por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 24 de novembro de 2014

C ompartilhando...


Ficava me achando meio fora de moda pelo fato de ser seduzido pela leitura de Vargas Llosa enquanto deixo pelo meio muitos de nossos romancistas ‘pós-modernos’. O posicionamento de um jovem e brilhante músico francês, Jérôme Ducros - cuja aula no Collège de France causou polêmica – me ajudou a respirar aliviado e sem remorso para deixar dormir na estante os ‘moderninhos'. Leiam um trecho :
« (…) Os intitulados contemporâneos são, no final das contas, retrógados. A epopéia da... arte, se nos atermos à visão darwiniana que lhe serve de história oficial, está encerrada. Os Modernos emblemáticos deram um fim a essa grande aventura que alçou o homem além de sua condição primária, que transfigurou o artesão modesto que duvidava de suas próprias mãos em artista genial e não tem dúvidas sobre o seu talento, ofereceu a nossos sentidos todos os graus possíveis da contemplação, de Lascaux à tela em branco, do cantochão ao silêncio de Cage, da escultura antiga ao mictório. Numa palavra : da obra sem assinatura à assinatura sem obra. O cimo do moderno tendo sido alcançado, escrever depois, seja o que for, é « voltar atrás». Como, pois, se espantar quando alguém coloca em causa radicalmente os dogmas do século XX em vez da perpetuar esses dogmas sob uma forma edulcorada ? "
 

A JORNADA DE FHC - José do Vale Pinheiro Feitosa

Vamos à metáfora. Temos uma longa jornada. Passaremos no interior de florestas úmidas, infestadas de insetos, animais peçonhentos, predadores humanos, matagais intransponíveis (ou quase para possamos continuar). Em seguida virão desertos sedentos, abrasadores, de cansativo areal e dunas altas a ultrapassar. Andaremos sobre a neve. Beberemos em grandes lagos. Sorveremos a lama quase ressequida de poças infectas. Uma longa jornada.

Mas resistiremos. Chegaremos ao destino. Mesmo que seja apenas para o descanso eterno como gostam aqueles que apaziguam seus corações temerosos. E chegaremos ao destino porque aprendemos a viver nos vários ambientes. Teremos conhecimento para formular normas, regras, éticas, solidariedade entre todos. Assim nós atravessaremos e quem sabe até nos fixaremos em alguns destes ambientes. Afinal tudo parece uma passagem.

Mas nada é de passagem. Tudo carrega uma sensação de plenitude que uma vez exposta ao avançar cronológico, se traduz como eternidade. Mesmo quando distante destes ambientes habitados, nascidos, gerados, eles, pelas partículas da anti-cronometria, se alojam na memória como uma loja viva do continuo.

Por isso sempre temos duas mãos a ponderar o conjunto da jornada. Numa a coerência com a realidade e o outro ser humano e noutra a revisão do conhecimento porque a realidade se transforma. Portanto, sendo coerência e revisão ao mesmo tempo, avança sobre a mudança preservando o corpo que se move nesta jornada. Isso é válido desde a metodologia do conhecimento como passo inicial até o passo mais geral que é a política.

Não se pode ter a pessoa como exclusivo alvo crítico de grandes deformações. Isso é perder substância crítica. As grandes questões são coletivas, são ideias, são comportamentos, preconceitos, manipulações, artimanhas, enganações e outras tantas de igual sentido. Por mais que admire alguém num intervalo, se ele se apega a tais práticas merece a reparação crítica por representar a soberba de querer da jornada apenas a melhor parte.

Igual a Fernando Henrique Cardoso que, Presidente da República, chamou os pobres aposentados da Previdência Social de vagabundos. E hoje, numa insanidade argumentativa foi capaz de responder ao seu avantajado salário de aposentado com a seguinte argumentação:

Todo mundo reclama de salário, que é baixo. Acho o meu razoável. Comparado com o que se ganha no setor privado, aí significa muito, porque a aposentadoria do INSS é muito baixa. Não é a USP que é alta, o outro que é baixo”.  


FHC tem a aposentadoria de R$ 22.151,00. 

domingo, 23 de novembro de 2014

ANDANDO PELAS RUAS E O NOVO MINISTÉRIO DE DILMA ROUSSEF - José do Vale Pinheiro Feitosa

Andando pelas ruas. Desta imensa teia humana. Idosos cambaleantes pelas irregulares e estreitas calçadas. Crianças sonolentas com a marcada mochila às costas. Uma jovem, de cabelos louríssimos (naturais ou artificiais), masca, nervosamente, a borracha do chiclete, epilepticamente com o dedo indicador sobre a tela touch do palmtop.

O chiclete e a tela somam a alienação do mundo que imediatamente a cerca. À frente um jovem adulto, em roupa social, lentamente vai ao compromisso de trabalho, passos do preguiçoso despertar, cabelos rarefeitos no topo da cabeça, anda com a mão esquerda enfiada no bolso da calça e o outro braço fazendo o movimento auxiliar do caminhar.

A teia humana não é apenas um espaço urbano. É a trama do organizar-se para ser no mundo. É o papel carbono que primeiro gera uma cópia, se multiplica como mimeógrafo, uma gráfica, uma xerox e a viralização das redes sociais. Como outro jovem, de abundante cabeleira, tão plena que a repartição do penteado não fica ao lado, mas bem para o centro da cabeça. Anda acelerado, em roupa social, com a mão esquerda enfiada no bolso da calça e outro braço fazendo o movimento auxiliar do caminhar.    

E pronto! A agricultura nacional foi entregue à Kátia Abreu. Deu um nó no MST, nos eleitores de Aécio e em todos os admiradores ufanistas do nosso agrobusiness. Sonham com a morte cruel da agricultura familiar e com o incêndio de todos os acampamentos do MST. Os fabulosos latifúndios produtores de commodities terão seus interesses garantidos. Não igualmente à era escravagista da cana, tabaco e café, mas algo parecido, muito parecido.

