* Carlos
* Magali
Quando morávamos no Crato, anualmente nas férias de fim de ano, fazíamos uma viagem para que nossos três filhos perdessem um pouco da inibição que toda criança criada no interior parece ter. Esta que agora relembramos e que nos é inesquecível foi a mais extensa delas e para nós, uma das mais cheias de casos engraçados. Planejamos de uma só vez conhecer Teresina, São Luis e de lá iríamos à Araguaina, que na época, 1983, pertencia ao estado de Goiás. Depois de alguns dias em Araguaina, onde passaríamos o natal com minha irmã Amélia Maria e seu marido Leomar Bezerra, nós seguiríamos até Goiânia e Brasília, de lá retornando ao Crato pela Bahia. Saímos do Crato pela madrugada, nós dois, os três meninos e Maria Zélia, minha irmã. Em Teresina, chegamos às nove horas da manhã, demos uma volta pelo centro da cidade e seguimos viagem. Lá pelas cinco horas da tarde chegamos a São Luis e nos alojamos no Hotel Quatro Rodas, recém-inaugurado, um hotel luxuosímo, além de muito caro.
Nessa época, nós tínhamos uma Belina, que era um carro muito bom para viajar com crianças, pois tinha um bagageiro grande, onde após elas cansarem de tanta traquinagem, dormiam por sobre as malas forradas com travesseiros. Durante a viagem, bastante cansativa, quando chegávamos às churrascarias da estrada para almoçar, os meninos com idade de nove, sete e cinco anos, de tanto estarem confinados, descarregavam suas energias correndo pelos restaurantes e, ao sentarem eles pegavam os talheres e batiam nos pratos, como se eles fossem uma bateria. Eu reclamava dizendo que era falta de educação, mas a euforia deles era enorme.
Ao chegarmos ao hotel, a meninada se alegrou ao ver que os apartamentos tinham varandas com portas de vidro com vistas para a piscina e o mar. Um deles ficou tão animado que quis passar para a varanda, sem perceber que a porta de vidro estava fechada. Bateu o nariz na porta, para zombaria dos outros dois irmãos e nossa preocupação, pois seu nariz sangrou muito.
Na hora do jantar fomos todos ao Restaurante do Hotel Quatro Rodas. O ambiente era muito requintado, pouca luz, as mesas todas arrumadas de maneira impecável, com toalhas brancas de linho, bem diferente dos restaurantes da beira da estrada. Embora cheios de turistas americanos, franceses e brasileiros, reinava um silêncio sagrado e não houve tempo de prevenir os meninos para que se comportassem bem. Escolhemos uma mesa e sentamos. Os guardanapos estavam arrumados de forma decorativa, em pé, duros, pareciam um jarro. Os meninos respeitando esse ambiente luxuoso ficaram caladinhos, sem dar uma palavra. Carlos sentou e querendo demonstrar ser traquejado, abriu o guardanapo e o colocou no colo. Maria Zélia, distraída não viu. Depois ela olhou para mim e bem baixinho perguntou: "Magali, ô Magali, o que foi que Carlos fez com o boneco dele?” Eu comecei a rir baixinho, como mandava o ambiente. Ainda agora, eu dei boas gargalhadas enquanto escrevo relembrando essa passagem.
Após dois dias, saímos de São Luis para dormir em Santa Inês. Pelo “Guia Quatro Rodas” verificamos que a melhor hospedagem da cidade era num certo Hotel Socic, localizado após várias indagações e informações dos moradores da cidade. Ao chegarmos ao Socic, notamos ser muito diferente da hospedagem de São Luis. Era um hotelzinho de quarta ou quinta categoria. Além do mais faltava energia, os hóspedes conversavam em voz alta, sentados na calçada do hotel e nós não podemos dormir até a uma hora da madrugada, quando a energia voltou. Para completar o desconforto, havia muitas muriçocas e um dos meninos reclamava do mau cheiro do travesseiro, que segundo ele estava fedendo a cabeça.
Na manhã seguinte, após o café, comecei a arrumar a bagagem, enquanto a Belina funcionava para aquecer o motor. O filho mais velho ficou dentro do carro, enquanto eu fui chamar o restante do pessoal para continuar a viagem. Aconteceu que esse menino saiu e deixou o carro trancado, funcionando com a chave na ignição. Quis quebrar o vidro da janela para abrir a porta, quando um senhor que estava na garagem do hotel disse-me: “tenha calma, eu tenho um Corcel e vamos ver se a minha chave dá no seu carro.” Testei e como que por milagre ela abriu a porta da nossa Belina, para meu alivio. Verifiquei também se a chave do outro carro daria partida no nosso, mas ela não deu. Depois testamos a chave da nossa Belina no Corcel e ela não só abriu a porta, como deu partida ao motor. Então eu pensei: “como é fácil roubar um carro!”
