por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 13 de junho de 2011

Uma paisagem banal - por Rejane Gonçalves



Trata-se de um quadro de dimensão singular pendurado no topo do mundo. Nele há uma profusão de imagens, de coisas que se sobrepõem umas às outras, de cores em constante luta com seus tons contrários. É como se o tempo tivesse borrado a tinta; tudo acontece em meio a pesadas brumas. Percebe-se, mesmo assim, a tela cortada ao centro por uma cerca não muito alta, de troncos retorcidos, feito braços dispostos em tranças a ornamentar uma cabeça de fartos cabelos. Do lado onde, dizem alguns, a paisagem parece mais nítida, está um cavaleiro montado em seu cavalo bravio. Segura fortemente as rédeas e todo o seu corpo empenha-se no sentido de impedir o animal de pular a cerca. Do outro lado desta, onde, dizem alguns, a paisagem é confusa e pródiga em abismos, acaba de pisar o chão um cavalo, trazendo montado em seu dorso um cavaleiro bravio. Seu corpo quase deitado sobre o animal e suas mãos, por onde escorrem as rédeas, parecem indicar não ter ele conseguido ser do outro cavaleiro uma parelha, pois que ultrapassou a cerca.
Os viandantes com gestos disformes passam ao largo. Todos, com raríssimas exceções, evitam uma observação demorada desse quadro de dimensão singular. É sabido que uma maior apreensão da paisagem transporta o rosto do incauto observador às alturas, sobrepondo-o ao rosto de um dos cavaleiros. Essa esquisita peculiaridade do quadro é na maioria das vezes incômoda e talvez fatal. Por isto é que os viandantes passam ao largo. Tapam os olhos dos filhos e repetem em ladainha o que há muito tempo ouviram com a força de um massacre de mil martelos zunindo em suas cabeças:
− Desses dois homens montados... de um diz-se que é louco, do outro diz-se que é são.

setembro/ 1987

Rejane Gonçalves

Rejane Gonçalves é contista, nasceu em Caruaru-PE e tem laços familiares cratenses firmados desde os anos 70. Atualmente mora em Recife.

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