Prenhe de emoções, fotografia belíssima, mas com uma narrativa que exige permanente atenção (já que um tanto quanto arrastada e sonolenta), “Cerejeiras em Flor” não é, definitivamente, um filme que empolgue ou se direcione aos mais jovens; longe disso, adapta-se e parece ter sido produzido, sim, visando à velha-guarda, à turma passada na “casca-do-alho”, aos românticos de plantão, aos sessentões da vida.
No princípio, a primeira e impactante bordoada: a modorrenta rotina de um casal de americanos (classe média), já maduros, filhos dispersos no mundo, é quebrada com o recebimento por parte da mulher (Trudi), do duro e apavorante diagnóstico médico sobre um recente “mal-estar” do marido (Rudi): doença incurável, poucos meses de vida.
Sua opção, então, é poupá-lo daquela trapaça do destino, blindá-lo até o limite do possível e aproveitar ao máximo o tempo restante junto ao velho companheiro de guerra, sem que, evidentemente, ele desconfie de nada.
Como conhecer as “cerejeiras em flor” e visitar o “monte Fuji” (no Japão) sempre fora o sonho da sofrida Trudi, a sugestão ao marido de empreender aquela tão esperada (e adiada) viagem para visitar os filhos em Berlim/Alemanha e, principalmente, Tókio/Japão é feita; e, embora recebida sem muita empolgação pelo sistemático e monossilábico Rudi, é levada adiante; e aí, já na primeira parada, na Alemanha, começam a se descortinar desagradáveis e amazônicas diferenças entre pais-filhos: para surpresa de ambos, a filha Karolin revela-se uma lésbica assumida (a ponto de beijar na boca a namorada, na frente dos pais, visivelmente constrangidos), enquanto o filho Klaus, a mulher e os dois netos não se mostram nem um pouco dispostos a acompanhá-los pela cidade. O clima pesado é latente.
Num passeio a dois, nos arredores de Berlim, um fatal, desagradável e imprevisto golpe: durante a estadia e pernoite numa simplória pousada, a sempre disposta e saudável Trudi não acorda pela manhã e jaz inerte sobre a cama: morte súbita, na madrugada.
Após a cremação do corpo, o caçula Karl (solteiro), que viera às pressas de Tókio para a cerimônia, a contragosto leva o pai para o Japão; executivo por demais ocupado, também não tem tempo pra dedicar ao “velho”; e aí, sozinho, vagando sem eira e nem beira, lenço ou documento, pelas ruas da cidade, Rudi se depara com uma jovem dançarina de butô (de nome Yu), ainda adolescente e (descobre mais tarde) órfã e moradora de rua. Aprende muito com ela.
E é através de Yu que Rudi resolve “MOSTRAR” à sua querida Trudi as cerejeiras em flor e o monte Fuji; para tanto, no momento propício, por baixo das próprias roupas passa a usar as roupas da mulher e, quando do “desabrochar das cerejeiras em flor”, ele simplesmente se despe das suas vestes e carinhosamente se porta como se fora a própria, dedicando-lhe aquele momento mágico.
Já o segundo ato da homenagem à Trudi revela-se um tanto quanto mais difícil: hospedado (por vários dias) ao sopé do “tímido” (sempre escondido) monte Fuji, todas as manhãs ao abrir a janela do quarto se depara com o mau tempo a encobrir a montanha; já desapontado e prestes a partir, faz uma última tentativa e, então, depara-se com aquela visão estonteante, soberba, magnífica: à sua frente (ou literalmente aos seus pés) o monte Fuji revela-se por completo, coberto de neve, com toda a sua indescritível beleza e pujança; sai às carreiras, aproxima-se o mais que pode e, livrando-se das vestes masculinas “transmuta-se em Trudi”, dedicando-lhe aquele momento sublime. Sozinho, ensaia passos de uma dança que dançara com a mulher lá na pousada, na noite anterior à sua morte e, como já cumprira com o seu dever – “MOSTRAR” a Trudi as cerejeiras em flor e o monte Fuji (que ela tanto queira conhecer) - não resiste a tamanha emoção e tomba morto.
Grande filme.
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