por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 6 de janeiro de 2013

Tempos paralelos- por Socorro Moreira





Sarita adormeceu com quatro anos de idade. Leite na patinha, cortinado na cama Gerdau, lençol de algodão azulado, cheirando às águas das levadas.
Acordou com a caixa de diazepan faltando uma drágea. Estava zonza, desorientada. Foi até o espelho e viu um rosto de mulher envelhecido, marcado por expressões de dor e conformismo. Seus cachos ficaram lisos, e a pele sem viço. Deveria ter quase um século, pelo visto.
Procurou sinais de uma vida: um álbum de fotografia, um diário, uma agenda de aniversários. E foi retirando das cotoneiras rostos desconhecidos: mulher nova, gata pintada, bonitinha adolescente, tímida menininha. Cadê a foto do baile das debutantes? Do casamento cristão, formatura, batizado do último varão?
Não tinha! Era sozinha.
Onde foram parar os registros dos seus anos?
Olhou a cama de casal vazia. Nenhuma peça masculina cobrando a presença do dono. Onde ele se escondeu, onde estaria?
Na gaveta do armário, brincos descasados, maquiagem vencida, perfume adocicado, nauseante.
Descobriu na  varanda do quarto uma estrela cadente, uma lua sorridente tirando sarro da sua cara.

- Teu sol só chegará na eternidade, sabia?

Amanhã vai colocar cheiro de tinta fresca na casa. Casa com odores de tempos passados.
 Enquanto pensava, vestiu saia, calçou sandália rasteira, com destino ao beco de Pe.Lauro.
 O beco dos doces sapotis, e suspiros de namorados. O beco com nódoas de amoníaco, e fezes de gatos.
As luzes piscavam de todas as praças. Procurou um banco, uma música, um rosto conhecido... Quem sabe o dono do chapéu pendurado no armador da sala, ou do relógio de algibeira, esquecido na penteadeira do quarto?
Fez o pelo sinal na porta da Sé, e deixou esmola pras almas. Voltou pro seu canto, sem contos de reis.
Vai acordar todos os dias lembrando ou esquecida das vidas passadas, entrelaçadas com aquelas do porvir.
Voltou,entrou, fechou a porta de casa, e abriu a porta do sonho.
 Estava lá o engraçado, que lhe assusta com poesias. Nunca lhe promete anel de noivado, nem bodas na eternidade...Que ironia!
Quem é esse moço que Orfeu escolheu para sua companhia?
-Ele é presente de papel passado. Futuro amante. Amigo de verdade ou da verdade?
Nas paralelas tudo acaba unificado, e sem carne.




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