por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Táxi Lunar


A convivência próxima do homem com as drogas remonta às mais priscas eras. Há relatos históricos do uso do haxixe há mais de 4500 anos. Elas acompanharam praticamente, pari passu, a caminhada da humanidade e a habitualidade do seu uso tem se tornado mais corriqueira com os novos tempos, nada levando a crer que um dia estaremos livres delas. Utilizada inicialmente de forma ritualística, os estupefacientes grassaram para as mais diversas classes sociais, a partir do Século passado, com um salto gigantesco a partir dos anos 50-60, junto aos movimentos Beat, Hippy , o Jazz e o Rock. A aura cult e chique ,que inicialmente mascarou a disseminação das drogas, foi sendo pouco a pouco apagada pelas constantes baixas acontecidas entre os usuários e o terror da dependência que arrastava levas e levas de pessoas aos mais baixos umbrais da condição humana. Junto à nova moda, organizou-se uma indústria poderosíssima de tráfico que se calcula movimenta mais de U$ 500 bilhões todo ano. Utilizando as modernas regras do consumo, lançam-se diuturnamente novidades no mercado. À medida que a letalidade de drogas recém-lançadas vai ficando mais visível, outras são imediatamente apresentadas, trazendo o perfil do novo e do inócuo. A geração perdida desmoronou com o ópio, a do Jazz foi destroçada pela heroína, a dos pioneiros do Rock pela cocaína e pelo LSD, a dos anos 80-90 pelo Ectasy e pela Cola e a do Século XXI pelo Crack e pelo Oxy. Embora todas as demais, junto com a Marijuana, o Álcool e o Tabaco continuassem em plena circulação. Apenas uma ou outra droga foi caindo de moda assim como a roupa ou o sapato da mocinha do shopping.

Uma questão inequívoca é que até o momento o mundo não encontrou uma maneira de solucionar o grave problema. A simples repressão não só tem se mostrado inócua, mas levou ao agravamento e ao aumento do consumo. A criminalização tem abarrotado os presídios de usuários, já superpovoados de toda a sorte de adversidades. Por outro lado, a legalização como tem procedido Hamburgo e Amsterdam, não tem aparentemente trazido uma resposta adequada à grave enfermidade que tem tomado conta de todos os segmentos da sociedade, nos dias atuais. Recentemente, sentindo a insuportável visão da Cracolândia, o Rio de Janeiro, através da sua Secretaria de Assistência Social, partiu para uma medida extrema: internar à força os usuários do Crack, imaginando que assim lhes dariam uma oportunidade de livrar-se da atroz dependência. São Paulo, inspirada na ação carioca, pretende agir da mesma forma. Numa área em que as ações governamentais, mundialmente, são tão plenas de equívocos, surge a pergunta inevitável : “Internar à força os usuários de drogas ilícitas, resolve?” É sobre esta interrogação enigmática que pretendo tomar o tempo de vocês nesta manhã de sábado.

A meu ver, a resolução da Secretaria de Ação Social se compara ao desespero de um paciente desenganado que, fora de possibilidade terapêutica, recorre a encantamentos e benzeduras. Uma espécie de “Perdido por um, perdido por mil!”. Historicamente , a experiência tem demonstrado que todo tratamento de dependência que não parta da vontade própria e inalienável do próprio paciente tem imensas possibilidades de estar fadada ao fracasso. Além de tudo, a atitude carioca fere gravemente o princípio da Autonomia na Bioética. Só temos o direito de realizar qualquer tratamento ou procedimento que envolva a saúde de uma pessoa, com sua plena aceitação. Os profissionais têm a sagrada missão de promover o Bem da pessoa humana, mas este bem não é o profissional que determina qual é, mas o próprio paciente. O ouvinte pode até argüir que um dependente pesado não tem nenhuma possibilidade de exercer sua Autonomia e que aí a decisão teria que ser do seu responsável legal : a Família ou, na ausência dessa, o próprio Estado. Aí recaímos num outro pântano: o risco do responsável legal, por interesses vários: econômicos, políticos, sociais, decidir não pelo bem do dependente, mas pelos interesses pessoais . Os manicômios e os asilos estão repletos de pessoas excluídas do convívio da família por meros interesses dos seus descendentes. Acredito no princípio do utilitarista Stuart Mill: “A única razão da existência de uma lei é para fazer com que não se firam interesses de terceiros”. Ou seja, cada um é senhor da sua própria vida e pode usá-la como assim lhe convier, desde que respeite a liberdade dos outros. O homem é livre para viver ou para matar-se seja a crédito ou a vista. A dependência só passa a ser um problema médico ou governamental, quando o paciente pede ajuda: “Preciso sair disso e não sei como!”. Aí, sim, o Estado tem que prover todos os instrumentos possíveis para reabilitá-lo e trazê-lo à nova vida. E nisso, é preciso reconhecer, o Estado brasileiro é de uma incapacidade terrível. A reabilitação está nas mãos de algumas poucas instituições religiosas que buscam com unhas e dentes obrar milagres, muitas vezes sem qualquer embasamento científico.

Para se ajudar os usuários de drogas, antes de levá-los à força às clínicas, é preciso responder a uma pergunta básica: “Por que tantos precisam se anestesiar para suportar a vida que levam ?” Não temos o direito de arrancar a latinha de cola do menino que vive na rua e que a utiliza para passar a fome e transportar-se para um outro universo mais colorido , se não for para proporcionar-lhe um Mundo melhor e mais justo. Os ansiosos, os infelizes, os abandonados, os frustrados , os desiludidos precisam , primeiramente, ter solucionadas sua agruras existenciais, antes de terem os anestésicos suspensos. O uso indiscriminado dos alucinógenos, dos entorpecentes é uma prova clara de que este mundo em que vivemos está cada vez mais triste e sem esperança. Talvez seja por isso mesmo, por fuga, que tantos têm tomado o “Táxi para Estação Lunar”. Para trazê-los de volta é necessário antes mudar o planeta, torná-lo mais justo, mais palatável, mais fraterno e respirável. Que valha a pena ao menos a cansativa viagem de volta.

J. Flávio Vieira

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