Não agora. Na próxima semana. A equipe econômica anunciada. O capitalismo estará salvo. Personagens comensais da elite do dinheiro estarão sobre o comando da fazenda nacional, do planejamento estratégico e do banco central. Todos os lobbies para fazer “a” ou “b” agora se calam e se sujeitarão às forças “indicadoras” dos seus prepostos. Acrescente-se um Ministério da Saúde que se estreitará ainda mais com o “mercado” do Planos Privados de Saúde, uma educação superior com o PROUNI, saídas para fundir-se na mesma lógica fiscal o público e o privado.

E temos o escândalo da Petrobrás que vai mexer em dóis ícones da sociedade nacional: a mídia e as empreiteiras. A sequência de escândalos é o atendimento de reinvindicações estrangeiras para que o mercado se abra para empresas destes setores. Com todo mundo sendo pego no flagrante da mamata no Tesouro agora é que os “interesses nacionais” receberão de fato a concorrência internacional. Aliás a TV a Cabo já está dando conta do recado. O inglês domina os programas infantis. Até personagens com o nome de ROSE são escandidos num forçado sotaque.

 Assim o PT afinal chega aos termos da modernidade capitalista. Real. Tendo que atender à demanda de uma sociedade cada vez mais sofisticada. Com expectativas mais elevadas. Seguindo o modelo de outras sociedades que já chegaram por lá. E agora vamos gozar as benesses do tempo prometido e jamais cumprido, que é viver plenamente os sabores de um capitalismo avançado.

E avançado de tal maneira que logo mostrará o contraditório de seu espírito animal. Da busca incessante pelo lucro e acumulação. Onde os direitos trabalhistas estarão sob ataque. Pela terra feita de uma realidade afinal pronta e acabada, onde ilusões não serão mais cabíveis, onde o futuro não estará lá para nos entreter. Estaremos todos vivendo às margens do “Muro de Berlim” aquele que separa com pedras e armas a divisão entre pobres e ricos.

A realidade do capitalismo, afinal pronta, é a senha teórica da luta política pela superação do muro, para a luta pelo socialismo. E pensar que tanta gente, achava que votar na Dilma e não em Aécio, também era uma aposta do avançar, ao invés dos acordões da velha sociedade brasileira. Acontece que o reacionário brasileiro sempre teve esta característica anticapitalista. Armínio Fraga, que Aécio embandeirou, não passa da velha elite privilegiada, que precisa aplicar seus capitais em rentáveis negócios, anticapitalismo financista.  

Afluentes e efluentes do grande e estagnado lago do latifúndio, do emprego estatal, do clero patrimonialista, das forças armadas, da exploração infinita dos pobres e de uma tradição fortemente atrelada à memória escravagista, os reacionários têm horror à evolução capitalista. Isso não é contraditório, nem apenas brasileiro, toda a América Latina, setores atrasados nos grandes centros capitalistas, na África e na Ásia. É a luta entre o século XIX e o século XXI. Aliás certas bandeiras e argumentos são tão arcaicos que lembram a idade média com sua monocracia coroada.

E ao falar de anacronismo, não se tenha por certo uma ação política absolutamente irracional. Este reacionarismo brasileiro sabe pegar as mais avançadas bandeiras do capitalismo para consolidar a grossa capa oxidada de sua realidade. O liberalismo é uma teoria capitalista da primeira ordem. Uma dinâmica em que tudo seria virtuoso (sabemos que não) no mais avançado que se pensou para esta. No entanto, o neoliberalismo é mais anticapitalista das práticas reacionárias. Com ela os privilégios se tornam inamovíveis. Eternidade é o desejo de toda doutrina em processo de mortalidade.

Vejam agora as bandeiras neofacistas pelas ruas das capitais. Agora o neoliberalismo brasileiro, “aeciano”, “fernandohenriquiano”, do além, muito além de tenebrosas negociações, não pode mais se travestir de luta capitalista. Não precisa o PT, o PSB e tantos tributários mais, já o fazem com mais vigor e mais senso de oportunidade. Resta agora, a “face negra” deste neoliberalismo adotando a bandeira do privilégio de classe com as capas das revistas Veja e “outras mumunhas mais”, do mais atrasado que o atraso paulista já conseguiu formular em matéria de pensamento.

Por isso tudo, Dilma e o PT prometem o capitalismo pleno. É a vez dele. Com suas virtuosidades inclusivas até os limites impostos pela acumulação. E como esta acumulação que cria o “Muro de Berlim”, já está em curso, agora é o início da formulação de suas contradições e superação de suas incapacidades. A grande materialidade da luta pela solidariedade humana, pela racionalidade evolutiva, pelo progresso redistributivo, pelo socialismo. 


  

Você é Linda! - José do Vale Pinheiro Feitosa



Em qual hélice do meu cromossoma, teu hálito se alojou feito um vírus? Que se reproduz a cada vez que os dias nascem como o novo.

Pergunto por que o dourado nascente é a cor que diz eternidade até sangrar de saudade de ti, no entardecer deste eterno renovar-se. E, serenamente, sentindo a brisa de Paracuru, com as notas das marés, chamando pelo brilho das primeiras estrelas.

Você é linda. Não por apenas ser este raio do amanhecer. É por todas as constelações desta infinidade que supera o design do meu consumo conspícuo. É linda além de muito bela. Além dos limites. Amada.

E se os olhos não constam, teus odores amanhecem o prazer. Os ouvidos despertam com os sentidos de te escutar. As pontas dos dedos incendeiam tramas infinitas ao toque de tua pele.  

E nas praias desertas. Plenas de toda a universalidade, a paralaxe zero entre o sol e o teu corpo. Tudo é equilíbrio, harmonia, unidade na identidade inseparável deste momento em que sou, apenas, a parte observadora.

Tudo é tão claro. Tão limpo. Tão dourado infiltrado de azul. De nuvens garças, que flutuam como acréscimos de uma inspiração agradável, de todo o conteúdo das estrelas, dos céus, do mar e da terra.


Suavemente. Lentamente. Como se nunca houvesse termo. Fim. Saudade. 

Casa de Caboclo - José do Vale Pinheiro Feitosa



Sabe aquele abandono? Perdido no ermo de toda a nossa história? De séculos rurais que fizeram os dias até as horas de ontem? Havia um canto, uma poesia, uma pintura.  

Havia a viola. A valsinha brasileira. A modinha. A trama de terras, de paixões e traições. Do perdido na imensidão dos sertões, entre serranias e vales, entre veredas e matas fechadas.

Havia um quê de brasileiro. Mesmo cruel e afastado de todas as luzes que se acendiam nas terras europeias. Mas é que as luzes se acendiam pelos braços que aqui plantavam, que aqui transportavam. A Europa se acendia e o entardecer escurecia na varanda com cheirinho de cambucá.

Um caminho e tua casa de caboclo, no quintal o sabiá roubava o dom da ninfa eco. A mata era a caixa de ressonância da vida e de todos os mistérios. Nesta casa o desejo era como qualquer desenho de nossa cena.

No entanto, todos os desejos eram colimados num único raio. Das poucas almas dispersas naquele vasto mundo. Sem muitas opções, todas as opções se multiplicam numa só alma. Num só corpo.

Era ela e não mais ninguém. Na casa de caboclo, a única esperança do futuro em apenas um nome. Tão substantivo como as serras, o luar, a passarada, a corrida da seriema no capinzal daquelas terras altas tão distantes do terreiro de casa.

Da janela onde dois corpos se amavam aos olhares amargurados daquele desgraçado ausente. E naquele olhar se fez um hiato, onde antes fora um ditongo. Uma lâmina perfurante assentando duas cruzes entrelaçadas. 
  
As cruzes da vida rural e da modinha sertaneja. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

NUNCA SE ROUBOU TÃO POUCO (Ricardo Semler)

Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.

Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito. Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula. Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos “cochons des dix pour cent”, os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.

Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão –
CEM VEZES MAIS DO QUE O CASO PETROBRÁS -  pelos empresários?

Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?

Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.

Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.

É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, N
UNCA A POLÍCIA FEDERAL TERIA AUTONOMIA para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.

Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.

A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas. O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.

É lógico que a defesa desses executivos presos
vai entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.

A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.

Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.

CADA UM DE NÓS TEM UM DEDÃO NA LAMA. AFINAL, QUEM DE NÓS NÃO ACEITOU UM PAGAMENTO SEM RECIBO PARA MÉDICO, DEU UMA CERVEJINHA PARA UM GUARDA OU PASSOU ESCRITURA DE CASA POR UM VALOR MENOR ? 

Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido. O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Lições de Abismo (Gustavo Corção), por Antônio Olinto.


 lições

Dos romances publicados no Brasil no século passado, poucos atingiram a pungência de “Lições de abismo”, de Gustavo Corção, livro filiado à linha de Cornélio Pena, Lúcio Cardoso e Adonias Filho, cultores de uma ficção que se apega aos acontecimentos internos de uma vida, à essência mesma do que acontece a seres humanos, atendo-se ao significado maior da realidade de um momento, ao redor da qual possam estar gravitando pequenos pedaços de uma realidade maior.

Muitas vezes reclamei e fiz apelos no sentido de romances como “Lições de abismo”, de Gustavo Corção, e “A menina morta”, de Cornélio Pena, serem reeditados de modo que a publicação, agora, do primeiro desses romances, me dá uma sensação de vitória na luta em que todos os que lidamos em favor da literatura do País, quando conseguimos retirar do esquecimento uma obra que fala por nós e por nosso tempo.

“Lições de abismo” é um livro diferente na ficção brasileira. Quando muito estaria na linha da fracassada tentativa de romance de Jackson de Figueiredo em “Aevum”. Mas onde este fracassou, Gustavo Corção venceu.

A história é a do homem que-sabe-que-vai-morrer e que tenta, antes da morte, desatar a trama da vida, encontrar-lhe um sentido e descobrir uma justificativa para o próprio desaparecimento. Assim, sendo o seu um romance de amor e de morte, nele o amor chega realmente a fronteiras da morte. A mulher é o supremo bem. Diante dela, o resto desaparece.

Logo no começo de “Lições de abismo”, descobre o narrador uma verdade que ele sintetiza nestas palavras: “O amor e a morte não precisam de muito espaço”. Toda casa é demasiadamente grande para o amor. Pode ter quatro quartos, salas enormes, nada disto é necessário. O que vale é aquele pequeno espaço em que o amor acontece.

Curioso é o destino de livros escritos na mesma época, de autores diferentes e com assuntos parecidos. Há correntes de pensamento e de emoção que atravessam vários homens, fazendo-os reagirem de forma idêntica diante de problemas do tempo que são, na realidade, os mesmos problemas de todos os tempos. Num dezembro saiu na Inglaterra um romance de Graham Greene, “The end of the affair”.

No mesmo dezembro saiu no Brasil o romance de Gustavo Corção, “Lições de abismo”. Os dois romances haviam sido escritos no começo dos anos 50. O escritor inglês colocava em seu livro um triângulo amoroso angustiado. Em ambos, o tema do amor se mistura ao da morte. A orientação essencial da vida era, nos dois, a mesma. Tanto Graham Greene como Gustavo Corção eram católicos. É também significativo que em nenhum dos dois livros haja uma prova evidente desse catolicismo.

No livro de Greene, a história é também de ódio a Deus. Deus era o rival, Deus era “o” outro. Reconvertendo-se, a mulher abandona o homem por causa de Deus. Em “Lições de abismo”, Deus não aparece. Ou melhor, mais do que no livro de Greene, Deus é ali a grande presença de uma ausência. O drama do “outro”, abandonado pela mulher que volta ao marido, numa espécie de traição à traição, faz, do amante esquecido, o que se poderia chamar de vítima fácil de Deus. O homem, solto, em estado receptivo, torna-se terreno propício para as sementes de uma fé religiosa.

O José Maria de “Lições de abismo” vive sob os dois signos do amor e da morte. Seu amor é frustrado, desesperado, orgulhoso e violento. E a morte, que se aproxima, dá um estranho realce a esse amor ou ao que ele poderia ter sido. Nas páginas de evocação da figura de Eunice, atinge Gustavo Corção culminâncias não muito comuns na literatura brasileira. Quando José Maria acompanha Eunice pelas ruas do Rio de Janeiro, as considerações, que faz, sobre a mulher em geral, são comparáveis às de Proust, ao falar de Odette.

Aquela figura feminina, que passa na calçada, arrastando olhares, desejos, convicções, filosofias, tem uma realidade que supera as palavras. Nessas páginas, o amor e a morte se mesclam numa só coisa, imponderavelmente ligada ao destino do homem que-sabe-que-vai-morrer.

