por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 11 de junho de 2011

Pensamento para o Dia 11/06/2011


“Desenvolva Amor. Quando chegamos a este mundo, é só o amor que vem conosco. Do amor surge a verdade. Quando amor e verdade trabalham juntos, o lado humano encontra seu sustento. A mansão da vida humana pode ser construída com a autoconfiança como a fundação, auto-satisfação como o pilar e auto-sacrifício como o telhado. Somente então você pode alcançar a auto-realização na vida. Você deve começar com autoconfiança. Sem ela você não pode ter felicidade na vida. Como pode alguém que não tem confiança em si mesmo ter confiança nos outros? Não duvide de tudo. A dúvida coloca em risco a vida e aquele que duvida não conseguirá nada na vida. Desenvolva fé. Desista de todas as características doentias e leve uma vida ideal e bem-aventurada. A humanidade só floresce em um coração puro e lá encontra realização.”
Sathya Sai Baba

Um Vestido e Um Amor - Raimundo Fagner

Serena parte - Corujinha Baiana




SERENA PARTE

Vou no compasso

Descalça e confusa

Um passo na pedra,

na água, no chão.

Vou no caminho,

na estrada da vida

Na terra batida

no seixo do rio

Sou lava ou vulcão?

Vou como o sol

como a rocha

e a água

sou a serena parte

de um todo, sem fim.

Sou a profunda clareza

e a confusão

me encerro sem pressa

em infindáveis certezas

pois

sou o avesso

da noite e da vida

teu lado direito

o extremo do mínimo;

sou a menor parte

o oposto mutante

o amor constante...

Sou a pedra do rio

o sol e a lua

sou a tempestade,

da noite o clarão

e vou no compasso

descalça e cansada

um passo na pedra,

na água, no chão.

Corujinha Baiana

Pensão- por Everardo Norões




um tempo se destece nos telhados
e desce sem saber ao nosso tédio:
um tempo sem espaço e sem remédio,
pegado à solidão de um negro armário.

exilado no mundo do meu quarto
ou na copa de árvores distantes:
tempo-pedra disposto nas estantes
(feito a hora infinita de um infarto)

tempo que se despenca ou desfalece
nas tranças distraídas de algum mês,
de algum ano de seca e sem semente.

assassina meu sono e desvanece,
perdido no curral, como uma rês:
viajante sem fim de um sol nascente.



Meus escuros se enchem de mistérios
Ficam loucos , ficam cegos
e as respostam se distanciam de mim.
Quando nasce a lua ...
Não sei o lado que me aclara
quero colher toda luz
num só olhar
Mostro o céu
pra minha alma
Toco no imaginário
distante de mim.

(socorro moreira)

