por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Oficialmente Velho Leonardo Boff


Neste mês de dezembro completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, metorno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas éuma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nosdebilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamentede todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe,impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente àslágrimas, Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapado crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir aexistência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar onosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos. A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior"(2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de sere de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical.Esta identidade devemos encará-la face a face.Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis.Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo,filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator dealgumas revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano,submetido ao "silêncio obsequioso" e outros papéis mais. Mas há ummomento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quemsou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios me atormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida emque tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se paradentro do Inefável.Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta deque precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgarnovos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentarfazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhosque nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com osfracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como aetapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não éestruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através damorte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aísaberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento:"contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para aeternidade".Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiroé escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua epoetisa:"eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver". isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus.Parafraseando Camões, completo: mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida.

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