Contrariando o que parecia ser a tendência indicada pelo romance, o homem não chega a Deus. O que se poderia esperar não acontece. Deus continua sendo mistério. Ou melhor, repetindo o que se disse de Greene, Deus é ali a grande presença de uma ausência. Gustavo Corção detém-se antes do momento decisivo, deixa o homem em contato com a morte, com toda a receptividade do que está além, mas sem o gesto final. A rendição do pensamento é prenunciada, adivinhada, mas não declarada.

“Lições de abismo” revela aspectos da alma das gentes de tal maneira que suas palavras podem causar espanto. O motivo dessa conquista, que conquista é, vem do fato de, antes de tentar a ficção, haver Gustavo Corção mostrado ser um dos melhores ensaístas do Brasil. Seus livros anteriores – “A descoberta do outro” e “Três alqueires e uma vaca” – haviam apresentado um estilo ensaístico novo no país. Em “Lições de abismo”, não abandonou Corção de todo o ensaio, tendo conseguido essa difícil junção de duas atividades: escrever um ensaio transformado em boa ficção – e escrever um romance com toda a técnica do ensaio embutida nos acontecimentos que narra.

No fundo, o que o escritor Gustavo Corção buscava era um sentido para a vida. Existe nele o mesmo pavor do Nada que nos atinge a todos, juntamente com o espanto. Assim, “Lições de abismo” pode ser compreendido como um hino à vida e ao mesmo tempo um estudo sobre a paixão que vem de dentro e nos torna gente.


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 22/02/2005

Fonte: ABL

Cearense de escola pública acerta 95% do ENEM

João Vitor dos Santos, 16, acertou 172 questões das 180 do Enem. O estudante do 2º ano de uma escola pública quer cursar Ciências Biológicas
Ver João Vitor falar sobre a recente conquista é assistir à luta entre a timidez do garoto mais acostumado aos livros do que a grandes conversas e o orgulho de quem está vendo o esforço recompensado. O número da vitória é de impressionar: João Vitor acertou 172 questões das 180 que compõem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O equivalente a 95,5% de acertos. Mas João Vitor Claudiano dos Santos, 16, aluno do 2º ano da Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra, ainda não consegue mensurar o significado do feito.
O menino agora espera o resultado oficial, que deve sair em janeiro de 2015, mas, em um comparativo, João Vitor ultrapassou os 164 acertos da estudante mineira Mariana Drummond, que conquistou o primeiro lugar no Enem 2013. A nota final ainda depende do desempenho na Redação, que João acredita ter sido a mais difícil das avaliações.
“Sempre ouvi falar da dificuldade que é o Enem e tinha medo. Mas quando vi, sinceramente, achei muito fácil. Quando corrigi pelo gabarito, não fiquei assustado, apenas lamentei pelas oito (questões erradas)”, diz com a simplicidade de quem dormia em média quatro horas por dia para garantir o bom desempenho, que ele credita também ao apoio recebido dos professores.
A ficha da biblioteca, lugar preferido de João, já vai na segunda folha e ultrapassa os 40 livros. A leitura assídua é o segredo dele. “O que tem de cansativo no Enem são os textos grandes. Então, minha estratégia foi me adaptar à leitura, ler livros grandes, alguns com linguagem rebuscada”.
João, cujo maior orgulho é ter estudado a vida toda em escola pública, ainda não sabe se irá cursar o 3º ano, mas quer fazer Ciências Biológicas e sonha em viajar para o Reino Unido pelo Ciência Sem Fronteiras. Aos 16 anos, ele tem muito bem traçados os planos da vida. “Sempre me vejo fazendo especialização em bioquímica e biologia molecular. Quero ser pesquisador e estudar o resto da vida”.
Criado pela mãe, a aposentada Ana Maria Santos, morador do bairro Vila União, quarto de cinco irmãos, João será o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Os estudos foram, para ele, a forma de transformar o próprio destino. “Sou um garoto que não conheceu o pai, que sempre sofreu bullying por ser nerd, por causa do cabelo, do sapato, da magreza. O estudo não combateu minha timidez, mas me ajudou a ser feliz”.

Fonte: Blog Conversa Afiada com Paulo Henrique Amorim

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Por Tiago Araripe

Crato internalizado
November 12, 2014
Por Tiago Araripe
Assim como eu, meu mundo interior nasceu no Crato. Não foi um parto rápido. Veio sem pressa e determinou o ritmo em que eu caminharia. Nasceu nos textos que meu avô José de Figueiredo Filho pedia que eu datilografasse, a troco de picolés da sorveteria Bantim. Catando milho numa velha máquina, eu via as palavras marteladas no papel ganharem forma e sentido. E era como se marteladas dentro de mim fossem. Esse mundo nasceu também de uma tarefa demandada algumas vezes pelo meu avô: gravar, num gravador de fita, manifestações de reisados, banda de pífanos e maneiro-pau, sons de uma cultura ancestral e muito rica. Nasceu de uma primeira longa conversa com o amigo Emerson Monteiro na Praça da Sé, onde pude trocar ideias a respeito dos livros que pegava para ler, aleatoriamente, na estante dos meus pais Jósio e Eneida. Surgiu no relacionamento com as primeiras namoradas, naquela mesma praça. Nasceu do entusiasmo de lançar, com Assis Lima e outros amigos, o jornal Vanguarda, impresso na gráfica onde era confeccionado o tradicional periódico da cidade, Ação. Nasceu de uma admiração que nunca arrefeceu por aquela geografia de serra e vale, de nascentes e verdes, de palmeiras e água corrente nas levadas, de rostos que contavam, sem palavras, histórias de vida e de luta de um povo. Nasceu nas cenas que saltavam aos olhos nas telas do Cine Cassino ou dos cinemas Moderno e Educadora, eu driblando porteiros para ver filmes que a censura não permitia. Nasceu de tudo que a imaginação me permitiu viver num centenário sobrado da Praça da Sé, cheio de morcegos e traquinagens compartilhadas com meu irmão Flamínio. (Sobrado que, aliás, já não existe, assim como a casa dos meus avós José e Zuleika, onde nasci, e quase todas as outras onde morei.) Nasceu quando, já estudando no Recife ou morando em São Paulo, pude perceber melhor o universo que era minha cidade, com suas contradições e contrastes que começavam no meu próprio ambiente familiar, na religiosidade da família da minha mãe e na austeridade da família do meu pai. Quando pude dar mais valor a uma diversidade cultural onde cabiam desde os Irmãos Aniceto, remanescentes indígenas dos pés de serra, ao conjunto Ases do Ritmo, dos bailes no Crato Tênis Clube. A vida me conduziu por paisagens urbanas mais densas, onde tudo pede urgência e velocidade. E onde, em curioso contraste, cavalos de força, a despeito de sua potência, pouco se movem, congestionando as pistas. Onde os meios de comunicação dão cada vez mais espaço ao que é de consumo rápido e onde há pouco lugar para exotismos como originalidade. Entretanto, cá dentro de mim, está o Crato. Não é apenas uma memória, saudosismo a que se permite o sexagenário que sou. É uma vivência que colocou em mim respiradouros e horizontes. Isso certamente não é tão amplo quanto os dois séculos e meio desse aniversário tão marcante, mas vale uma vida inteira.    
 
