por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 3 de abril de 2012

PATATIVA DO ASSARÉ


Texto de Zé do Vale Filho, postado aqui no Azul Sonhado, em que tece associações da temática nordestina no desfile de algumas Escolas de Samba do Rio de Janeiro com Patativa do Assaré, fez aflorar da minha memória a figura do poeta cearense.
Minha ligação com Patativa vem da infância. A casa da minha avó, na João Pessoa, 98,  era seu ponto de apoio no Crato. Chegava nas tardes dos domingos, jantava e ficava até 21/22h conversando no terraço. No dia seguinte, terminada a sua feira, era lá que aguardava transporte para retornar à sua cidade. Tinha o hábito de responder às perguntas de minha mãe sob a forma de poesia, de improviso. Assim, cresci vendo Antônio Gonçalves da Silva declamar no terraço da minha casa. Havia uma ligação de parentesco, pois a avó do poeta era irmã da avó de D. Benigna Arraes, minha avó. Além disto, ele era afilhado de batismo da D. Silvinha de Alencar Arraes, mãe de D. Benigna. Fato de que tinha orgulho.
Seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, saiu da transcrição de cadernos copiados por minha mãe, D. Almina Arraes. D. Almina insistia para Patativa escrever seus poemas, ele sempre prometia, mas não cumpria. Percebendo que a promessa não seria efetivada, minha mãe resolveu copiar em cadernos as declamações que ouvia.  A cena era estranhíssima para mim que achava que “ditado” era tarefa restrita de estudante na escola primária.
Um dia, meu tio avô, José de Alencar Arraes, Chefe da Consultoria Geral da Presidência do BB no Rio de Janeiro, de férias no Crato, leu os cadernos com os trabalhos de poeta. Achou tudo de tanta qualidade que foi à agência do BB em Crato e requisitou um funcionário para datilografar os poemas de Patativa. Por sinal, o Gerente era Moacir Mota, filho de Leonardo Mota, escritor, poeta e folclorista famoso. Tenho lembrança da cena, para mim inusitada, de um estranho engravatado, batendo na máquina o dia todo, com o meu tio sentado ao lado e minha mãe em pé, decifrando uma ou outra palavra.
O tio José Arraes, conhecido na família como Tio Dú, merece um capítulo à parte. Nascido em Araripe, ainda no século XIX, saiu de casa com 16 anos para ganhar a vida. Era o segundo dos sete filhos da madrinha de Patativa. O primeiro era Alexandre Arraes, prefeito do Crato nos anos 40. Tio Dú foi para o interior da Bahia com 16 anos. Trabalhou em um jornal e em um escritório de contabilidade para se manter e custear seus estudos. Aos 18 anos foi para Belém do Pará submeter-se a concurso do BB. Foi gerente em Belém, Manaus, Recife, entre outras cidades, até ser convocado para a Direção Geral. Poliglota, falava oito idiomas. Filólogo de renome, autor de dicionários, gramáticas, com várias obras publicadas.
Foi o tio Dú quem custeou a edição do primeiro livro de Patativa e manteve correspondência com o poeta ao longo de sua vida. O tio lhe remetia, do RJ, livros pelo correio e minha avó Benigna, leitora contumaz, também lhe fornecia muitos livros, pedindo aos parentes que fizessem o mesmo. Patativa apesar da aparência de camponês que de fato era, era leitor voraz, sobretudo de literatura, especialmente de poesia.
Das muitas lembranças que guardo de Patativa, um detalhe sempre me chamou a atenção: o fato dele sempre recusar um quarto que lhe era oferecido para dormir na nossa casa. Preferia pernoitar em uma pensão, na rua do Recreio, quase em frente ao Hospital Manoel de Abreu. A hospedaria, na verdade, era uma latada de uma casa de taipa, com uma porção de redes armadas, uma ao lado da outra. 
Passei mais de dez anos sem ver Patativa. De férias no Crato, resolvi me deslocar até Assaré e fazer-lhe uma visita. Fui acompanhado por minha mãe e minha amiga Lilinda. Ao entrar na sua casa, cumprimentei-o com um Boa Tarde e a pergunta de praxe, “Tudo bom, Patativa?”. Surpreendentemente respondeu com uma pergunta “É Joaquim, de Almina”?  Apesar do longo tempo sem contato, reconheceu minha voz. memória auditiva admirável. Uma curiosidade, embora detentor de memória privilegiadíssima, capaz de gravar mais de mil poemas, não sabia um só número, não conseguia gravar nem o número da casa dele.

Texto dedicado a José do Vale Pinheiro Feitosa.


2 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Joaquim Pinheiro tem um dom que imputo familiar sem, no entanto, deixar de dar a ele este crédito. A memória. Neste texto ele tem uma narrativa completa, não aborda apenas alguns flash. A outra coisa importante em Joaquim: é a natureza objetiva de sua memória. Aliás a memória não existe apenas como um gravador passivo de fatos. A memória tem uma intenção e uma reflexão. Joaquim sempr faz isso. Por último, fico orgulhoso dele me oferecer este texto pois isso tem muito valor e justamente por aquele que é praxe se negar. Joaquim é parte do meu mundo e ao me revelar na sua memória, me põe na dinâmica da nossa cultura. Enfim sou obrigado e dizer: obrigado Joaquim.

Stela disse...

Como já frisei outras vezes, Joaquim é um excelente contador de histórias: texto leve, objetivo, com fluidez. E a memória, meu deus? Bom, Zé do Vale já falou sobre isso, no comentário acima.
Aposto como ele ainda tem mais histórias sobre Patativa.
Vamos lá, Joaquim, conta mais.