por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 12 de junho de 2011

UMA LONGA VIAGEM - Marcos Barreto de Melo

Lembro-me do tempo em que eu era criança e via o meu pai fazer uma longa e demorada viagem para a fazenda Boqueirão, no município pernambucano de Bodocó. Tudo me parecia muito distante, um mundo desconhecido e quase inatingível. Os preparativos para a viagem começavam cerca de três dias antes da data marcada e seguiam um verdadeiro ritual. O meu pai não falava em viagem, mas era fácil para nós descobrirmos seus planos pelas cenas incomuns que ocorriam ao nosso redor.
Via o meu pai ir ao Crato para comprar numa serraria algumas peças de pau d’arco aparelhadas e entregá-las ao mestre Zé Nanor, que em menos de dois dias de labuta preparava uma bela cancela. Em seguida, uma primeira pintura em vermelho era aplicada.
À sombra de uma generosa e frondosa árvore que cobria o oitão da nossa casa, trabalhava o nosso compadre Neco Soares, exibindo toda a sua habilidade no trato de arreios de couro. Fazendo marras de chocalho, cordas de couro, cabeçadas, rédeas para animal, consertando selas ou arrumando cangalhas. Estava desfeito todo o segredo. O meu pai iria mesmo viajar nos próximos dias.
Na véspera da viagem, com o sol já para se esconder, via os serviçais da fazenda arrumar os “trens” na carroceria daquela saudosa picape Chevrolet. Sacas de milho e de feijão para semente, algumas bolas de arame farpado, carro de mão, pá, uma enxada bem encaibrada, um esticador de arame farpado, sacas de sal, veneno pra lagarta e remédio para curar bicheira na vacaria.
De madruga, eu acordava com a movimentação dos viajantes entre a sala e o alpendre. A minha mãe acordava muito cedo e ia para a cozinha preparar o café da manhã. Eu me levantava em meio àquela madrugada fria, agasalhado num velho e macio pijama de flanela, cuja estampa de “soldadinhos” ainda tenho bem guardada em minha lembrança. Não podia deixar meu pai viajar sem que me despedisse dele. E quando ele saia, eu pedia a sua benção. Somente depois de ver o carro virar a curva da estrada e se perder na escuridão, eu voltava a dormir no quentinho da minha rede. Mas antes, ainda rezava e pedia a papai do céu para acompanhá-lo em sua viagem. Pedia também para que ele não demorasse muito a voltar.
Depois de alguns longos dias, imagino hoje que não mais que uma semana, ele voltava sem nos avisar. Era aquela alegria quando víamos a picape coberta de poeira e de lama aproximar-se de nossa casa. Com ela vinha também um cheiro diferente de uma terra distante e desconhecida. Tinha um cheiro agradável, de mato que a gente não conhecia, de marmeleiro, de muçambê. E quando ele descia do carro, estávamos os filhos em fila ao seu redor novamente a lhe pedir a benção.
E na carroceria da camionete, logo descobríamos um carneirinho a berrar, cuja mãe morrera de parto. De agora em diante, ele seria criado por nós. Tínhamos agora mais uma tarefa. Mas, seria também um novo brinquedo, uma nova diversão. E no dia seguinte, com o meu pai já em casa, a vida voltava ao seu normal. Até que viesse mais uma nova e longa viagem.

Nenhum comentário: