por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 4 de abril de 2014

Anais



J. Flávio Vieira
                                          
     Se havia um crime, em Matozinho, imprescritível e com pena de morte sumária era o tal do adultério. A galha, definitivamente, não se mostrava um adereço dos mais palatáveis naquelas brenhas. É que corno, amigos, por ali, sempre foi cargo vitalício. Impossível se livrar daquelas antenas depois de afixadas no meio da testa. Nem na morte ! Geralmente aquela situação acrescia-se à causa mortis:
                                               --- Morreu do coração ! Pobre do Astrogildo! Dizem que depois daquele molho de chifres, ele amofinou, afinou o pescoço e, ontem, parece que a raiz dos bichos  cutucou as coronárias e ele .... pum !
                                               A mitologia matozense arrolava um sem número de casos de tragédias consumadas por conta dos saltos de cerca.Capações, homicídios, surras homéricas.  Cidade pequena , os segredos tinham muros baixos. Peripécias amorosas desvendavam-se,  facilmente, ao olhar perscrutador de uma infinidade de fofoqueiras . A fofoca, aliás, sempre se mostrou um dos esportes mais tradicionais de Matozinho.
                                               Por incrível que possa parecer, Serrinha do Nicodemos ficava a pouco mais de vinte quilômetros dali. Pois lá, existia uma tolerância fora do comum para os casos de corneamentos.  Havia  um modernismo de costumes incompreensível  para um cafundó do Judas daqueles.  Diziam os matozenses que em Serrinha, como todos eram cornos atuais ou em potencial, ninguém podia falar de ninguém. As cidades circunvizinhas, por outro lado, malhavam o pau :
                                               --- “ Em Serrinha, só não reside entre dois cornos, é quem mora de esquina!”
                                               ---“Se der uma chuva de argolas em Serrinha, meus amigos, não cai nenhuma no chão!”
                                               Havia uma antologia de histórias envolvendo  os cornos mansos de Serrinha. Difícil sempre saber até onde terminava a realidade e onde começava a ficção.  O certo é que os serrinhenses não se exasperavam  com esses comentários. Aceitavam de bom grado as conversas e aprenderam, eles mesmos, a rir delas. Até ajudavam a propalá-las . Claro que , em casa, os forasteiros tinham que manter uma certa conduta. Nada de querer espinafrar demais o pacífico povo de Serrinha. O cão era quieto , mas nada de cutucá-lo com vara curta.  Pois aqui vão três dessas histórias que ouvi  lá mesmo em Serrinha, contada por Pedro “Chifre de Ouro”, um magarefe local. Só conto porque mantenho distância regulamentar.
                                               Serrinha era detentora de um tipo específico de corno: o Corno Azul. Segundo Pedro, a gênesis deste espécie deve-se a   Generino Penalba. Ele trabalhava na SUCAM e precisava viajar frequentemente pela zona rural. Graciosa, a esposa, ficava em casa de melé solto. Há mais de cinco anos,  mantinha um romance firme  com Sitônio, o vigia da rua.  Generino, um dia , soube das marmotas da esposa. Resolveu, então, voltar antes do fim de semana. Entrou em casa pé ante pé e escondeu-se embaixo da cama. Não tardou muito a mulher  sair da cozinha e abrir a porta para o namorado. Deitaram-se na cama e começaram o rala-e-rola.  Generino, embaixo, sentiu-se incomodado, agoniado com aquele funga-funga . Pensou em tomar alguma providência, mas manteve-se firme no posto. Terminado o movimento, Sitônio acendeu um cigarro e conversou com a amante, com ar relaxado de quem já degustara o fruto proibido:
                                               --- Meu bem ! Você gostou ? Eu estava pensando aqui comigo. Seu marido é um sujeito muito legal, muito compreensivo. Eu estou até pensando em dar um presente para ele. Vou comprar uma camisa. Você entrega como fosse uma lembrança sua. Qual será a cor de camisa que ele gosta, hein ?
                                               Antes que Graciosa adiantasse a preferência do marido, ouviu-se uma voz roufenha, vindo debaixo da cama, como se fosse alma penada:
                                               --- Azullllll  !
                                               Zé Pom-pom trabalhava como jardineiro na casa do prefeito de Serrinha.  Passava o dia na cidade e retornava à tardezinha para um sítio,  próximo à vila, onde morava. Um dia  alguém lhe  sussurrou: estava sendo traído. Quando saía  de casa  , um sujeito entrava e ficava namorando com a esposa até o finzinho da tarde. Pom-Pom ficou bravo, zuadou, ameaçou peixeira. Eles vão ver ! De manhãzinha, saiu para o trabalho e se escondeu, atrás de uma mangueira.  Era outubro, um calor de derreter tacho de fornalha. Lá para o meio dia, Zé viu o negrão entrando de casa adentro e fechando a porta. Acercou-se  para se certificar do fragrante. Ouviu uns uis e uns ais abafados e não teve dúvida. Correu, subiu no poste de energia elétrica  da casa e cortou os fios . Sorridente, olhou para uma pequena platéia que esperava , ansiosamente, o sangue escorrendo pelo chão e cantou a vingança:
                                               --- Taí, bando de filho de uma égua ! Trepem agora ! Quero ver é os pentelhos se incendiar ! Como esse calor vocês vão é morrer tudo tostado !
                                               Desde aquele dia, perdeu o Pom-Pom e  passou a ser conhecido como Zé do Poste.
                                               A última de Serrinha aconteceu na semana passada. Josa é um trabalhador rural , morador de um coronel  da região.  Saiu com uma lata nas costas para pegar água numa cacimba  mais ou menos distante. Precisava abastecer os potes de casa e as latas da cozinha. Na volta, já próximo de casa, ouviu um reboliço no mato e uns gemidos. Aproximou-se, com a lata cheia  no ombro , afastou um pouco o mato e tomou um susto. No chão estava sua mulher pelada, no maior escandelo com um vizinho, também nas mesmas condições .  Deu um supapo  danado e ameaçou:
                                               --- Bando de sem vergonhas ! Ói a putaria ! Eu só não jogo essa lata d´água no lombo de vocês,  porque tão com esses corpos quentes e é capaz de vocês estoporarem ! Joviu ?
                                               Esta foi uma das vinganças mais terríveis já acontecidas nos anais de Serrinha dos Nicodemos !

Crato, 03/04/14
                                              

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