A Casa da Filha - por Rejane Gonçalves






Um, mais um, depois outro, se não resolvesse, um outro; devia ser mesmo da inteira responsabilidade do vento e do frio a natureza do pedido. Cobririam, pois, os ombros da mãe e a levariam dali, duplicada pelo suéter, o xale, o casaco da amiga, o paletó do filho mais novo, por último os braços do filho mais velho.
Presa na carapaça, a tartaruga conseguiu erguer a cabeça, virá-la para trás e apertando os olhos procurou um melhor enquadramento da imagem, o lugar mostrou-se nítido, fixou-se como se não quisesse desaparecer nunca, depois o carro foi se afastando e o lugar não quis vir, distanciou-se, corria na direção oposta, numa velocidade bem maior, deveria ter desaparecido ao mesmo tempo em que o carro, desapareceu primeiro, sumiu numa elevação súbita da estrada. Presa nos agasalhos, a mãe desvirou a cabeça, os olhos miúdos da velha tartaruga olharam para frente.
Queria tanto ficar, só por essa noite, se eles permitissem. Lucinda também haveria de querer, quando muito em troca dos favores, a melhor amiga, bem dizer uma irmã, lhe devia favores, favores que dinheiro nenhum pagaria. Lucinda haveria de ficar agradecida, de que outra forma teria condição de pagar a dívida àquela mulher sepultada pelos casacos? Queria tanto não ter ido embora, pedira e fizeram de tudo para não ouvir; pedia insistentemente e ouviu que não seria possível, pediu que deixassem, de qualquer jeito, por mais um tempo, deixassem, era só por aquela noite, se temiam que ela ficasse sozinha, bastava chamar Lucinda que é da inteira confiança de todos, já conversara com ela, não dissera sim, nem se negara, bastaria insistir um pouco e a grande amiga que lhe devia o teto, a acolhida, a sobrevivência e, mais para diante, o pagamento de uma prestação atrasada da escola do neto, a roupa emprestada para a formatura da filha, até mesmo o dinheiro para algumas feiras – haveria de concordar. Nunca foi de fazer cobranças a ninguém, de nada; era de falar mal, zangar-se, sempre fora de falar muito mal dessas pessoas que prestavam favores e na hora da necessidade cobravam, dizia que elas não mereciam perdão.
Lucinda chegara no meio da noite e batera à porta da casa, de sua casa, não desta, daquela que ficava na rua principal, tinha escadaria, azulejos portugueses, quatro janelões que passavam o dia inteiro abertos, as cortinas levantando voo, telhado que se projetava para a calçada, amenizando a chuva e o sol. Todos muito pequenos, não devem mesmo ter guardado o acontecido, ela sim, vez por outra, contava a história da amiga, não para se vangloriar, para que servisse de exemplo; será que eles se esqueceram mesmo, não, tinha certeza, todos ainda jovens, é assim que se fala, a maioria na meia-idade, é certo, hoje em dia também se dizem jovens os de meia-idade, fulaninho morreu tão jovem e quando ela perguntava quantos anos tinha o tal fulaninho, cinquenta, até sessenta já ouvira; então, todos continuam jovens, não seria caso de esquecimento, a memória não está falhando, a dela estava e ela não se esquecia. Há menos de uma semana repetira para uma das netas que reclamava da vida, que nenhuma pessoa da família, nenhum deles, sabia direito o que era dificuldade, Lucinda, sim, esta sabia de sobra, quer maior sofrimento do que bater na porta dos outros de madrugada, com cinco crianças e outra na barriga, fugindo das gentes que dera cabo de seu marido e estava atrás dela, única testemunha, sabe o que é deixar casa, anos de trabalho e economias, fugir só com a roupa do corpo e pedir abrigo na casa da amiga de infância que tivera mais sorte que ela, casara com um homem rico, sim, porque na época teu avô tinha muito dinheiro, depois é que a riqueza foi minguando e quase ficamos tão pobres quanto Lucinda, mas os filhos estudaram, os meus e os dela, a riqueza não voltou, a pobreza também não, vivemos bem, nós, um tanto mais que ela, de que reclamava a neta? Tinha certeza de que Lucinda não se negaria, nem pôde falar com a amiga mais uma vez, não lhe deram tempo.