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terça-feira, 18 de novembro de 2014

compartilhando...

Foto Histórica: Casa de força da nascente, final da década de 30 e inicio da de 40, o prefeito do Crato era o senhor Alexandre Arraes de Alencar, como tinha uma visão futurista, resolveu instalar uma usina hidroelétrica na nascente. Importou uma turbina da Inglaterra, gerador e demais componentes necessários à sua instalação.Talvez o Crato tenha sido a primeira cidade do Ceará, a dispor de energia elétrica de origem hidráulica. Em 1938, o Crato já tinha luz elétrica, dia e noite.


 

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Clareira

                                             J. Flávio Vieira



Oremildo Jurema foi eleito com uma votação estupenda em Matozinho. Coisa de deixar o partido contrário de crista caída, mas para baixo que escada magirus de colher maxixe. Sinderval Bandeira ou Bandalheira( como era conhecido por todos) alternava-se no poder municipal, junto com apaniguados, há mais de 20 anos. O tempo , como um cupim inexorável, lhe foi roendo o brilho e a fama; o poder lhe foi proporcionando mais insatisfeitos que correligionários. A ascensão  de Oremildo , até então um nome totalmente desconhecido, apareceu naturalmente, talvez por falta de maiores opções. Montara uma pequena padaria na vila chamada de “Pubas & Manzapes” , progredira com alguma rapidez para os padrões locais e terminara por se candidatar sem muitas pretensões. Percebeu, sem ser necessário folhear nenhum compêndio de psicologia, que Matozinho vivia uma terrível crise de autoestima. A vila fora até anos atrás uma referência em toda região, mas nos últimos quinze anos, vinha perdendo terreno continuamente para Bertioga. Antigo distrito de Matozinho , a localidade tomara um impulso tremendo após o pretenso milagre acontecido, alguns anos atrás, quando se encontrou a milagrosa imagem de N.S. dos Desafogados ,nas enchentes do Rio Paranaporã. A partir daí, foi um não parar de esticar, de crescer tanto populacionalmente como economicamente, com o advento das seguidas romarias a Bertioga.
                        Oremildo montou-se neste banzo da população pelos tempos gloriosos e prometeu o retorno do passado e dos bons momentos da Vila de Matozinho. Não lhe foi difícil tocar a campanha de reabilitação, uma vez que os matozenses associavam a derrocada da vila às sucessivas e desastrosas administrações de Sinderval. Abertas as urnas, a lavagem se mostrou histórica: Oremildo viu-se eleito com mais de setenta por cento dos votos válidos. Votação expressiva, expectativas multiplicadas. A cobrança das promessas feitas em campanha não demoraram a se concretizar. O grande problema é que Oremildo mal tinha condições de administrar a “Pubas & Manzapes” e , achando pouco, viu-se ainda cercado de secretários fracos como caldo de andu. Passada a metade do mandato, não se tinha uma obra de mínima importância para apresentar. A vila regredia a olhos vistos e já parecia apenas um mero dormitório de Bertioga. A língua viperina do povo matozense não parava de tagarelar: essa era a sua única defesa : pinicar o oratório do prefeito.
                        Oremildo pressionado, reagiu como se intuitivamente tivesse incorporado Gobbels: com propaganda. Criou uma grande rede de puxa-sacos e passou a espalhar , por todo canto, histórias da carochinha, numa espécie de pabulagem pública , um deliberado projeto de cagamento de goma. Espalhava que conseguira, em Brasília, verba para construir um estádio, uma quadra coberta, um Centro de Convenções . Apresentava ainda a planta de um Elevador do Açude do Sabugo até o topo da Serra da Jurumenha e a verba, dizia,  já estava garantida. Pegava ainda carona nas obras desenvolvidas na região pelos governos estadual e federal, sem lhes  ter dado, em contrapartida,  um pau pra bater num gato. Os matozenses , de início, até se abestalharam com as novas promessas, mas rápido, como não dá para enganar  todos durante todo tempo, descobriram, fácil, a manobra. Faltava gaze no posto de saúde, merenda escolar para garotada, professores e funcionários viviam com salário atrasado:  a propaganda desvanecia-se frente à dura realidade cotidiana. Todos se perguntavam onde era aquela ilha da fantasia que Oremildo administrava pois desejavam se mudar para lá.
                        Os matozenses passaram a tomar a propaganda descabida dos apaniguados de Oremildo, como mangofa. A irreverência é a última defesa às mãos dos desafortunados. Semana passada, um dos maiores críticos do prefeito, o velho Mané Vieira, chegou na praça da matriz e, estranhamente, passou a criticar todos aqueles que viviam falando do prefeito, um homem bom, cumpridor de promessas e grande administrador. Os amigos das rodinhas de praça estranharam a mudança súbita de Mané. Estaria tresvariando? Estava ficando gagá e conversando arisias ?
                         Uma das maiores promessas de Oremildo na campanha tinha sido a construção de uma estrada ligando Serrinha dos Nicodemos a Matozinho. A obra fazia-se naturalmente difícil pois tinha que varar  toda a Serra da Jurumenha, subindo e descendo, pois Serrinha ficava justamente do outro lado da montanha. Na noite anterior, uma chuva grossa tinha caído na vila e fizera rolar uma grande pedra do topo da serra, ladeira abaixo,  e abrira uma grande clareira na cabeleira da serra, perfeitamente perceptível de Matozinho. Quando se discutia a possível demência do velho Mané Vieira, ele se mostrou mais lúcido do que sempre:
                        --- Povo falador esse de Matozinho ! Vôte ! Oremildo promete, Oremildo cumpre !
                        E,  mostrando  a clareira no alto da serra:

                        --- Ó ali onde já vem apontando a estrada de Serrinha ! Lavem a boca quando forem falar o nome de Oremildo, seus fofoqueiros miseráveis !

