por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 19 de junho de 2014


Minha mãe gostava de borboletas. Se uma delas entrasse lá em casa, ela nos dizia com voz de mando, quase ameaçadora: cuidado, não se espanta borboletas, elas são abençoadas, dão sorte. Minha mãe gostava de todas, mas especialmente de borboletas de asas quase translúcidas, delicadas, de um amarelo pálido. Talvez achasse que não merecíamos uma borboleta assim, feito esta, aí embaixo, harmoniosamente colorida, bordada com tantos desenhos, envolta em vários tons, ou quem sabe fos...se apenas o medo de não saber lidar com uma sorte tão avassaladora, trazida por uma borboleta tão ricamente vestida. Melhor as simplesinhas que entram aqui muito de vez em quando.
Minha mãe deixou-me por herança o gosto pelas borboletas, especialmente as simplesinhas, igual a esta de um amarelo anêmico, quase morto, que voa (agora) a esmo pela minha sala, num voo desgovernado, como se quisesse (mas) não soubesse sair. Faz tempo que a acompanho, meu olho corre de uma lado para o outro muito rápido; dou com ele no teto, pregado na porta, beirando o chão. Estão cansados, meu olho e a borboleta simplesinha. Pensei em espantá-la, em persegui-la de um canto a outro: venha, pequena, o caminho é por aqui. Mas minha mãe me disse que não se tange a sorte, não se espanta borboletas. Estou numa situação terrível, de pés e mãos atados. Se tanjo essa criatura por demais delicada, posso, num gesto desajeitado, despedaçá-la, aniquilar a sorte que ela me traz, além de desobedecer à severa ordem de minha mãe, que já faz muito tempo eu não vejo, ela não mora mais aqui. Por outro lado, se deixo que essas asas descoradas se encarcerem a si mesmas, que sorte posso eu pretender dessa borboleta simplesinha que vai morrer de tanto
voar?
(rejane gonçalves)
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