A minha alma canta e eu vejo o Rio de Janeiro. Estou morrendo
de saudade, faz um domingo lindo, o sol é magnífico e a festa,
universal. Saio do Cosme Velho e chego ao centro. Paro em frente à
Academia, relembro patronos e colegas. 
    
      Como aceitar o suicídio do Pompéia?  Ele escreveu o Ateneu,
foi abolicionista e lutou pela república. Ainda era ainda moço e
forte. Um Natal, um tiro no coração, silêncio e nunca mais. E o
Gonçalves Dias? Tragado pelas ondas invejosas e não podendo dormir
no chão amado, deixou a Canção do Exílio em todos nós.
    
      Um dia, Castro Alves me procurou, recomendado pelo Alencar.
Deu-me imensa alegria conhecer o poeta e sentir a força do gênio
que iria cantar a liberdade, enfrentando a injustiça e a escravidão.
Aliás, 13 de maio de 1888, um domingo, foi o único delírio popular
de que me lembro de ter visto.
    
      Agora é moda falar mal do Alencar, mas ele fez um retrato do
Brasil como ninguém mais. Eu, quase um adolescente, o conheci de
perto. Nesse tempo ele ainda ria. Depois, escrevi o prefácio de
Iracema e me convenci de que nem tudo passa sobre a terra.
José de Alencar é o meu patrono e a banalidade da morte jamais
apagará aquele sol.
    
      Olho essa estátua, recordo as palavras de Nabuco na sessão
inaugural da Academia e as do Ruy Barbosa quando parti desse chão.
Gostei muito do discurso do Ruy, mas, ao contrário de Nabuco, não
éramos íntimos, tínhamos temperamentos diferentes, faltou-nos a
prática necessária à amizade.
    
      Não encontro a Livraria Garnier e na Rua do Ouvidor a
confusão é geral. Sigo adiante, me emociono com um bater de sinos,
a igreja da Glória me faz menino outra vez, mas a praia do Flamengo
mudou demais. Muito mar e muito tempo, mar revolto, suicídio do
Escobar... No calçadão, muita gente andando com cachorros. Aqui,
Quincas Borba retomaria fumos de fidalgo e correria feliz.
    
      Marcela e Virgília, Sofia e Flora, Sancha e Fidélia... Elas
não eram para um tipo ciumento e permita-me cantar minhas saudades.
Em direção à Ipanema, uma garota me lembrou Capitu. Não tirei os
olhos dos seus quatorze anos, meu coração agitado, tempo infinito e
breve até Carolina restituir-me o equilíbrio e a paz.
    
      Saudades de mim mesmo... Rio de ontem e de sempre, lembranças
e fantasias de um bruxo, ex-interno da Casa Verde, paciente do Simão
Bacamarte. Dizem que Memórias Póstumas de Brás Cubas é um
dos livros prediletos do Woody Allen, mas até hoje eu não
sei se Capitu traiu o Bentinho ou se era ele quem desejava
ardentemente o Escobar. Consultarei a cartomante – cedo ou tarde,
ela descobrirá.
    
      Por fim, lembrei do Astrojildo Pereira. Eu já estava partindo,
quando um rapazinho, dizendo-se grande admirador, ajoelhou-se ao lado
do meu leito, beijou-me a mão e saiu sem se identificar. Tempos
depois ele seria um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil.
Euclides, que presenciou aquela cena, a descreveu numa crônica.
    
      O Natal mudou, a noite caiu de todo e se não me apresso, perco
a Missa do Galo. Ah, quase me esqueço, mas o Mário de Alencar não
era meu filho: não transmiti a ninguém o legado da nossa miséria. 
Dr. Demóstenes Ribeiro (Cardiologista - Fortaleza-CE)