De Santa Inês até Araguaina, foi um dia de viagem. Ainda no estado do Maranhão eu e Maria Zélia desejávamos ir ao banheiro. Mas como todos eram muito sujos, Carlos resolveu parar o carro numa estradinha carroçável lateral, no meio de uma grande mata, para que a usássemos como banheiro. Quando escolhemos um matinho bem apropriado, ouvimos Carlos gritar histericamente: "Entrem no carro depressa, ai vem um monte de índios!" O sufoco foi grande e quando chegamos ao carro, avistamos os índios correndo em nossa direção e gritando. Era quase toda a tribo e não sabíamos o que eles queriam. Só sei que entramos tão rápido no carro, que eu machuquei uma das pernas no batente da porta. Carlos deu uma arrancada e fez uma curva fechada, com muita rapidez e nos distanciamos desses índios, que correram gritando atrás da gente até o asfalto. Depois quando passou o susto rimos muito. Carlos achou que os índios iriam nos assaltar e penso que iam mesmo, pois eram muitos.
Depois de alguns dias em Araguaina seguimos para Goiânia e Brasília. Nesta última nos hospedamos no Hotel Planalto cujas paredes eram todas de vidro, permitindo uma bela visão de Brasília de ambos os lados do hotel. Fomos alojados em um apartamento conjugado: um quarto de casal e outro anexo com duas camas de solteiro, uma delas colada na parede de vidro e, numa espécie de rol de entrada, uma bi-cama. Magali determinou o lugar da dormida de cada um dos meninos, e não colocou nenhum deles na cama da parede de vidro, com receio de que danados como eles eram, quebrassem o vidro da parede. Calou-se de repente, notando que a cama da parede de vidro ficara para Maria Zélia. Esta imediatamente perguntou: “E eu Magali, vou ficar nessa cama para cair lá embaixo?”
A viagem de regresso até o Crato é outra história!
Por Carlos Eduardo Esmeraldo e Magali de Figueiredo Esmeraldo
* Magali
Quando morávamos no Crato, anualmente nas férias de fim de ano, fazíamos uma viagem para que nossos três filhos perdessem um pouco da inibição que toda criança criada no interior parece ter. Esta que agora relembramos e que nos é inesquecível foi a mais extensa delas e para nós, uma das mais cheias de casos engraçados. Planejamos de uma só vez conhecer Teresina, São Luis e de lá iríamos à Araguaina, que na época, 1983, pertencia ao estado de Goiás. Depois de alguns dias em Araguaina, onde passaríamos o natal com minha irmã Amélia Maria e seu marido Leomar Bezerra, nós seguiríamos até Goiânia e Brasília, de lá retornando ao Crato pela Bahia. Saímos do Crato pela madrugada, nós dois, os três meninos e Maria Zélia, minha irmã. Em Teresina, chegamos às nove horas da manhã, demos uma volta pelo centro da cidade e seguimos viagem. Lá pelas cinco horas da tarde chegamos a São Luis e nos alojamos no Hotel Quatro Rodas, recém-inaugurado, um hotel luxuosímo, além de muito caro.
Nessa época, nós tínhamos uma Belina, que era um carro muito bom para viajar com crianças, pois tinha um bagageiro grande, onde após elas cansarem de tanta traquinagem, dormiam por sobre as malas forradas com travesseiros. Durante a viagem, bastante cansativa, quando chegávamos às churrascarias da estrada para almoçar, os meninos com idade de nove, sete e cinco anos, de tanto estarem confinados, descarregavam suas energias correndo pelos restaurantes e, ao sentarem eles pegavam os talheres e batiam nos pratos, como se eles fossem uma bateria. Eu reclamava dizendo que era falta de educação, mas a euforia deles era enorme.
Ao chegarmos ao hotel, a meninada se alegrou ao ver que os apartamentos tinham varandas com portas de vidro com vistas para a piscina e o mar. Um deles ficou tão animado que quis passar para a varanda, sem perceber que a porta de vidro estava fechada. Bateu o nariz na porta, para zombaria dos outros dois irmãos e nossa preocupação, pois seu nariz sangrou muito.
Na hora do jantar fomos todos ao Restaurante do Hotel Quatro Rodas. O ambiente era muito requintado, pouca luz, as mesas todas arrumadas de maneira impecável, com toalhas brancas de linho, bem diferente dos restaurantes da beira da estrada. Embora cheios de turistas americanos, franceses e brasileiros, reinava um silêncio sagrado e não houve tempo de prevenir os meninos para que se comportassem bem. Escolhemos uma mesa e sentamos. Os guardanapos estavam arrumados de forma decorativa, em pé, duros, pareciam um jarro. Os meninos respeitando esse ambiente luxuoso ficaram caladinhos, sem dar uma palavra. Carlos sentou e querendo demonstrar ser traquejado, abriu o guardanapo e o colocou no colo. Maria Zélia, distraída não viu. Depois ela olhou para mim e bem baixinho perguntou: "Magali, ô Magali, o que foi que Carlos fez com o boneco dele?” Eu comecei a rir baixinho, como mandava o ambiente. Ainda agora, eu dei boas gargalhadas enquanto escrevo relembrando essa passagem.