Compartilhando uma postagem de Zé Flávio...

Por José Flávio Vieira
 
 
 
 
 
 
 
 
Vira-latas
Há de ficar na memória de todos o fato mais dantesco acontecido nesta XVI Mostra Cariri das Artes. Não bastasse o alijamento planejado e reiterado da... Cidade do Crato das muitas atividades da Mostra ( principalmente em Artes Cênicas), houve o deliberado desrespeito ao mais importante artista caririense : Abidoral Jamacaru. Convidado para show na Refesa , em Crato, no sábado, deram-lhe um pé-na-bunda, sob a justificativa de que a banda iria mexer nos instrumentos do Gabriel, o impensável. O público de Abidoral ficou lá a ver navios. É bom lembrar que o show do Impensável, nem estava agendado na programação oficial e só começou às 23 horas ( com um palco intocado). A Mostra, então, sem dar quaisquer explicações ao público presente e ao artista, remarcou o show para ontem, no encerramento em Juazeiro, junto com o do Tiago Abravanel. Abidoral e banda lá chegaram às 16 horas, nem lhes permitiram uma passagem de som. Às 20 H começou o show do Abidoral, com seu público fiel presente. Mal tinham iniciado a terceira música ( eram 13 as ensaiadas) , alguém da produção mandou cancelar tudo, pois já iria começar o show do Tiago Abravanel. O público ficou estarrecido. Apupos surgiram de tudo quanto é lado num coro forte e inconfundível : “Respeitem o Cariri!”. Ficam muitas perguntas que se negam a calar : É justo convidar alguém para o baile , simplesmente para estuprá-lo, publicamente ? Um dos objetivos da Mostra não era acabar com o colonialismo cultural, aproximando artistas e tendências ? Não já era suficiente imolar a cidade do Crato, alijando-a da Mostra, precisava sacrificar também os artistas locais ? Por incrível que possa parecer, nos casos específicos de Gabriel e Abravanel, nenhum dos dois tinha mais direito de pisar no palco do que aquele que foi tangido dali como um vira-lata. Nos dois casos, naquele palco só existia um artista e ele se chamava ( pasmem todos os Mostruários que não sabem o que fazem) : Abidoral Jamacaru.



Texto de José Flávio Vieira

 

domingo, 16 de novembro de 2014

Quem não possui talentos? - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

"O homem que trabalha faz a terra produzir, o trabalho multiplica os dons, que iremos repartir."
  
Ter talento é possuir algo muito parecido com os dons, porém com uma diferença substancial. Dons são capacidades inatas que todos nós possuímos para realização de certas tarefas. Algumas pessoas com maior facilidade do que outras. Como tão bem definiu São Paulo: "Há diversidade de dons, mas um só é o Espírito." (1Cor,12,4)  Uns dominam a matemática com muita facilidade, outros possuem o dom da palavra, fazem discurso eloquentes ou são possuidores de boa redação. Há os que têm o dom de elaborar projetos, enquanto outros receberam como dom o domínio da música. São capazes de tocar instrumentos musicais, mesmo sem o conhecimento da teoria. Salve o grande dom da poesia com o qual foi dotado o saudoso Patativa do Assaré, humilde camponês, mas dono de uma admirável cultura, apesar de seu aprendizado escolar não ter ido além da Cartilha de Felisberto de  Carvalho. São tantas as atividades com as quais nos defrontamos, que para uns são mais fáceis e para outros muito mais complexas. Depende portanto dos dons com os quais cada um de nós fomos agraciados.

Já o talento é um gosto especial para alcançarmos determinados objetivos, independente de possuirmos alguma herança genética para tal. Talentos são portanto, atributos que podem ser desenvolvidos e aperfeiçoados pelo treinamento e muita perseverança. Poderá também ser entendido como a capacidade de colocar à serviço os dons de que cada um nós dispomos.
  
O termo "talento" da forma que hoje o usamos, teve origem na mensagem evangélica conhecida por "Parábola dos Talentos". Narra o evangelista Mateus que um rico proprietário empreenderia uma longa viagem e, portanto confiou os seus bens a seus empregados, tudo "de acordo com a capacidade de cada um". Ao primeiro entregou cinco talentos, a outro dois e apenas um talento ao terceiro. Em seguida viajou para o estrangeiro.

Depois de algum tempo, o patrão voltou e foi ajustar contas com seus empregados. Aquele que recebeu cinco talentos, trabalhou e entregou-lhe mais cinco que havia lucrado. O patrão o elogiou: "Empregado bom, e como foi fiel na administração de tão pouco, eu lhe entregarei muito mais". O que recebera dois talentos, da mesma forma recebeu idênticos elogios do patrão; mas aquele que recebeu apenas um talento, disse: "Senhor, eu sei que és um homem severo pois colhes onde não plantastes e recolhes de onde não  semeaste. Por isso, fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence". O patrão lhe respondeu que se aquele empregado o julgava tão cruel ele deveria ter depositado o dinheiro no banco, para que rendesse com juros. Em seguida ordenou: "Tirem dele o que tem e dêem ao que tem mais. Porque, a todo aquele que tem, será dado mais e terá em abundância. Mas daquele que não tem, tudo lhe será tirado. Quanto a esse empregado inútil, joguem-no lá fora, na escuridão, onde haverá choro e ranger de dentes".