Teve o cuidado de seguir todos os conselhos que escutava sobre como encorpar uma criança, engordar a cria. Fez com que a filha tomasse o leite mais forte, misturado às massas mais nutritivas, engolisse os chás e provasse o amargor de todas as ervas consideradas milagreiras, só passou a responsabilidade para Deus depois que uma dessas receitas, ouvidas no converseiro das comadres, engordou de tal maneira o rosto de Maria das Graças que ela precisou ser internada às pressas, escapando por pouco de uma asfixia. Era o jeito aceitar a magrém da menina, a única solução, acostumar-se com o fio sem prumo que se metia em todos os esconderijos nas brincadeiras de esconde-esconde; saber que no lugar onde nenhum filho, de quem quer que fosse, caberia, ela, Alinha, como passou a ser chamada, caberia sem nenhum esforço. Talvez a folga fosse mesmo uma redoma a proteger Maria das Graças dos tombos, encontrões, ferimentos; tudo e todos existiam a uma distância respeitosa de sua pequena, feito se tivessem medo de quebrá-la, chegou a pensar nisso, depois viu que não, era a folga, o espaço não preenchido continuava ali, esperando o tempo em que o corpo de Alinha se decidisse.
Soube que viriam os amigos da filha, iam chegar, uma parte já havia chegado, outra estava a caminho, logo todos estariam presentes. Desejou que a outra parte se demorasse, ou se perdesse; enquanto esperam, mais tempo ficaria do lado da filha, cuidando para que não fosse violado o espaço vazio, a folga haveria de ser respeitada. É certo que a caixa de madeira, onde colocaram Maria das Graças, ajustava-se perfeitamente ao corpo da moça, um vestido de corte estreito a contorná-la da cabeça aos pés. Alinha sempre gostara de roupas largas, era um desrespeito.
A boneca com trajes típicos da Holanda, touca de organdi bem armada, tamancos pontudos e coloridos, ao recebê-la, a filha rasgou o papel de presente, colocou a caixa na vertical, depois a emborcou, virava de um lado para o outro, deixando até que ficasse de ponta-cabeça e a boneca de louça mal se mexia, os olhos azuis abriam e fechavam, dependendo da posição da caixa, as tranças louras dobravam-se em arcos sobre a cabeça, ou estiravam-se, ou vagavam para lá e para cá, um papel transparente, envolto na caixa vazada, exibia a boneca ao mundo e alguma presilha a mantinha fixa ao interior da caixa. Pensou que se fizesse o mesmo com Alinha, se ela ficaria presa, imantada ao corpo da caixa, ou cairia no chão, cheia de flores, emaranhada na transparência do tule branco que permitia a todo mundo olhar para Maria das Graças, quantas vezes quisesse; não, a boneca de louça viera numa caixa de papelão dourado, com tampa, fora um presente dado a ela, à mãe, não à filha, foi só retirar a tampa e pegar a boneca nos braços e depois fazê-la adormecer e guardar. Naquela noite, em cima do guarda-roupa onde poderia olhar para a caixa fechada e ver que ela não se movia, igual ainda estivesse na prateleira da loja, fez desse jeito na primeira noite porque tinha certeza de que a boneca precisava que ela a olhasse, vigiasse, estivesse acordada, velando o sono da criatura de louça; não era bom dormir sozinha na casa nova logo numa primeira noite, seria mais confortável para a boneca que dormisse assim, dentro da caixa, mas sabendo que a mãe, do lado de fora, não se descuidaria, pelo menos enquanto fosse nova a casa.
Era de madeira a caixa onde fora guardada a filha. Feita do mesmo material, a tampa permanecia à espera, escorada na parede, pacientemente, perpétua, um objeto deixado por engano no vazio daquelas paredes brancas, mas que de algum modo adequara-se ao ambiente, ficara à vontade, natural, integrado, sem esforço aparente, à decoração. Talvez já estivesse ali há muito tempo, ela e seu Cristo de bronze – crucificado na parte de cima, disposto de maneira a se estender sobre o peito de Maria das Graças – antes mesmo que o branco do quarto existisse. Não uma, nem duas vezes, várias, olhou para a tampa de madeira clara, quase bege e viu a filha como que reclinada, os pés bem apoiados no chão, um pouco afastados da parede, as pernas escondidas pela saia longa, uma mão conduzindo o cigarro à boca, a outra, nervosa, varrendo do corpo as últimas pétalas, livrando-se de vez do tule; não tinha mesmo necessidade, nem gostaria da transparência daquele pano, do acanhamento das florzinhas mal bordadas a enfear o contorno do véu; gostava dos véus baços, a filha, das volutas de fumaça que a encobriam. Esquecera-se, esquecera-se completamente, se a embalagem era tão parecida com a da pequena holandesa, podia retirar da caixa e voltar a colocar Maria das Graças dentro da caixa, sem que ninguém percebesse, igual fazia com a boneca de tranças louras.
