por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Diário de uma viajante II

Foto: Maria Edith Diôgo

Superando o medo  do perigo e do frio em El Tatio
Saimos de São Pedro do Atacama/Chile, que fica a 2.400 metros acima do nível do mar,  as 4:30 da manhã, a 15 graus abaixo de zero, percorremos 90 km, sempre subindo, numa estradinha tortuosa e de cascalho, para chegar no  El Tátio localizada na concha geotérmica do mesmo nome,  em direção  ao perigo da aventura, da busca de emoções novas e um medo vinha e voltava. 
 Parecendo desenhos animados o deserto se apresentava das mais diversas formas, ora um mar de areia, quase infinita, hora terra seca misturada com rochas também de dimensões que fugiam a vista. Chegamos as 6 da manhã e assim que descemos do transporte o fenômeno surgiu do nada, aquela nuvem de fumaça a nossa frente, aquele barulhinho parecendo água fervendo na panela, parece que a natureza estava ensaiada para aquele momento. Eram os geyisers saindo para a superfície através de fissuras na crosta terrestre, alcançando a temperatura de 85°C e 10 metros de altura. Estes geiseres são formados quando os rios gelados subterrâneos entram em contacto com as rochas quentes.
A beleza da paisagem entorpecia nosso medo e nos dava uma coragem inacreditável  diante das possíveis adversidades dos  Geyisers – Coluna de vapor ascendente  brotando repentinamente da terra. Espetáculo extraído de filmes de bruxas e feiticeiras, cenário para um encontro de mágicos num imenso picadeiro de fumaça a céu aberto. Um grande espetáculo da natureza, onde as vicunas entram como figurantes acompanhadas de guanacos. Parecia que estávamos num mundo encantado, numa terra encantada onde o encanto mudava a cada brotar de fumaça do solo e ao deparar com lagunas de águas termais.
Perigo a todo momento: a água fervente que fica abaixo da terra a qualquer instante pode surgir numa temperatura de 85 graus, mas  valia arriscar em me afundar nesta água fervente. A fumaça não deve ser inalada pois está cheia de substâncias que podem causar danos as saúde. Mas não me contive em me adentrar na fumaça, como se a natureza estivesse me incensando, limpando minha existência, ainda bem que minha teimosia não trouxe danos para o meu corpo, já bastante forçado pelos caminhos do deserto neste misto de céu e inferno. Em alguns instantes me vinha as lembranças da infância, das aulas de catecismo no colégio Santa Cristina em Nazaré da Mata e na minha frente aparecia aquela paisagem como imagem viva do purgatório, num movimento ciclo entre estes três mundos que ha muito tempo atormentava minha existência. Ali deixei subir, em desconstrução, naquelas fumaças toda essa idéia.  Essas novas descobertas proporcionaram um sentimento de alívio: ali eu estava deixando todo o medo do pulgatório e do inferno e abandonava também o céu. Saí mais viva, mais inteira, livre de tantos conceitos cristãos que atormentam nossa vida. O paraíso somos todos nós....Gaivotas acompanhavam este meu pensamento, voando baixo, bem pertinho de mim, era a confirmação daquela inspiração e daquela verdade, Uma delas pousou quase encostando na minhas botas, para comer pequenos pedaços de pão lançados ao solo por algum turista.
O  frio aos poucos ia dominando cada parte do meu corpo, as mãos pareciam blocos de gelo, mas nada daquilo impedia que os limites do meu corpo me permitisse superar e seguir em frente, percorrer cada caminho daquela  peregrinação /espetáculo que a cada momento vinha com uma beleza diferente.
O sol chegou e com ele uma visão alucinante dos vulcões que nos cercavam, velhos fazedores de fumaça e de fogo que ao longe espiavam o que haviam provocado a sua frente ao longo do tempo.
Aos poucos o calor do sol foi nos acariciando, nunca ele chegou tão bem vindo, o corpo fazia festa, comemorava tudo que havia sentido, aos poucos as vidas de dentro e de fora se harmonizavam e uma sensação de prazer ia se espalhando misturada com um sentimento de conquista e de vitória. Os olhos pareciam telescópios e agora adquiriam um brilho visto só por mim, naquele espelho que se apresentava de forma azul lá naquele céu tão limpo.
No regresso alguns instantes de olhos fechados gravando na minha memória aquele momento único da minha existência. Já dentro do ônibus, um sono leve e tranqüilo se apossava de mim até que o guia nos convida a observar a diversidade dos ecossistemas do atacama. Estávamos aos pés da cordilheira dos Andes, e o vulcão Licancabur, onde a gente passava, estava a nos espiar.
Eu: cidadã do mundo

3 comentários:

socorro moreira disse...

Incrível !

Cresce meu interesse pelos dias seguintes ...
Ganhei, estou ganhando, uma aventura no deserto, pegando carona na tua aprendizagem

Valeu!

Abraços.

Instituto de Ecocidadania Juriti disse...

Socorro Querida, sempre generosa em seus comentários, fiz uma revisão no texto, dei uma limpadinha. Lê de novo e faz uma análise detalhada do mesmo.
Um abraço no seu coração

socorro moreira disse...

O texto está perfeito !


Beijo