por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 5 de março de 2012

A postura fidagal que deslembra o amor - José do Vale Pinheiro Feitosa




Nem tímido e nem atrevido. Não era de multidões, fazia diferença em pequenos grupos. Durante a segunda guerra mundial acompanhara a fantástica evolução da medicina em todos os sentidos. Estudando com um professor cuja formação era européia sendo discípulo do famoso médico alemão Sauerbruch, saíra da faculdade atualizadíssimo com a revolução tecnologia trazida pelas urgências da guerra.

Por isso quando chegou àquela cidade retirada no Brasil Central em menos de um ano já tinha a maior clínica da cidade. Trabalhando sem parar até as onze horas da noite, sem hora certa para dormir e acordar, se tornou uma referência em contenção social. Pelo prestígio social, econômico e técnico, jovem e recém-chegado não podia se expor a namoricos até por que não tinha tempo e havia um certo compromisso com uma conterrânea de logo se casarem.

Mas como diz a canção: o coração tem razões que a própria razão desconhece. Um dia o pai da moça mais bonita e desejada da cidade chega ao consultório e pede para assistir à filha que estava acamada com uma brutal crise de asma. Estava no princípio da tecnologia e ele indica que sejam feitas vacinas subcutâneas com o próprio material dela na tentativa de dessensibilizar a sua reação asmática.

Resultado ela passou a tomar, no consultório dele, uma dose da vacina, duas vezes por semana. Logo a maledicência da cidade tramou um namoro: a moça mais bonita com o médico solteiro. Mas ele efetivamente não aceitou o zum zum e tocou a vida. A moça praticamente deixou de ter crise de asma e ambos desenvolveram uma grande amizade.

Ora, acontece que amizade e amor têm a mesma raiz. Para ele a sua posição isenta e profissional estava solucionada, mas o perfume do amor exala sem que o olfato o busque. A cidade era cheia de quartéis e um oficial apaixonou-se pela moça, só que ela tinha horror a ele. E a toda investida para ir a um baile ou assistir a um cinema, ela vinha com a desculpa que já tinha compromisso com o doutor.

E mesmo o doutor não a buscando, a desculpa o fisgava. E olha que ela jogava vôlei muito bem e era uma deusa morena, elegante e sedutora nos movimentos para lançar a bola. A desculpa do doutor era de que não tinha tempo para assistir a jogo de vôlei, e esta desculpa repetida setenta anos após, era a prova de que vê-la jogando era o encanto do qual fugia.

E ia aos bailes para protegê-la da sedução do oficial militar. E dançava como se cumprisse a obrigação social com a cidade, sem saber que dançava subjugado pela beleza que se abrigava no ritmo dos braços dele. Este platonismo desvairado que atormentou tantas histórias de amores não realizados, tem uma intensidade semelhante ao magma em busca de uma cratera de vulcão.

E o doutor passou a acompanhá-la. E uma vez no cinema, ambos estavam num camarote, ele diz que era apenas amizade, mas lembra dos detalhes como se fosse possível alguém lembrar fortuitamente de uma fração de tempo quando uma maré faz determinado movimento e aquilo congelasse em sua memória. E as marés são tão buliçosas iguais aos corações em encontro.

Cinema é movimento. A cinética da energia entre a tela e os dois aparentemente sentados acontecia embora estivessem em posição estática. Qual cena se desenrolava com maior rapidez na tela ou no camarote isso nunca se saberá. Apenas que eram extremamente dinâmicas. E foi por isso mesmo que o desfecho lá se acompanhou de desfecho cá.

O doutor quis chamar a atenção dela para uma cena. E no afã de expressar-se põe a mão sobre os joelhos dela. Ele nunca compreendeu o que o levou a tal mímica do que se passava em suas emoções. Para ele fora apenas um gesto para chamar a atenção dela para a cena na tela. Mesmo setenta passados, não compreendera que o gesto expressava outra coisa. Ela parou perplexa. Vermelhinha como uma brasa solar. E aquele fogo se tornou uma narrativa de uma amizade de uma interpretação que termina nesta palavra.

Nenhum comentário: