por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 26 de junho de 2011

Eu, tu, eles - José do Vale Pinheiro Feitosa




As cenas iniciais deste filme foram tomadas no que era um distrito rural de Juazeiro da Bahia. O nome do distrito é Salitre e num raio de alguns quilômetros se tem de terra irrigada produtora de frutas e cana até o semi-árido como tais cenas vistas neste vídeo. Foi na foz do rio Salitre nos idos do século XVII que uma excursão da família D´Ávila, da Casa da Torre, dizimou quase quinhentos índios aldeados.

São cenas do filme Eu, Tu, Eles. Uma deliciosa comédia com um quadrado amoroso representado pelo melhor que grandes atores podem encenar. A história se baseou em retalhos de fatos reais da vida de uma cearense Maria Marlene Silva Sabóia. Falei de comédia, mas o drama permeia toda a trama: a pobreza, o trabalho duro e a divisão do pouco que se há para dividir.

O mais delicioso do filme é sua trilha sonora. Especialmente este “Esperando na Janela” que tinha por conta de ter sido composta por Targino Gondim, mas que na verdade surge com mais três parceiros, incluindo Gilberto Gil.

Esperando na Janela é uma lição de esperança. O estilo não morreu. O forró ainda tem respiração para muito mais história. Quando seu Luiz começou, a letra forró e muitas notas já eram de indivíduos urbanos e letrados. Zé Dantas e Humberto Teixeira, um era médico e outro advogado e exerciam suas profissões no Rio de Janeiro.

Portanto o nosso forró das rádios, dos discos de cera e dos long play já eram de pessoas urbanizadas e vivendo a vida com o que a cidade produzia. Poderiam ter a nostalgia da vida rural, até mesmo como um brasileiro bem sucedido ter uma fazenda, mas em absoluto viviam da roça e da criação.

O que está acontecendo em Fortaleza e no resto do nordeste com o forró é uma decadência maior. Não é que tudo se explique pelo componente urbano dos personagens. O buraco é um pouco mais profundo. É a nova geração consumista, alçada de uma periferia cruenta de grandes cidades para um sucesso de minutos, com muita grana, uso e fruto desenfreado, exibição de luxo e grosseria. É um forró rude, casca grossa, do pior que a volúpia do fugaz tem para a cultura.

Não é diferente em angústia do pior que vida tem nas grandes cidades brasileiras. Por isso não é diferente de um funk (não no sentido musical) em seu desespero de se humilhar para esconder a humilhação de todos os dias: nos trens de periferia, nos baixos salários, contas a pagar e um desejo de consumo sem meios para consegui-lo.

Em ambos as mulheres se deliciam como objetos de machos exibicionistas. Valentões cheirados e com garrafas das bebidas mais baratas em goladas pelo gargalo. Na periferia de Fortaleza existe um negócio chamado Lual, verdadeira festa rave, só que com forró eletrônico numa babel de centenas de bolhas de som, formadas por paredões de caixas, tocando coisas diferentes, mas todas iguais na mesmice tediosa que a surdez de decibéis parece revelar.

Isso cansa. A sociedade urbana vai mudar, mas é neste mesmo arrasto que se mata por um par de tênis ou por um celular. Que o crack forma zumbis nas cidades pequenas. Que a municipalidade parece pequena para tantos problemas. A luta pela crítica ao forró de plástico passa por muitas críticas ao próprio modelo de acumular e consumir na modernidade ou na pós-modernidade vá lá ao que isso seja.

2 comentários:

socorro moreira disse...

DELICIOSO TEXTO.
"...PORISSO EU VOU NA CASA DELA..."

Porisso apesar da dureza /vida a gente ainda sente o prazer na própria vida.

Stela disse...

Esse texto merece “ficar em cartaz” por um bom tempo. Tipo assim “lotação esgotada” em todas as sessões.
Começamos a ler pensando na magia do cinema e da música. Puro encanto e deleite para nosso, digamos, bom gosto musical. Mas, descobrimos, rapidinho, que o “Eu, Tu, Eles”, usado por Zé do Vale, foi uma provocação que encaminha para um texto enxuto e certeiro sobre os péssimos caminhos que percorrem/dançam nosso forró.
Bela e profunda reflexão.

E não desanimemos! A boa música existe e resiste!
Ontem mesmo fiquei muito emocionada, e grata, vendo os vídeos de Nicodemos no youtube.
Uma beleza.

Abraços poético-musicais
stela