado, amarrado em uma Rural Willis e arrastado pelo asfalto até a morte. Seu corpo, totalmente desfigurado, foi abandonado na cidade universitária da UFPE, no bairro da Várzea, em Recife. Os criminosos, ligados aos órgãos de segurança da ditadura, tinham dupla intenção: amedrontar D. Hélder Câmara, a quem o Padre era diretamente ligado, e inibir ação política dos Estudantes, uma vez que a vítima coordenava a pastoral da juventude.
D. Hélder Câmara denunciou o terrorismo nas Igrejas, deu entrevistas, mas a notícia não repercutiu como ele gostaria. A censura não permitia que os órgãos de imprensa divulgasse a monstruosidade.
O Arcebispo de Olinda e Recife percebendo que a literatura de cordel ainda não fora alvo dos censores, mandou contatar diversos repentistas para contar a terrível história em versos e dar conhecimento à população. Ocorre que poetas de Pernambuco, Paraíba e Alagoas consultados recusaram o desafio com medo da repreensão do governo. D. Hélder, então, pediu a duas freiras que se deslocassem até o Crato, procurassem Patativa do Assaré, contassem os fatos e encomendassem o cordel. O desfecho foi uma prova da genialidade e grandeza de Patativa:
 - Não aceitou pagamento;
- Não concordou com a sugestão de usar pseudônimo;
- produziu a poesia na hora, atendendo o desejo de urgência de D. Hélder, permitindo o retorno das freiras no mesmo dia.
 


por socorro moreira



Nos sonhos
o relógio não marca
Esse lugar
Tem caminho ?
É no mesmo plano?
Jogo de sinuca?
Física quântica ?

O canto dele
não é musical
É geometria analítica
ou espacial?

Ah...
De repente ,
Se o lugar existe
muitos passarinhos
Já pousaram lá

Complexidade nas perguntas
Respostas evasivas...

E o coração faz a conta !
E a alma faz de conta
Que encontrou alguém por lá
"Nesse mesmo lugar."

por socorro moreira



Ele nunca esteve...
Mas a porta,
Na molhada espera,
Continua Beta.
.
Estio de esperanças
Chega novo Junho
E a fogueira cresce
.
Se nas entrelinhas
Descubro-me tanto
Fecho esse parêntese...
Abro meus colchetes
E me entrego em pontos.

SECULT não paga artistas no Ceará


PANCADARIA NO PT E NO LULA - José do Vale Pinheiro Feitosa


Não sei em que medida os leitores do Blog interessaram-se pelo caso do Wikileaks vis-à-vis o vazamento das informações dadas pelo recruta do exército Norte-Americano Bradley Manning. O coordenador Assange do Wikileaks encontra-se exilado na embaixada do Equador perseguido pela Justiça Inglesa (numa ligação com um mandato da Justiça Sueca a serviço dos EUA) e o recruta Manning sofre tortura numa prisão militar. Manning pode pegar prisão perpétua e existem promotores que querem a pena de morte.

Por que chamo a atenção dos leitores para o assunto? O assunto é o mais expresso manifesto da discussão sobre imprensa livre e liberdade de comunicação. Como é moda nos MBA da vida é um verdadeiro “case” sobre a célebre contradição no cerne do assunto de uma liberdade a serviço de grandes corporações de mercado, normalmente de tendência monopolista, que se move por interesses econômicos os mais variados e que faz um jogo simultâneo de vassalagem e acusação aos poderes públicos e aos mandos privados.

Quando, por exemplo, o ruge-ruge do filho de Fernando Henrique Cardoso com uma jornalista da Globo, por isso mesmo enviada para a Espanha, borbulhou no azedume moralista do país, o mal estar de um lado e o dedo acusatório do outro, não era a liberdade de imprensa que estava em questão apenas. Ali era a expressão da contradição das empresas de comunicação com a liberdade de informação: a mesma omissão da época é protagonismo de mídia na Rosemary do Lula por agora.

Essa questão se encontra no debate Inglês, em torno de um jornalismo “bandido” que invadiu a vida privada de pessoas para gerar sensacionalismo e forjar vendas comerciais. Isso resultou num relatório em que a questão da regulação (ou auto regulação) se mostra como necessária à defesa das pessoas e instituições ameaçadas por empresas a serviço de lucros. Mas é claro que a questão não é apenas essa: pois ainda assim persistiriam as declarações seletivas, as omissões propositais, as manipulações de partes da mensagem e assim por diante. Além de que a contradição entre empresas prisioneiras do lucro, do enriquecimento de sócios e donos, e a liberdade de informação sempre existirá. Sempre que os lucros forem ameaçados, a informação se torna uma ficção a favor de interesses privados e não mais públicos como é a natureza da informação nos termos em que tratamos aqui.