O filho veio lhe dizer que teriam de fechar a caixa, a administração do lugar tinha limites, estava escurecendo, não fora possível convencê-los a esperar um pouco mais pelos atrasados, fizera de tudo; ela mesma não via que já escureceu, é de noite? Pegou as mãos dele, embrulhou-as nas suas, beijou-as várias vezes, misturadas às contas do terço que enroscara nos dedos e intercedeu pelos amigos de Alinha, disse que a filha não haveria de gostar que a família não tivesse esperado, e como iriam escapar da raiva daquela amiga, bem dizer uma irmã, a mesma que vez por outra falava umas verdades para Maria das Graças? Essa amiga estava entre os atrasados, além disso, a casa onde a filha passaria a morar, onde dormiria pelo resto da vida, encontrava-se tão perto dali, uns poucos passos e todos já estariam lá, que não se apressasse, por que tanta pressa se era noite de lua? Soltou as mãos do filho, deu-lhe as costas, envergonhada dos próprios pensamentos. Desejou que aqueles amigos não chegassem nunca, se perdessem pelas estradas, errassem a entrada da cidade, se extraviassem de vez por suas ruas e becos. A tampa continuaria encostada na parede e a boneca de rosto fino, pele esverdeada, nariz afilado, cabelos curtos e pretos, olhos cerrados, lábios entreabertos e roxos, continuaria eternamente à mostra.
Dizem que é para ela descansar. Não estava cansada. Dormir. Não tinha sono. Apenas uma grande preocupação. O que seria de Alinha, morando numa casa tão pequena, ela, a quem o espaço sempre reverenciara. Precisava, pelo menos até que a filha se acostumasse, estar plantada na frente daquela casa plana, rente ao chão, cuja porta não era uma porta; aqueles blocos de cimento colados uns nos outros e recobertos por uma camada de pequenas pedras brancas, desoladas, avessas a qualquer esperança de cor, nem de longe se assemelhavam à tampa de papelão dourado. Correra a vista para um lado e outro, paisagem árida, campo descolorido, casas todas iguais. Vê um sorriso chegando, expulsa-o como se esconjurasse uma assombração, dali em diante essas visitas seriam inoportunas, meu Deus, ela indigna-se, pede para que Ele lhe afaste dos pensamentos essa lembrança atrevida, não queria ouvir a voz do filho mais novo de Lucinda, o Senhor haveria de saber de quem se tratava, daquele, do que recebera o nome de José Maria, justo em homenagem a ela mesma e ao marido, pela acolhida na hora da precisão. O rapaz falava de um jeito tão engraçado da vila popular, do conjunto habitacional onde morava, dizia que se o morador da esquina vendesse a carcaça do carro amarelo que desde sempre vivia encostada no muro baixo, na parte de dentro, quase arranhando a frente da casa, ele, Zé Maria, quando saísse para comprar o pão era bem capaz de se perder, nunca mais que iria achar a entrada da rua de sua própria casa. Ela não corre esse risco, a casa da filha tem uma placa com nome e sobrenome, duas datas, com dia, mês e ano; a rua, faltava a rua, talvez devesse ter marcado a rua. As casas existem nas ruas, o afilhado tinha razão.
De madrugada, bateria à porta de Lucinda, diria que era somente pelo resto daquela noite, enquanto Alinha acostumasse os olhos ao escuro e o corpo ao vestido apertado, haveria de concordar que Maria das Graças acostumara-se por demais com a folga, o espaço livre e respeitoso, ao redor. A mãe de Alinha cobraria o favor, não era de seu feitio, mas não via outro jeito, Lucinda era mulher de bom coração, haveria de entender e até ficar feliz em pagar. Esquecera-se, novamente se esquecera, Lucinda é de gestos arrebatados, por natureza barulhenta, Maria das Graças dorme a sono solto pela primeira vez em todos esses dias, melhor deixar para amanhã, melhor recolher-se à carapaça e respeitar a quietude da filha, deixar que durma em paz.

