No feriadão de 02.11.81 fui conhecer Goiás Velho. Estava em missão em Brasília e me vali da folga para conhecer a antiga capital do estado de Goiás. No terceiro e último dia visitamos a poetisa e doceira Cora Coralina. A casa era um dos pontos turísticos e ela tinha o maior prazer em receber visitantes. Aproveitava para vender seus livros e doces. Fomos recebidos com muita cordialidade. Houve uma empatia muito grande entre a poetisa e minha esposa. Passaram longo tempo trocando ideias sobre receitas. Ela convidou Raquel para conhecer o local onde os doces eram fabricados. No caminho para a cozinha vi um quadro de bom tamanho com a foto de Lampião e seu bando pendurado na parede da antessala. Indaguei a D. Cora porque havia colocado o quadro lá. “O quadro é do Francisco, meu empregado há mais de 40 anos. É do Ceará e admirador do Cangaceiro”, e em tom bem humorado completou: “... desconfio que foi um deles...”. Perguntei de qual cidade era o empregado. A resposta foi curta: “É do Crato”.
Fui então conversar com “Seu” Francisco, na época com 87 anos. Quando soube que eu era do Crato, perguntou de imediato: “Me dê notícia do Coronel Quinco Pinheiro?” Surpresa enorme. Falou exatamente do meu avô paterno, falecido em 1936. Quando informei que era neto do Coronel e tinha o mesmo nome dele, “Seu” Francisco liberou a memória e relembrou muitas histórias envolvendo meu avô e os irmãos dele: Hermógenes, Cícero, Pedro e Artur, os mencionados por ele. Contou detalhes das viagens para as invernadas. Esclareceu que era o cozinheiro da tropa. Saía horas antes para preparar o almoço em pontos pré-determinados.
Não tinha levado máquina fotográfica e a digital não existia. O jeito era recorrer a fotógrafo profissional. O único que havia na cidade estava numa chácara distante 4 km. Apelei para um táxi e fui buscar o profissional, por sinal um nissei. De início, recusou a proposta, alegando que era feriado, estava com a família, o foto fechado e não iria preparar o equipamento, gastar um filme para tirar uma foto. Ante minha insistência, concordou fazer o trabalho, mas exigiu o preço Cr$ 12.000,00 (o equivalente a R$ 536,00 hoje, corrigido pelo INPC). Como não tinha alternativa, uma vez que viajaria para Brasília no ônibus das 22 h, paguei a quantia pedida.
Mandei a foto para meu pai, que andou seis meses com a fotografia no bolso mostrando e contando a história a todos os velhinhos que moraram nas propriedades da família. Duas pessoas se lembraram do personagem. O “Seu” Francisco, empregado de Cora Coralina, era na verdade Tomás, morador do Tio Cícero, mas também prestava serviços aos outros tios.
Quando ainda se chamava Tomás envolveu-se numa briga e o desafeto terminou morto. Evadiu-se do Crato em 1932.
(Dedicado à prima Glória Ordóñez, pela sugestão de escrevr o texto - Joaquim Pinheiro)
5 comentários:
Joaquim tem sempre muitas histórias pra contar. E história boa!
Vejam só esta de encontrar seu Tomás/Francisco na casa de Cora Coralina, com uma história fantástica de vida.
Mas sabe do que fiquei com inveja? De Joaquim ter conhecido Cora Coralina, ter conversado com ela. Ô gloria! Quando conheci Goiás Velha e fui à casa da poetisa, e doceira, ela não era mais viva. Sabem o que Carlos Drummond falou de Coralina? que ela "era a pessoa mais importante de Goiás, inclusive mais importante que o governador".
Ah, os poetas!
Stela,
Tenho um livro de Cora Coralina com dedicatória de próprio punho super carinhosa. A poetisa publicou o primeiro livro com quase 80 anos, depois que enviuvou. Abraços
Eita, Joaquim,que história maravilhosa!
Surpreendente!
O blog agradece!
Um abraço bem grande !
Caro Joaquim Pinheiro,
Parabens pelo seu texto. Li também esta semana um outro falando do seu encontro com o grande JK.
Abraço,
Marcos Barreto de Melo
Marcos,
Obrigado. Outro dia falei com seu irmão pensando que era vc. Queria lhe dar os parabéns pela música e pelos artigos. Abraços
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