Na Argentina o caso do Grupo Clarin, virado potência durante a ditadura Militar, do mesmo modo que a Globo, é um exemplo claro da questão liberdade pública e interesse privado. A possibilidade é real, nos casos citados anteriormente, de governos ou grupos partidários, ou grupos lobistas ou que mais formas existam de organização, inclusive criminosas como Carlinhos Cachoeira, que venham usar a contradição entre liberdade de informação e grupo empresarial. Mas isso é parte da contradição entre lucro privado e liberdade pública e isso é uma das grandes questões das democracias burguesas.

Uma coisa é líquida e certa: o monopólio empresarial e a acumulação de renda é um grande problema para a democracia e para as liberdades sociais. É necessária uma luta política permanente para dissolver monopólios, oligopólios e acúmulos de riquezas até como forma de superarmos as contradições do momento histórico que inclui a grande e luminar crise atual do capitalismo.    

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


III ENCONTRO DOS FILHOS E AMIGOS DO CARIRI
O evento se realizará em Fortaleza (CE).
LOCAL: Náutico Atlético Cearense
DIA : 08 de dezembro de 2012
HORA: a partir das 21:0 hs
BANDA BRASA SEIS
INGRESSOS : R$ 20,00 (vinte reais)
(ingressos antecipados na Secretaria do Clube)

Dia de feira...


Marcelo Gleiser






O físico Marcelo Gleiser, autor de obras que aproximam conceitos da física do público leigo como "A Dança do Universo" e "O Fim da Terra e do Céu", subverte neste seu mais recente livro mais de 25 séculos de pensamento científico ao desmontar um dos maiores mitos da ciência e da filosofia ocidentais: o de que a Natureza é regida pela perfeição.
Gleiser discorre em "Criação Imperfeita" sobre a importância da imperfeição no universo no desenvolvimento da matéria e do próprio ser humano. Com isso, contesta também o discurso dos ateístas radicais, como Richard Dawkins, mostrando que a ciência não prova a inexistência de Deus. O livro tem lançamento simultâneo no Brasil e Estados Unidos, e seus direitos de publicação foram vendidos para oito países.
Por milênios, xamãs e filósofos, ateus e religiosos, artistas e cientistas tentam dar sentido à nossa existência sugerindo que tudo está conectado e que uma misteriosa Unidade nos liga ao resto do universo. As pessoas vão a templos, igrejas, mosteiros e sinagogas para rezar para as diversas encarnações divinas dessa Unidade.
De forma surpreendentemente similar, cientistas afirmam que por trás da aparente complexidade da natureza existe uma realidade subjacente mais simples. Gigantes da ciência, como Galileu, Kepler, Newton, Planck e Einstein, nos ensinaram a explicar o universo em termos de simetria, harmonia e ordem.
Em sua versão moderna, essa "Teoria de Tudo" uniria as leis físicas que regem corpos muito grandes (A Teoria da Relatividade de Einstein) àquelas que controlam os pequenos corpos (mecânica quântica) em apenas uma estrutura. Mas apesar dos corajosos esforços de muitas mentes poderosas, a Teoria de Tudo permanece evasiva. É um glorioso caos criativo.
Gleiser argumenta, no entanto, que a busca por uma teoria unificadora das forças da natureza -que obcecou grandes cientistas como Einstein-- está fundamentalmente desorientada. Todas as evidências apontam para um cenário no qual tudo emerge de imperfeições fundamentais, assimetrias primordiais na matéria e no tempo, acidentes cataclísmicos no início da vida na Terra e de erros na duplicação do código genético.
"Criação Imperfeita" propõe nada menos do que um novo "humanocentrismo", capaz de refletir nossa posição na ordem do universo. Um novo tipo de espiritualidade, que nada tem a ver com religião, centrada não no além, mas na vida. propõe nada menos do que um novo "humanocentrismo", capaz de refletir nossa posição na ordem do universo. Um novo tipo de espiritualidade, que nada tem a ver com religião, centrada não no além, mas na vida.
Para Roald Hoffman, ganhador do prêmio Nobel de química, "Marcelo Gleiser é nosso guia lúcido para onde a beleza é encontrada em um universo imperfeito, assimétrico e acidental." 
Colunista da Folha de S.Paulo, Gleiser também é autor de "A Dança do Universo" e "O Fim da Terra e do Céu", ambos vencedores do prêmio Jabuti.


domingo, 2 de dezembro de 2012

A Serpente da Feira - José do Vale Pinheiro Feitosa


Este eixo vertical sobre pernas andarilhas te levarão por veredas, ladeiras e garranchos de antigo matagal viçoso e promitente. No labirinto de calçamentos tuas bancas armadas, as roupas dependuradas e os sacos de farinha, arroz, milho e feijão assentados um ao lado do outro. As estrelas mandam na abóbada mais celeste do que aquele azul banal dos dias. As noites são mais celestiais. Mais celestiais quanto menos reveladoras, mais subentendidas e ocultas como os mistérios da nossa ignorância. Quem sabe jamais conhecida e por isso mesmo misteriosa.