por Rejane Gonçalves

Para Aloísio




Verão
Rosa Passos
Composição : Rosa Passos e Fernando de Oliveira

Cinco pranchas deslizam nas ondas
E os surfistas parecem voar
Tem veleiros nos verdes ao longe
E o nascente promete um luar

Gaivotas disparam em seta
Num mergulho sem freio no azul
E eu me sinto, assim como o poeta
"água viva dos mares do sul"

Tem conversas e risos nos bares
E lilases na tarde que finda
Passam ônibus cheios de olhares
E um desejo de novo me anima:

Eu desejo o fervor de outros tempos
E a beleza dos dias de então
Chove tanto nos meus sentimentos
E é verão, é verão, é verão

Fim do dia - Por José de Arimatéa dos Santos



 Chega o fim do dia e a noite cai.  O céu fica mais bonito ainda. Quando a noite é de luar e cheia de estrelas, aí é que a natureza se descortina e o clarão de vida se sobrepõe mais fortemente. É a certeza de dias melhores que virão e um novo dia de sol brilha forte sempre. 
Fim de mais um dia de trabalho para muitos e a certeza de continuidade da labuta para outros. A vida não para e continua firme rumo ao futuro.
Foto: José de Arimatéa dos Santos

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A POESIA E A FILOSOFIA DE ÂNGELO MONTEIRO- colaboração de Stela Siebra


PARA QUE FOMOS FEITOS


NEM PARA A TERRA NEM PARA O CÉU
FOMOS FEITOS. NEM MESMO PARA SER LEMBRADOS.
NO ENCONTRO ENTRE A LUZ DOS NOSSOS OLHOS
E A IMAGEM DAS COISAS PROVISÓRIAS
CONSISTEM NOSSA NOITE E NOSSO DIA.


NÃO TEM PREÇO E É INÚTIL
AQUILO PELO QUE SUSPIRAMOS.
MAS TAMBÉM É INÚTIL O QUE É PERFEITO
E NÃO TEM PREÇO A SUA PERFEIÇÃO.
POR FIM NÃO TEM PREÇO E É INÚTIL
TUDO QUE NOS PERDE OU QUE NOS SALVA.


FOMOS FEITOS PARA ALÉM DA VIDA
PEQUENA E - PORQUE PEQUENA - ANUNCIADA.
FOMOS FEITOS PARA O CLAMOR DO QUE NÃO SABEMOS.
PARA OUVIR O SOM DAS FLORES - GRAÇAS ÀS ABELHAS-
NO MURMÚRIO E NO ANÚNCIO DO SEU MEL


ÂNGELO MONTEIRO in “OS OLHOS DA VIGÍLIA”

Fotógrafo Ambulante - por Joaquim Pinheiro Bezerra de Menezes




No início dos anos 40, um fotógrafo ambulante, chamado Sorriso, utilizando equipamento conhecido como "lambe-lambe", andava pelas ruas do Crato oferecendo seus serviços aos moradores. Minha mãe (Almina Arraes) e Tia Violeta, foram fotografadas por ele. Mamãe guardou a foto. Apesar da pouca sofisticação da "máquina", o registro permanece. Veja a foto.

Queimando versos- por Socorro Moreira


Você embucha meu coração de poesia
nas contrações e expulsões
perdem-se os elásticos que o prendiam
Agora ele é lato
Comporta a vida,
e os terrenos da eternidade !

Silêncio é linguagem
que a tagarelice estuda
Sou verde na impaciência
Longe de ser aquilo que aspiro
Nem sempre tenho o discernimento
Inacabada ...Persisto !




Tem um poste de luz que incomoda
Tem silêncio que não ilumina
Tem ausência que grita na distãncia
Tem vontade férrea
presa na lembrança
Existem voos sem destinos
mas sempre retornam
ao ponto da saudade
que não sai do canto. 

(socorro)



Chove
e a gente não sabe
se é outono ou inverno
ou se é o verão que chora !

Parece que o mundo e a natureza
se esfregam , se lavam, se ensaboam
Tudo tem movimento
barulhos e cheiros .