Após dois dias, saímos de São Luis para dormir em Santa Inês. Pelo “Guia Quatro Rodas” verificamos que a melhor hospedagem da cidade era num certo Hotel Socic, localizado após várias indagações e informações dos moradores da cidade. Ao chegarmos ao Socic, notamos ser muito diferente da hospedagem de São Luis. Era um hotelzinho de quarta ou quinta categoria. Além do mais faltava energia, os hóspedes conversavam em voz alta, sentados na calçada do hotel e nós não podemos dormir até a uma hora da madrugada, quando a energia voltou. Para completar o desconforto, havia muitas muriçocas e um dos meninos reclamava do mau cheiro do travesseiro, que segundo ele estava fedendo a cabeça.
Na manhã seguinte, após o café, comecei a arrumar a bagagem, enquanto a Belina funcionava para aquecer o motor. O filho mais velho ficou dentro do carro, enquanto eu fui chamar o restante do pessoal para continuar a viagem. Aconteceu que esse menino saiu e deixou o carro trancado, funcionando com a chave na ignição. Quis quebrar o vidro da janela para abrir a porta, quando um senhor que estava na garagem do hotel disse-me: “tenha calma, eu tenho um Corcel e vamos ver se a minha chave dá no seu carro.” Testei e como que por milagre ela abriu a porta da nossa Belina, para meu alivio. Verifiquei também se a chave do outro carro daria partida no nosso, mas ela não deu. Depois testamos a chave da nossa Belina no Corcel e ela não só abriu a porta, como deu partida ao motor. Então eu pensei: “como é fácil roubar um carro!”
De Santa Inês até Araguaina, foi um dia de viagem. Ainda no estado do Maranhão eu e Maria Zélia desejávamos ir ao banheiro. Mas como todos eram muito sujos, Carlos resolveu parar o carro numa estradinha carroçável lateral, no meio de uma grande mata, para que a usássemos como banheiro. Quando escolhemos um matinho bem apropriado, ouvimos Carlos gritar histericamente: "Entrem no carro depressa, ai vem um monte de índios!" O sufoco foi grande e quando chegamos ao carro, avistamos os índios correndo em nossa direção e gritando. Era quase toda a tribo e não sabíamos o que eles queriam. Só sei que entramos tão rápido no carro, que eu machuquei uma das pernas no batente da porta. Carlos deu uma arrancada e fez uma curva fechada, com muita rapidez e nos distanciamos desses índios, que correram gritando atrás da gente até o asfalto. Depois quando passou o susto rimos muito. Carlos achou que os índios iriam nos assaltar e penso que iam mesmo, pois eram muitos.
Depois de alguns dias em Araguaina seguimos para Goiânia e Brasília. Nesta última nos hospedamos no Hotel Planalto cujas paredes eram todas de vidro, permitindo uma bela visão de Brasília de ambos os lados do hotel. Fomos alojados em um apartamento conjugado: um quarto de casal e outro anexo com duas camas de solteiro, uma delas colada na parede de vidro e, numa espécie de rol de entrada, uma bi-cama. Magali determinou o lugar da dormida de cada um dos meninos, e não colocou nenhum deles na cama da parede de vidro, com receio de que danados como eles eram, quebrassem o vidro da parede. Calou-se de repente, notando que a cama da parede de vidro ficara para Maria Zélia. Esta imediatamente perguntou: “E eu Magali, vou ficar nessa cama para cair lá embaixo?”
A viagem de regresso até o Crato é outra história!
Por Carlos Eduardo Esmeraldo e Magali de Figueiredo Esmeraldo
7 comentários:
Demais !
Uma história contada por quatro mãos tem sinergia !
É pra ler, reler, e ficar gostando , no riso da alegria.
Um dia azul , cheio de levezas pra vcs : Carlos e Magali !
Magali,
Histórias da vida diária, contadas por um casal maravilhoso. Parabéns: Liduina.
Carlos e Magali,
Vocês possuem o dom de contar histórias, prendendo o leitor até o desfecho final.
Já estou aguardando a viagem de regresso.
Abraços
Aloísio
Gente, mas que delícia de história! Essa viagem foi cheia de acontecimentos hilários mesmo.
Carlos e Magali - dois bons contadores de história. Taí. Gostei.
abraços
Socorro, Liduína, Aluísio e Stela, as palavras de vocês nos incentivaram muito. Já comecei a relatar outra viagem. Estou só esperando que Carlos termine de resolver os problemas de matemática da apostila dele, para que faça a parte que cabe a ele. É bom, pois nos divertimos muito lembrando o passado e se a memória de um falhar, o outro ajuda a lembrar.
Obrigada e um grande abraço para todos.
Carlos e Magali
Amei. Texto muito bem narrado pelo casal nota mil. Amo voces. Bjs
Obrigada tati! Que bom que você leu nossa narrativa e gostou!
Um grande abraço.
Carlos e Magali
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