COM ELA
Por que dói a tua falta? As horas solitárias badaladas por
tua ausência. Por que dói o vazio sem teu conteúdo? Tua fala, teu rosto e este
corpo que desejo igual fosse o desejo de copular todo o universo.
Toquei tua cintura e o tato eletrizou-se como uma linha de
alta tensão. Beijei teus lábios, qual sejam todos os lábios, com gosto a sugar
a fonte de teus suspiros explodidos. Senti teu odor como os insetos se atraem e
os cães madrugam em busca da fragrância do cio. Ouvi os ecos de tua voz como sinos
a reverberar e ouvi tua voz com a suavidade de seda e algodão. Olhei teu rosto,
desci pelo pescoço, explorei teus ombros, teus peitos, o umbigo nas vizinhanças
do acontecer e tuas pernas e coxas próximas ao sítio no qual me fiz acontecido.
Mas dói a tua ausência como o negativo de um fotograma tão
pleno de ti. E dói, sobretudo por que a soma dos cinco sentidos é a ligação de
um ao outro e estes ficam maiores do que fossem isolados. Minhas imagens estão
embaçadas; o canto do passarinho isola-se em minha surdez; me paladar está sem
fel, sem mel, um desgosto profundo; as mãos tocam o vazio enquanto minhas
narinas buscam o aroma perdido.
Nas notas de um samba canção, no bolero e o violão, na
canção do rádio propaga-se a música dos amores perdidos, das ausências em dor. São
mais frequentes do que os cantos do encontro. E toco a me perguntar, qual a
razão de tal preferência?
É por que quando estás comigo nenhuma palavra consegue
revelar o momento, e tudo que tenho por dizer apenas ao teu rosto consigo
revelar. Por isso nada mais tenho a dizer aos outros, ela está aqui.
Um comentário:
Um texto de intensa beleza e emoção, tal qual a dor das ausências, dos amores encontrados, e por um fio, perdidos.
A poesia visita o solitário do nosso coração.
-Ele é quase sempre solitário...
Como não se identificar com todos os pedaços feridos, inebriados, ou doidos de paixão?
Como ficar indiferente à magia que transfigura o coração da gente?
A tradução do poeta é um texto comum a muitas vidas... Mas a tradução é única, e personalíssima.
Pensei que já tivesse lido todos os poemas escritos nos pedaços de céu das minhas janelas, decorados por luas em quarto - crescente ou minguante... Mas não!
Esse poema me surpreende. Igual a todas as canções guardadas na agulha da vitrola que já completou 60 anos.
"ELA" é justamente uma saudade comum, que se torna universal depois de projetada, no pedaço de azul de cada leitor.
Lindo, mil vezes lindo meu caro escritor!
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