por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Fim do Mundo Decidido da Bocanha - José do Vale Pinheiro Feitosa


Quando a coluna de mercúrio subiu aos 35 graus, as pessoas derretiam perto das onze horas, nas sombras da Praça Siqueira Campos. E este tempo seco que licencia o sol a desidratar os corpos de água, promove a vontade por amenidades e copos de líquidos gelados.

Por isso Alguém que não digo quem aproximou-se do Outro que pingava em suores e comentou:

- Macho vai tudo se derreter. O melhor da noite não baixa a temperatura dos 23 graus e nuvem no céu só se for na desembestada. Até terça feira nem um frescor de pingos de chuva.   

- E nós aqui feito padeiro sem arredar o pé da boca do forno.

O calor evapora e dispersa em gases, mas também é a busca de soluções. Fulano viu Alguém e o Outro e chegou para eles com voz de rebeldia: olhe a primeira siriguela do pé lá de casa! Vamos tomar uma?

O Outro: só se for agora.

Alguém vai além: vamos chamar Sicrano que tem uma camionete de ar condicionado e vamos prá Zé Pajé refrescar a vida. Dito e feito: formaram uma guerrilha de cinco, pois incluíram Beltrano. A guerrilha:  Alguém, Outro, Fulano, Sicrano e Beltrano.

Na latada mesmo do bar na beira da estrada, muitos graus de temperatura a menos além duma brisa que se pensa nasçam nas palmas dos buritis. O primeiro foi Alguém que abriu a enxurrada aos borbotões de uma cerveja tão gelada que a barriga do homem quase congela. Só não congelou porque todos sabem que mulher, dinheiro, futebol e política são discursos gerados no chiado do gás escapado pelo abridor de garrafas.

E as garrafas vazias se deitam ao lado, na areia da latada do bar e o conteúdo deste precioso fermento se destila em grandes descobertas, teorias complexas, exaltações de enrubescer o objeto exaltado e críticas de derrubar a República. De Monarquia não se fala. Ali os cinco são reis. Ninguém é súdito, menos ainda da ordem estabelecida.

Linguiça frita vinda de Granito. Carne assada de bode de Serrita. Farinha da serra em parcimônia para não entupir a sede de cerveja. E imaginem o extremo do sabor na volúpia daquela bem geladinha: uma tripa de porco, crocante, com sal no ponto para virar o dia.

E quem disse que esse mundo é ruim? – abrindo os braços como um pastor aos fiéis, Beltrano sorria de um canto a outro das orelhas.

E foi aí, que a discussão do por do sol se abriu para as incertezas da escuridão da noite. Sicrano foi lembrar que amanhã é o fim do mundo. E as teorias da iminência da fatalidade se multiplicaram em radicalidade assim como o noticiário e os partidos políticos querendo por um aos outros na cadeia.  

Tinha de tudo. Piedosos querendo perdoar as safadezas dos outros se esquecendo de pedir o perdão para as próprias. Os justiceiros querendo o rito sumário para as condenações dos pecadores já imputando habeas corpus para as decisões contra si. E assim se atravessou o argumento dos amigos de Jesus já contando com o conhecimento do merecido respeito ao seu passaporte para o melhor. Naquela altura as garrafas vazias já eram material suficiente para materializar a torre de babel do desencontro temático.

Foi aí que Alguém, que ficara calado ao longo do profícuo debate, abriu a voz e vaticinou.
Eu sou é comunista!

Uma sentença inesperada emudeceu o zoadento debate. Todos esperaram a explicação do grito revolucionário.

Eu sou mesmo é a favor do fim do mundo. Só então toda essa canalha vai entender de igualdade.

Acabei de ouvir a sentença enquanto comprava um pacote de biscoito na bodega em que os cinco se reuniam e corri para relatar antes que a meia noite deste dia 20 de dezembro chegue.   
   

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