Duas coisas se expandem nos cânions da colmeia humana: os cheiros e o vozerio. Os odores são variados e um quase soterramento dos milhares de cheiro já impregnados na urbanidade. Os extratos oleosos, sobre a pele ou nos cabelos se expressam de passagem, no caminhar entre outros. Ali um pálido perfume de leguminosas, diria que quase parente do gorgulho: da saca de arroz, a farinha da serra, o feijão de corda com as lembranças das palhas fragmentadas nas pauladas de sua debulha.  

Mas o odor que domina a cidade é aquele de cebola e alho e parece serpentear como uma sianinha amarela através das esquinas em todas as ruas da cidade. É bem que a feira da corda tem aquele ranço de matéria palhenta, a agave seca com memória do seu viço de verde na origem. Na feira da rapadura os odores de engenho sedimentaram-se, se tornaram alicerce, muito mais duro e invariante do que a exuberância da azáfama da engenhosidade de canas, moendas, bagaços, caldeiras, garapas azedas, destilação de alambique, fornos, tiborna, mel e alfenim.

Frutas verdes têm cheiro de cica. Maduras de nuvens de mosquito. Podres de lavagem de porco. Balaios despejando fragrâncias de coentro e um si bemol de cebolinha. Estas verduras são tão excelsas que anulam as bancadas de cenoura, beterrabas, batatas e jerimum. Se na safra, a ousadia das copas sombreadas se projetarão na feira com o domínio das mangas que não apenas se repete no verbo homônimo posto que desnecessário. Os cheiros envolvem todo o prédio do mercado. Todos os produtos foram mangados pelos frutos das mangueiras.

E que não dirá meu corpo pedinte, tendencioso, vulnerável, tonto de tantas mensagens ofertantes, entre microfones a decibéis, a ladainha do consumo e esta passagem desvairada de corpos em sentido contrário como a rogar alguns decímetros de ocupação. Perdido em mim e na multidão eis que jorra a sedução feminina. Com seu corpo de espargir dor de amor, grilhões de arrastar pensamentos e fixar o monobloco da unidade inseparável do imantado. Torno-me a cauda daquele cometa no labirinto da feira.

Ei Rosa dos Ventos. Não existe um GPS a traçar destino. Caudal daquele corpo feminino destino algum me comove, para frente, para trás, à esquerda ou à direita. Mesmo que seja um círculo. Apenas me resta o arrasto de uma cabeleira que é ao mesmo tempo lucidez e loucura, um pescoço como um abismo do meu iminente despencar, ombros que me transformam num polvo cheio de ventosas para não apenas agarrar aquela pele que é a síntese do mundo. Ventosas para sugar o indecifrável deste desejo.

Abomino todas as portas. Se fosse São Jorge lancetava são Pedro apenas pela função de porteiro. As portas perversas, pervertidas, a manha do antimundo. A traição da abertura e da liberdade que até então era plena. Inconsciente, mas suprema. E porta fecha aquele objeto inseparável de toda a minha loucura. Aquele momento após o qual, uma vez atendido todo caudal da minha elucubração, o mundo seria pleno e a feira se pulverizava num monturo de sentidos. Uma vez não realizado o sentimento os sentidos se tornam cinco isolamentos. Desconectados, incompreendidos e insensíveis.

Esvaziado. Não cansado. Mas desprovido. A feira morreu. É um silêncio de pilha fraca. O indistinto do cristalino opaco. O inodoro do final de feira. E, no entanto, meu eixo vertical há de mover as pernas por quilômetros mato adentro. Salvam-me as papilas gustativas: um tijolo viscoso ao dente, de leite e açúcar, de esticada narrativa do sabor, tomando gengivas, as língua, o céu da boca, a garganta e mesmo quando desce pelo esôfago parece manter o paladar do ato de fabricá-lo.

São Joaquim Patrício salvou-me os próximos quilômetros do meu recolhimento noturno.