APOCALIPSE DE DRUMMOND E MEU PAI
Meu pai morreu no mesmo ano
que o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Era fevereiro e o mar rugia nos meus olhos,
mas ele morreu longe do mar.
(Drummond morreu olhando o mar? Umas
duas ou três gaivotas e o vai-e-vem das ondas).
As folhas caíam (não era outono) molhadas
do orvalho da noite, ao vento e ao sol.
Meu pai montava a cavalo e gritava
como um deus para a vida.
Drummond
lembrava o pai a cavalo como se pedisse perdão
do silêncio.
O meu pai e o poeta Drummond morreram
porque era hora.
Tinha uma pedra no meio do caminho.
Sinto uma súbita alegria
ao me lembrar de meu pai
ao lado de Drummond
na eternidade.
A minha boca está seca, qualquer palavra
se quebraria.
O dia,
como a morte,
é uma fatalidade.
As crianças gritam
e não acordam meu pai,
que gostava de crianças dormindo.
Venta
neste momento
e em 1987.
Imagino o poeta sorrindo,
mesmo na morte, imóvel.
O morto é uma estátua
fria
na praia,
em qualquer lugar.
(Não deveriam fazer estátuas para os mortos.)
O poeta Drummond teve uma morte pública,
ônibus passam, a fumaça passa, os jornais anunciam
o feito histórico (o poeta morto como uma estátua).
O meu pai pediu um último cigarro, olhou a vela bruxuleante
(haveria vento no quarto? O vento do eterno
não se move).
O meu pai disse adeus,
e partiu a cavalo
sem se levantar do leito.
A cidade pequena
e os parentes sorriram contemplando o seu morto
particular.
O poeta e meu pai
(anônimos)
sorriem na eternidade
satisfeitos
com a poesia do fim dos tempos.
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por José Carlos Brandão
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