por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Ford Bigode 29



Pois é, amigos, como diria Alceu : “Você quer parar o tempo/ O tempo não tem parada”. À medida que os anos vão se sucedendo, vamos tentando inutilmente deter os ponteiros do relógio. Uma vontade danada de diminuir a marcha do carro que segue na estrada escura , inexoravelmente, para a beira do abismo. Como se buscássemos beber na Fonte da Juventude, pomo-nos a tentar puxar o freio a vácuo do trem desembestado: mentimos a idade, pintamos os cabelos, turbinamo-nos com as panacéias da modernidade : o Botox, o Viagra, o Interlace, a Lipo. Alguns tentam , em desespero, métodos pouco ortodoxos : senhoras envergam roupas de adolescentes, cortam o cabelo em pastinha, ressuscitam as minissaias e os decotes profundos. Velhos vestem bermudas de surfista, bonezinho da Nike e tênis de luzinha no salto. Medidas hilárias e muitas vezes ridículas : “O tempo não tem parada”. Muitos buscam diminuir o impacto com eufemismos do tipo : “o que conta é a idade do espírito e não a idade cronológica”. Vá lá que um Ford Bigode 1929 pode estar conservado e novinho em folha, mas jamais deixará de ser um Ford Bigode 29, um carro de colecionador, exposto à curiosidade pública, com peças e acessórios completamente obsoletos. Outros se firmam nos poderes do ditado : “Cavalo velho: capim novo !” Aí se enchem os logradouros públicos de casais esdrúxulos: avô namorando com bisneta, avó cantando : “Ai seu te pego, delícia...” para netinhos. Claro que o amor é possível varar todas as diferenças , inclusive as da idade, mas convenhamos que a freqüência anda bem além da conta ou, melhor dizendo, esta freqüência exacerbada de casais em extremos de idade estão bem além da conta : Bancária.
Já que o Tempo não tem parada, amigos, é importante se ater aos sinais premonitórios. Pois não é fácil de aceitar o inaceitável. O diagnóstico dessa entidade clínica geralmente é dada pelos outros e não pelo próprio padecente. Um professor nosso dizia que velho é aquele que tem pelo menos dez anos a mais que você. Os nonagenários assim acreditam que só pode ser considerado idoso Matusalém, Noé e a nossa querida Tália Márcia de tão saudosa memória. Ai vão alguns sinais e sintomas inequívocos da infalível quebra do Cabo da Boa Esperança, arrancados de quem tem experiência no assunto : Gastar mais na Farmácia que no Supermercado; ser alertado no banco para se dirigir à fila de atendimento prioritário; ter que escolher os alimentos não pelo sabor, mas pela quantidade de colesterol, de carboidratos e sódio da sua composição; ao viajar a nécessaire dos cosméticos ser menor que a dos medicamentos; não suportar essas musiquinhas modernas e reclamar da altura do som; gastar mais com tinta do que o pintor de paredes; ouvir o indefectível som de “A Bênção, vovô(ó)” -- pois a chegada dos netos, também, é um sinal infalível : do topo do seu monte de anos já duas gerações lhe contemplam !
Diagnosticado o problema amigo, não há tratamento conhecido e ,mais, a coisa tende a evoluir. Só existem dois caminhos possíveis. Um deles é negar a enfermidade e , sorrateiramente, procurar formas paliativas de tocar a vida. E aí a sociedade de consumo tem uma infinidade de artigos esperando na prateleira para repor as peças do Ford Bigode 29. Só não vai chegar a uma Ferrari de última geração, mas vale tentar, né ? A outra é entender a inexorabilidade do tempo e que mesmo em direção ao abismo à frente é possível curtir a paisagem ao derredor, conversar com os passageiros e, agora já com tempo de sobra, parar para um banho de bica e para a curtição dos netos, já que a desabalada carreira do veículo não nos possibilitou conviver de perto com os filhos. E mais, entender o dinamismo da existência. Precisamos dirigir o carro olhando para frente e curtindo a paisagem ao lado pois ela nunca mais retornará. De vez em quando, nos será permitido olhar um pouco pelo retrovisor, mas sempre atento à longa e misteriosa estrada que se alonga à nossa frente. Adiante está a morada da morte , mas é ali pertinho que se encontra, também, o palácio da vida. A primavera e o verão passaram com suas flores, seus frutos e seus espinhos. Agora no outono , as árvores nuas se despem de suas folhas , a paisagem no alto já não parece tão bela, mas o caminho está todo atapetado e é sempre possível tecer das folhas um cobertor quentinho para os rigores do inverno que já se avizinha.

J. Flávio Vieira

2 comentários:

Ulisses Germano disse...

Zé Flavio,
Há um tempo atras eu fiz uma música para os Clubes das Terceira Idade de Fortaleza. Era uma marcha carnavalesca, bem animada, saltitante... Fui mostrar para uma tia minha que tinha na época 80 anos, quando cheguei na parte final da música - "a melhor idade/é a idade qu'eu tenho agora..." - ela deu um salto e disse: - A melhor idade é a puta que o...!!! A velhice é uma merda!".
A religião é uma ferramenta importante para suportar esse sofrimento... principalmente a religão que ensina não uma fé cega, mas uma fé racional. De qualquer maneira, quando chega a hora até Cristo suspirou: "Pai, por que me abandonaste!" É uma coisa complicada. Mas pelo que eu sei o velho Buda Gautama morreu dormindo!

jflavio disse...

caro Ulisses,

Jorge Luiz Borges dizia que a velhice é uma infâmia. dificil conviver com as limitações que o tempo nos vai impingindo. a religião pode até ajudar mas precisa ser uma coisa abissal e não de superfície como é tão frequente. Acredito tb que se a pessoa tiver a capacidade de fazer esse mergulho, a religião lhe será totalmente dispensável. sua tia foi muito sincera, acho totalmente descabida essa história de melhor idade, a melhor é a infância , mas velho a gente termina virando criança de novo, né?