por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 4 de outubro de 2011




Andei a pé pela cidade, como gosto de fazê-lo. Sol ardente de Outubro, cabeça refrigerada no tempo.
Santo Dumont, a rua da minha tia Ivone. Olhei para o interior da casa, onde ela morou tantos anos. Procurei na vizinhança, Dona Madalena, Seu Pedro Felício, Dona Zélia, Evangelina, Dona Nadir... Tudo virou comércio. E eu fiquei pensando como aquelas casas conjugadas, tão pequenas, abrigavam tanta gente.
Não existia o limite para hospedar parentes e amigos. O feijão sempre era suficiente. As redes eram armadas na cozinha, corredor, em cima das camas, mas tinham o cheirinho limpo das alfazemas ,jogadas nos baús dos guardados. Hora de almoço, jantar, merenda, era uma festa de doces nos tachos, e sequilhos nas latas.
Não lembro que faltasse à classe média a grana do básico. Os moradores da Batateira, que ajudavam nos serviços da casa, faziam sua feira com fartura nas quantidades: café em grãos, arroz, feijão de corda, farinha de mandioca, farinha de milho, goma, rapadura para substituir o açúcar, toucinho, corredor de boi para acompanhar o pirão.
Ganhávamos presentes seus, como cana, ovos caipiras, frutas diversas, feijão e milho verde. Se não tínhamos eletros-domésticos, eles também não. Os tecidos que iam parar nas mãos das modistas e alfaiates, faziam talvez uma pequena diferença. Entre a chita e a cambraia de linho, viviam as classes sociais: pobre e média!
O estudo era gratuito. As escolas públicas possuíam grandes mestras. Criei-me sem entender a preocupação de uma nota promissória, cheque especial, e dívidas no cartão de crédito. As pessoas tinham a paz dos não-endividados. Vestiam repetidamente o mesmo vestido, sabiam esperar com paciência, as quatro festas do ano para a renovação do guarda-roupa: Padroeira, Natal, S.João e o dia do aniversário. Ano Novo pegava carona no Natal, e representava um dia, quase como outro qualquer.
Eu sinto saudades dos quitutes que eram servidos nas festas de aniversários: galinha caipira desfiada, farofa dos miúdos, pastel de carne, canudinhos, sequilhos, sonhos, bolo de carimã, beijinhos de coco, salto de cortiça, refresco de maracujá... Balas, chicletes e chocolates, no quebra-panela. Guardo o cheiro e o colorido dos papéis de beijos. Saudades dos meus avós, pais, irmãos menores, primos, tios, e colegas de escola.
Tudo passa. O leiteiro, o carteiro, o lenhador, o menino dos pirulitos, a zoada da máquina Singer pregando as sianinhas.
Os banhos, quebrada a frieza, nas tardes do dia a dia. Meu caderno de caligrafia; Meu livro de leitura, meu mata-borrão... Onde estão? Virou lixo, virou chão?

Hoje voltei aos tempos das cadeiras na calçada, das ruas mal iluminadas, e adormeci no colo de Donana.

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