por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 18 de abril de 2012


SABER PARAR  - por Maria Lúcia Lee

http://diariodepraticascorporais.wordpress.com/


Tempo

Para flor

E ser      (Foto-haicai: Michela Brígida)



Ninguém mais tem tempo para olhar uma flor, como uma vez disse a artista plástica norte-americana Georgia O’Keefe.

A agitação que sinto nas pessoas hoje em dia me lembra muito um dito popular chinês que define como é fazer muitas coisas ao mesmo tempo: “contemplar flores galopando a cavalo”.

Eu agia assim quando comecei a me dedicar às artes corporais chinesas na década de 80. Queria aprender tudo o que me aparecia pela frente. Treinava o Tai Ji Quan, o Bagua Quan, a Espada Simples e Dupla, Os Oito Brocados de Seda, o Sentar na Calma, a Circulação do Circuito Microcósmico e, como se isso não fosse o suficiente, acompanhava os médicos chineses para aprender acupuntura e massagem, entre outras coisas.

Naquela época, confundia as práticas, não conseguia enxergá-las com uma clareza necessária e sequer tinha tempo para me aprofundar nelas. Era como alguém que galopa rapidamente sem conseguir distinguir as flores do caminho.

Quando me dei conta de que estava sendo gananciosa, limitei minhas atividades. Desde então, venho direcionando o foco do meu trabalho para a pesquisa e o ensino das artes corporais terapêuticas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que é o meu objetivo de vida.

É preciso ter foco. Hoje, em meu treinamento individual, não faço todas as práticas que sei. Escolho as que são mais adequadas de acordo com a minha necessidade. Quando ela muda, eu mudo também os exercícios.

E para treinar junto aos grupos que oriento nos parques, escolho dois ou três métodos corporais da MTC conforme a estação do ano. Nesse caso, o foco é fazer uma atividade em harmonia com a natureza, que mantenha o equilíbrio e a vitalidade dos praticantes.

Assim procuro orientar meu trabalho em meio à grande profusão de métodos e técnicas corporais que existem.

No Ocidente, percebo uma tendência exagerada à criação desmedida de métodos e técnicas. Para mim, isso é motivado pela ganância de se querer mais e mais e provoca uma fragmentação das coisas em muitos nomes específicos.

A respeito disso, o capítulo 32 do Dao De Jing nos adverte que: “quando se começa a dar forma, surgem os nomes. Com os nomes, criam-se existências. Na plenitude da criação, deve-se saber parar. Saber parar evita o perigo”.

O perigo de não saber parar é chegar ao esgotamento e à desintegração, colocando em risco a saúde. Quanto mais coisas queremos fazer ou saber, mais acelerados ficamos internamente. Se não soubermos parar e limitar as nossas atividades, no que diz respeito à saúde, diversas doenças podem nos acometer.

A aceleração interna se caracteriza por um estado de excitação que provoca um aquecimento prejudicial ao organismo. Esse calor interno é chamado na MTC de “fogo falso” e é produzido pelo excesso de atividades, pensamentos e desejos.

Essa sobrecarga provoca uma disfunção do órgão Fígado (elemento madeira), que rege a vontade, e do órgão Coração (elemento Fogo), que rege os pensamentos.

O fogo falso provoca, principalmente, insônia e pesadelos, depressão, distúrbios de digestão, palpitação, ansiedade, entre outros sintomas. O prolongamento desses distúrbios pode gerar doenças mais graves.

O que fazer? Podemos escolher não participar dessa fragmentação vigente. Sair dela e saber parar. Limitar as nossas atividades, procurando ter foco e seletividade.

Além de se reduzir as atividades, devemos repousar, cuidar da alimentação e fazer exercícios apropriados.

Saber repousar não significa ficar muito tempo descansando. Dormir demais, por exemplo, pode desgastar o Qi (sopro vital) em vez de eliminar o cansaço. É importante saber, então, quais os momentos mais adequados do dia para repousar.

Pela MTC, a cada duas horas, a energia está passando por uma determinada víscera ou órgão. O horário da Vesícula Biliar, interligada ao Fígado, é das 23h à 1h da manhã. Para diminuir o excesso da função do Fígado (um dos causadores do “fogo falso”), portanto, é necessário procurar dormir antes das 23h.

O horário do Coração é entre 11h e 13h. Nesse período, para não sobrecarregar o Coração, é bom fechar os olhos e se recolher um pouco, nem que seja por alguns minutos. Podemos também tirar um rápido cochilo.

No horário das 17h às 19h, podemos fazer uma prática relaxante para fortalecer o Rim. Esse órgão, por ser do elemento água, pode auxiliar a refrescar o organismo.

Saber parar e retornar para si mesmo é seguir o Dao. Como diz o capítulo 32 do Dao De Jing, o Dao no mundo é igual às fontes dos vales que retornam para os rios e o mar.

Seguir o Dao é seguir a natureza. Acompanhar o ritmo dela, dormir quando se tem sono, comer quando se tem fome, como se diz também no zen budismo. Estando em sintonia com a natureza, fazemos o que tem de ser feito, nem a mais, nem a menos, apenas dentro de nossas possibilidades.

Isso parece simples, pequeno. Tão pequeno quanto uma flor. Ou como o Dao que, segundo o poema de número 32 “é simples e, embora pequeno, nada abaixo do Céu pode submetê-lo”.

Como disse Georgia O’Keeffe, que se dedicava a pintar pequenas flores, “se você pegar uma flor em sua mão e realmente olhar para ela, é seu mundo por um momento”.

Mantendo o Dao, seguindo a natureza sem ganância para com a vida, “o Céu e a Terra se unem para fazer cair um doce sereno”. E “o povo, sem que se dê ordens, por si mesmo se ordena”.

Para mim, isso quer dizer que somente dessa maneira o universo conspira a favor, ou seja, as coisas que a gente precisa chegam no tempo certo.

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Um comentário:

socorro moreira disse...

Excelente texto!

Salve, minha grande estrela!