Quem é esse proprietário que distribui os seus bens (talentos) com os empregados, para depois cobrar de cada um o que realizou com eles? Provavelmente ele conhece profundamente seus empregados, pois distribuiu os bens de "acordo com a capacidade de cada um." E não foi pouco o bem confiado. Segundo estudos históricos, a moeda de um talento equivalia aproximadamente a 34kg de ouro. Assim sendo, ninguém poderia reclamar que recebeu pouco.

Resumindo: a parábola nos ensina que Deus, o proprietário, confiou a cada um de nós os seus bens, que são nossos talentos de acordo com as nossas limitações ou seja: conforme nossa capacidade de colocá-los a serviço da construção do Reino. E o Reino de Deus é uma sociedade pautada pelo respeito à vida, onde haja justiça, liberdade e paz. Conforme tão bem afirmava o teólogo alemão Bernhard Häring: "Se não nos convertermos profundamente a favor da paz, da justiça e da nossa responsabilidade com a criação, não haverá futuro".

Se enterrarmos nossos talentos e não contribuirmos com a construção do Reino, correremos o risco de sermos lançados na "escuridão" onde haverá "choro e ranger de dentes". Melhor traduzindo: correremos o risco de vivermos uma vida sem sentido.

Por outro lado, poderemos interpretar a parábola como as injustiças praticadas por um sistema político-econômico de opressão, que escraviza e sobrecarrega os mais humildes, isto é: os trabalhadores, enquanto os proprietários gozam de privilégios, passeando despreocupadamente. 

De nada adiantará lamentações do tipo: a vida é dura, não tenho tempo e por isso nada poderei fazer. Ou não sei nada, não tenho condições para desempenhar tais tarefas; por isso não poderei fazê-las. Como tão bem nos assegura a sabedoria popular: "Deus nos dá o frio, conforme o cobertor". Isto é, nenhuma missão que Ele nos confia é superior à nossa capacidade de realização, que são nossas aptidões, ou seja, a vontade de realizar; nossos talentos.

É sempre bom lembrar a frase atribuída a Albert Einstein, que ouvi certa vez de um amigo: "Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos.  Fazer ou não fazer algo só depende de nossa vontade e perseverança". Ou seja, de nossos talentos.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Por Rejane Gonçalves

Foi-se embora MANOEL DE BARROS. O barqueiro transportou nosso poeta para o outro lado do rio. Agora ele nos acena da margem de lá. Até mais, poeta, vamos sentir muito sua falta, a saudade será imensa, sem medida, desarvorada, sem ter onde caiba. Soube que esse homem que conduz o barco está morto de cansaço, por demais fatigado, convenhamos, não é brincadeira a vida nesse ir e vir contínuo, infindo. Tenho uma coisa para pedir a você, meu poeta: qualquer dias desses, como quem não quer nada, como quem se perdeu no caminho, aproxime-se do barqueiro e, antes que ele de todo se ponha a navegar, lhe recite um poema. O barqueiro ficará hipnotizado. E nós, por algum tempo, sem travessia.
Espero que você me atenda, Manoel. Um abraço desses bem acochado - de quem muito lhe ama.
rejane gonçalves.
 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

De Paris a Roma a pé: - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Imagine se você, caro leitor, teria coragem de fazer uma viagem do Crato até Belém do Pará andando a pé os 1480 km de distância, sem aceitar carona, dormindo debaixo de barracas de lona, sobre esteiras ou colchonetes às margens das rodovias, ou em hotelzinhos de beira de estrada ou ainda em casas religiosas, se por acaso existissem? E se você tivesse 75 anos de idade, mesmo assim se arriscaria a tamanha aventura? Nem mesmo se tivesse uma causa tão importante que o motivasse para realizar tal jornada? Seria algum protesto de grande porte que chamasse a atenção da opinião pública mundial? Pois saibam todos, que uma distância um pouquinho maior do que essa foi percorrida pelo sacerdote redentorista francês, Padre Henry-Marie Le Bouriscaud,  quando ele tinha a idade de 75 anos. Ele viajou 1507 km à pé de Paris até Roma para apresentar ao Papa João Paulo II seus protestos sobre a forma como a Igreja Católica enfrentava as questões vitais para o cristão de hoje. Para o teólogo alemão Bernhard Häring, "Henry teve a coragem de se por a caminho, porque estava convencido de possuir dentro de si uma mensagem que devia transmitir aos outros, a mensagem da liberdade e da felicidade criadora." O próprio padre Henry escreve na abertura de seu livro: "PARIS-ROMA, 1500km a pé". "Meter-se na aventura de percorrer a pé 1500km, de Paris a Roma pelas perigosas auto-estradas nacionais, não foi fruto de entusiasmo irrefletido de um septuagenário, mas o fecho de ouro de uma longa caminhada pessoal." Para ele, essa decisão não foi um ato individual, mas algo repleto de reciprocidade, pois jovens e idosos reagiram à essa sua idéia.

O Padre Henry foi ordenado sacerdote aos vinte e seis anos, tendo iniciado sua vida sacerdotal no Seminário Redentorista de Paris, como professor e missionário. Logo percebeu que ele tinha tudo em sua vida, nada lhe faltava. Boa alimentação, um leito confortável, bons agasalhos, bem diferente daquilo que Jesus Cristo viveu e que milhões de pobres no mundo atual vivem. Então decidiu sair de sua zona de conforto e morar no meio dos pobres, em barracas junto a milhares de imigrantes portugueses. 

Após conhecer Abbé Pierre, como era mais conhecido entre os pobres da França o frade capuchinho Henri Antoine Groués, fundador do Movimento Emaús, o Padre Henri entrou para a comunidade como simples companheiro de rua. Em 1972 fundou o Movimento Emaús Liberdade, em Charenton-Paris. Em seguida não se acomodou. Levou a idéia do Movimento Emaús a outros países, inclusive o Brasil. Em Fortaleza existe em pelo menos cinco bairros pobres: Pirambu, Vila-Velha, Jereissati I -Maracanaú e Pajuçara. Para quem não conhece o Movimento Emaús, ele funciona como uma espécie de cooperativa, que recebe doações de móveis usados, eletrodomésticos defeituosos e outros artigos inservíveis, que após recuperados, reformulados, são vendidos nos bazares do movimento. É fonte de emprego e renda para os participantes, uma forma concreta de retirá-los da miséria absoluta.  

