por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A pedra da memória

Rio Tietê, com olarias ao fundo, visto da Ponte Campos Salles, a "Ponte Velha"
ou "Ponte de Ferro", entre Barra Bonita e Igaraçu do Tietê, SP.




                               
A PEDRA DA MEMÓRIA


Plantei a pedra da memória na montanha.
Passei por aqui, neste lugar morreram
os meus pais, meus irmãos, meus avós.
Este é o tempo do infortúnio.
Jejuei na gruta do abandono
com os morcegos e as traças.

Os meus pés amassavam a argila de Deus.
Os meus dedos iriam, um dia, moldar a argila
em forma de cântaros preciosos.
Os meus lábios lhe iriam dar vida
com o sopro do verbo.
O verbo de Deus sopraria dos meus lábios
e os cântaros cantariam a música do eterno.

As cidades miseráveis do homem.
Os labirintos de cifras das cidades do homem
edificadas sobre o farelo dos desejos.
As palavras são intermináveis e não dizem nada.
Os lábios não beijam,
as línguas estão secas da saliva do espírito.
Os corações não têm sangue, mas números.
Os livros contêm resultados, são a tumba do olvido.

Eu sou o filho pródigo, retorno à casa do Pai.
Os jornais recolhem os excrementos das moscas,
eu retorno à casa do Pai.
O povo delira sob a fuligem do céu,
sob os tetos de vidro e aço,
exposto ao sol negro, que queima a alma.
Eu volto derrotado à casa do Pai,
mas ainda tenho o verbo de Deus nos lábios.

Os espinhos perfuram os meus pés.
A urtiga dilacera a minha face.
Somente o verbo fala comigo.
Ouço, no vento que passa, a voz de Deus.
Não entendo o mistério, mas sei que ouço a voz de Deus.

Um pássaro voou da árvore de fogo,
pousou no meu ombro com as garras vermelhas,
cantou as sílabas do verbo, impronunciáveis.
Amei a beleza desse canto, decifrei seu enigma:
é a rosa, a essência da rosa, a face de Deus.

Prostrei-me diante do altar.
Voltei as costas aos ratos insaciáveis.
Sigo a estrela. A porta está aberta.
Carrego nos ombros os cântaros do verbo,
com a água límpida do espírito.



3 comentários:

socorro moreira disse...

Teu poema, um alento, na compreensão daquilo que somos, sofremos, vivemos.Emocionei-me !

Abraços

Stela disse...

Memória retratada na poesia com beleza e profundidade.
Muito me comove a poesia de Brandão.

Aloísio disse...

Brandão,

Parabéns!!!
Bonita poesia com a combinação dos símbolos com o místico.

Abraços
Aloísio