Depois da chuva ,
menino levado,
corta os rabichos dos vaga-lumes
E eles nem acendem, nem apagam.

Da flor
pinga uma gota de chuva
E a gota contém o mar
E o mar afoga a minha dor .

A chuva passou .
Um cometa passa,
me agarro na sua cauda, e vou ...
Promessas me puxam,mas eu volto ,
quando mais um verso ,
sair do meu forno
esquentado de amor.

(socorro)

Sonhos em branco e negro - por Socorro Moreira





Sonhar-te ...
És o sonho de tantas,
que te sonhar,
nem importa tanto
nem mais , nem menos.

Soprar-te ,
só de vez em quando ...
pra longe da terra
pra longe do mar
pra longe de mim

Querer-te
Não muito,
e de vez em quando.
É minha sina ,
voar como a minha saia
ora branca, ora negra ,
ora cinza!

É isso , e nisso ...
Vivo assim pairando
É isso que falo , canto
Ora voz e alma
Tudo em branco
Ora tudo negro
como um manto.




Helena e o Vento - José do Vale Pinheiro Feitosa


Prece ao Vento - Música de Gilvan Chaves, Alcyr Pires Vermelho e Fernando Luiz Câmara - Cantada pelo Trio Nagô.



Ontem por volta das 18 horas, a considerar a variação do tempo entre um território e outro: romperam-se as barreiras dos céus. Num repente que assusta nossos espíritos afeitos ao esperado.

Um tsunami de ventos. Dizer que foi um vendaval não desvenda a surpresa de quem estava nas ruas do Rio. Não houve anúncios. Abriram-se as vagas de uma ventania que já vai levantando, arrastando, derrubando, quebrando, dobrando, enfim num gerúndio que parece durar até o infinito.

Afinal para nós os portadores da finitude, o infinito é tudo aquilo que vai até a marca do fim. Maria Helena Carvalho abriu os olhos mais do que todas as surpresas anteriores. Mas logo os fechou com o pavor dos argueiros a danificar a visão.

Jarros de flores caiam. Um canto agudíssimo saía de cada fresta de sua residência. As portas interiores da casa batiam quase a ultrapassar os batentes dos portais. Sobre o teto da casa barulhos de coisas em velocidade estorvadas por obstáculos.

Tudo que era flexível estava em espasmos quase epiléticos. O que era sólido ameaçava rachar e quebrar-se. Os líquidos eram maremotos proporcionais ao espelho de suas águas, como aquelas no copo que Helena desejava beber.

Um mundo estava literalmente se desagregando. Se espatifando. Se vidros houvesse se estilhaçariam. As pétalas das flores se esgarçavam. As folhas voavam. Os galhos se quebravam e caíam em rodopio em alvos potenciais. Poderia ser qualquer alvo, era apenas uma questão de grande chance de acertar.

A prova maior da pouca separação entre a intimidade do mundo e a intimidade de Helena: os pensamentos eram ciclones endoidecidos. Helena não conseguia juntar idéias, buscar uma experiência anterior. Não tomava qualquer decisão por falta de uma reflexão para mover a vontade.

Mas acontece. No nevoeiro enlouquecido do medo, quando todas as idéias corriam aos ventos, Helena lembrou uma simpatia da mãe. Lá nos idos dos tempos perdidos, naquele interior de Cachoeira do Itapemirim, as casinhas da roça com as telhas ameaçadas pela ventania. Todas as crianças apavoradas e a mãe de Helena fazia uma “simpatia”.

Helena nem refletiu e partiu para a janela da frente de sua casa a repetir o que a mãe fazia. Abriu a tesoura para a ventania. Ela cortaria as cordas do vento. Enfraqueceria o vento ao dividi-lo em partes. Era uma medida quase militar.

E o vento cessou. O mundo novamente tinha a humanidade de Helena. A “simpatia” funcionou.