A Viagem do Padre Henry de Paris a Roma durou três meses e oito dias. Partiu da praça de Notre Dame, em 15 de junho de 1995. Para sua surpresa, Jürgen Falkenberg, um jovem alemão, que o conhecia do Movimento Emaús resolveu acompanhá-lo, pois temia que ele partisse sozinho, sem experiências de caminhada pelas auto-estradas francesas, pelas travessias de túneis cheios de curvas, alguns deles com mais de 20km de extensão. Todo o percurso teve um roteiro previamente preparado, contendo a distância a ser percorrida a cada dia, algo entre 15 e 20km, dias de repouso semanal, lugares para pernoites e alimentação, que era preparada pelos próprios viajantes. A chegada em Roma se deu a 23 de setembro de 1995, três meses de uma longa caminhada.

Infelizmente, ele não pode ser recebido pelo Papa, que partiria no dia seguinte em viagem a Nova Iorque. Então solicitou ao seu compatriota, o Cardeal Etchegaray, vice-decano do Colégio Cardinalício, para entregar ao Papa João Paulo II uma carta com críticas e sugestões, tudo o que ele sentia. Entre os principais pontos: o excesso de gastos que os países pobres realizavam com as viagens e a segurança em torno do Papa, a condenação que o pontificado dedicou à Teologia da Libertação, citando entre outros, o teólogo brasileiro Leonardo Boff. Também tratou de temas polêmicos como a abolição do celibato para os padres, ordenação de casais e também das mulheres, entre tantos outros, ainda hoje uma esperança de serem postos em prática por reformas mais profundas.
   
Eu e Magali tivemos a alegria de conhecer o Padre Henry que desde 2009 reside em Fortaleza. Atualmente aos 94 anos, vive com os pobres da Vila Velha, sob os cuidados do advogado Airton Barreto e sua esposa, cristãos autênticos, que deixaram o conforto proporcionado por sua família de classe média, para viver como pobre, entre os pobres do Pirambu e da Vila Velha.    

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Para maiores informações ou aquisição do livro do Padre Henry:
Movimento Emaús Vila Velha
Rua Moraújo, 651 - Jardim Guanabara
CEP  60 346 770 Fortaleza- CE
emausvive@emausvive.org
emausvila@yahoo.com.br

MERENDA na PAPELARIA - José Nilton Mariano Saraiva

Não é necessário possuir nenhum “doutorado” no assunto para se chegar à conclusão que qualquer empresa que pretenda se submeter com sucesso a algum “processo licitatório” junto a órgãos públicos há que atender algumas regrinhas básicas. E dentre estas, duas merecem destaque: que ofereça um preço competitivo (menor preço) e que tenha condições de suprir sem atropelos à demanda para a qual concorre (existência de estoque).

É estranho, pois, que no Crato (na administração passada), o prefeito da cidade haja referendado a decisão da “Comissão de Licitação” da prefeitura da cidade, autorizando a contratação de uma PAPELARIA para fornecer MERENDA para algumas escolas da cidade; afinal, em condições normais PAPELARIAS são estabelecimentos comerciais especializados na venda de artigos de papel e de outros produtos similares (caderno, lápis, borracha e por aí vai). Como passivamente imaginá-los vendendo produtos não compatíveis com o ramo, dentre os quais “OVO TIPO MARROM, SAL IODADO, RAPADURAS E MISTURA PARA MINGAU” ??? Muito estranho, não ???

Pois bem, sem nenhum constrangimento e até aparentando certa despreocupação, a proprietária da PAPELARIA à qual empresta o nome (Cícera da Silva) admitiu que “vendia uma merendinha aqui e acolá” até porque “EU NÃO TENHO ESTOQUE, NÉ ???”. E conclui: “então a gente comprava e entregava” (um dos contratos que a PAPELARIA de Cícera firmou com a prefeitura do Crato orçava R$ 343 mil).

Mas, como “pimenta nos olhos dos outros é refresco”, o marido de Cícera da Silva, senhor Eduardo Ferreira, montou uma outra empresa que embora não aparente características para venda de varejo de alimentos, a “E.V.Ferreira”, também firmou contrato para fornecer MERENDA ESCOLAR à prefeitura do Crato, num valor superior ao da firma da esposa: R$ 886 mil. Juntando os dois contratos, o felizardo casal teria abocanhado R$ 1.229.000,00 do dinheiro público. E numa demonstração de pouco caso ou mesmo gozação para com todos nós, Cícera da Silva teria afirmado que... “A GENTE GANHA QUE DÁ PARA SOBREVIVER, NÉ ???”.

Como a denúncia foi veiculada em horário nobre, num programa que é visto em todo o mundo (o “Fantástico”, da Rede Globo) bem que o  Ministério Público Federal e a Polícia Federal poderiam convocar os principais atores de tamanha excrescência - o ex-prefeito da cidade, os integrantes da “Comissão de Licitação” da prefeitura e os felizes proprietários das duas lojas - para uma conversa séria e esclarecedora sobre (quem sabe, até mesmo conseguindo uma autorização judicial para quebrar o sigilo bancário e telefônico de todos eles).

Na oportunidade, de bom alvitre seria convocar também o atual prefeito da cidade, a fim de esclarecer se o distinto casal dono da PAPELARIA continua a fornecer MERENDA para as escolas municipais.

Até porque, se forem comprovadas as tais denúncias veiculadas pela Globo, estaremos diante de um irrecorrível e sério caso de “improbidade administrativa” (desvio de dinheiro público) merecedor, pois, de punição rigorosa e exemplar. Mas, se ao contrário, restar comprovado não ter havido nenhuma irregularidade, os citados terão a oportunidade de desmentir tudo, limpar o nome e acionar judicialmente a emissora global.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

VELA - Aloísio


VELA

Ela é luz e vejo o pano
Levando os desenganos
Lembro meus vinte anos.

Os ventos estão soprando
Levando o barco a vela
E a vela que vai clareando.

Encontro um porto seguro
Depois da queda do muro
A vela me tira do escuro.

A vela clareia a vida
A vela leva o barco
Quem vela por mim?

Aloísio
11/11/2014