Juazeiro do Norte ou Reino da Luminura

Juazeiro do Norte fica no Cariri cearense, no coração do Nordeste. Terra de encontros e caldeirão mítico de povos dos sertões. Terra do centro, terra santa, ainda encantada, embora pareça uma cidade ordinária. Quem assim a vê não sabe da cidadela sagrada que é. A Sedição de Juazeiro, depois do massacre de Canudos pelos exércitos da República, foi a segunda importante guerra do mar contra o sertão.
Considero Juazeiro do Norte o ensaio cultural de um Brasil que teima em se firmar a revelia de sua atrasada classe dominante, constituindo-se em uma civilização diversa e única: pelas principais vertentes culturais herdadas de povos que por lá viveram e pela capacidade em gerar uma cultura original, com seus mitos fundadores, sua religião, seus deuses e demônios, seus artistas
e poetas, seus guerreiros e profetas.

Conectada com temporalidades, simbologias e sociabilidades distintas, feita de ambiguidades sem fim, sendo a um só tempo sagrada e profana, figural e abstrata, tradicional e contemporânea, punk e armorial, líquida e fincada na terra, Juazeiro do Norte é um presente do povo sertanejo ao Nordeste, ao Brasil e ao mundo.

Sua riqueza advém dos romeiros, da religiosidade e da arte popular. Diz-se que lá uma verdade comporta 70 mentiras e cada uma destas contém 70 verdades, ad infinitum, até a glória de Deus. Este caleidoscópio do mundo, o poeta Oswald Barroso chamou de
“reino da luminura”.

Nesse lugar de histórias e visões, cantorias e orações, romeiros e artesãos que cintilam feito estrelas no céu da imaginação de inúmeros cineastas acontecerá o 21º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema de hoje a 16 de junho.

Pela primeira vez, o evento estende suas atividades ao interior do Estado. Realizado em Fortaleza de 8 a 15 do mesmo mês, o Cine Ceará traz o tema “Religião e religiosidade no cinema”, homenageando os 100 anos de emancipação política do município.

Rosemberg Cariry, Cineasta
FONTE:Jornal O POVO ON LINE

Por Domingos Barroso




Não Sejas Poeta
Quando sentares com uma mulher
à mesa de um botequim
não fales sobre estrelas.

Pergunta logo
se a preciosa dama
viu teus tênis
andando sozinhos
até o mictório.

Se houver espanto
por parte da sensível gueixa
diz somente que teus tênis
quando se embriagam
molham os cadarços
e tropeçam.

Sei que é terrível:
nem todas as mulheres
olham para as estrelas
tampouco suportam poesia.

Vai em busca dos teus tênis bêbados.
Dentro de um deles,
a última nota de dez. 

 por Domingos Barroso

Idos e vividos... - por socorro moreira



Se o tempo voltasse
Eu dançaria a valsa dos meus 15 anos
Pediria uma bicicleta no Natal
Nadaria nos rios poluídos
Do Crato até Ingazeiras ...

E naquele trem , naquele dia
Teria te visto primeiro
E naquela festa , naquela dança
Me apertaria em teu peito
E naquela noite , naquela praça
Te entregaria os meus olhos.

Donzelas de saltos finos e meias desfiadas
se avermelhavam
quando a brisa do amor passava

Guardavam cadeiras no cinema
pro moço que não chegava

Choravam em convulsão
por Francisco e Santa Clara.

Tremores nas mãos, em dias de prova
Disparos no coração , quando recebiam nota

A chatice
de provar o vestido novo
que ficara torto

A vergonha
de vestir o traje antigo
com mancha de caju
na altura do colo

A barra da saia desmanchada
O sapato de sola desgastada
as meias de algodão afolozadas ...

E o coração na boca
todo atrapalhado

As cartas de amor nunca postadas
promessas tímidas
desejos contidos
orelhas pegando fogo
retrato em 3 x 4
na bolsa ou no livro

um trevo de 4 folhas
pra garantir o destino

Queríamos correr no tempo
e o tempo nos pegou

Deixou-nos
onde estou !

Senhora vó
Querendo comer maça
Pecar contra o que não fez
Ser feliz sendo o que quis !