por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 24 de abril de 2015

A SEDE DO TERRORISMO GLOBAL - José do Vale Pinheiro Feitosa

Quando se adota uma ideia do mundo o normal é que tomemos referências para orientar tais concepções. Uma parte de nós tenta refletir, busca se informar em fontes independentes e até checa os seus conceitos preliminares até formular a sua ideia de mundo. Mas há uma parte, no meu entender significativa, que não reflete, segue trilhas que demonstram tendências familiares e pessoais e apenas aprofunda este vício de origem.

Uma parte dos que desfilaram nas ruas com o descontentamento ao governo Dilma, era desta natureza obtusa, irrefletida. Vale salientar que existe uma matriz ideológica a fomentar tais obtusidades e por isso frases em inglês, defesa do estilo de vida Miami, frases contra Cubas, Venezuela e até a Bolívia.

Pesquisas feitas com esta parte dos desfilantes mostraram um quadro desolador de preconceitos, aversão a tudo que não se oriente pelos EUA, protestam contra as políticas de proteção social, negam o poder legítimo dos eleitores nordestinos, perseguem a luta por igualdade de gênero, a luta pela liberdade de opção sexual. E o pior de tudo, acreditam linearmente no que os seus canais de formulação ideológica dizem.

Nesta semana o pensador americano Noam Chomsky ao ser entrevistado num encontro internacional trouxe informações fundamentais para se entender o papel político e terrorista dos EUA ao citar três exemplos: Nicarágua, Honduras e Cuba. Vale salientar que o Brasil, mesmo de forma não muito firme, sempre esteve ao lado dos países agredidos desde que se instalou a democracia no país. E até mesmo quando na ditadura militar as lideranças adotaram políticas externas mais independentes do mando americano.

O primeiro se referia à Nicarágua, ainda no tempo do governo Reagan:

Por exemplo, em 1985, o presidente Ronald Reagan invocou a mesma lei (se referia às medidas de Obama contra a Venezuela) dizendo: “O Estado da Nicarágua é uma ameaça à segurança nacional e à sobrevivência dos Estados Unidos”. Mas nesse caso era verdade. Porque ocorria um momento em que o Tribunal Internacional de Justiça tinha ordenado aos EUA que pusessem fim aos seus ataques contra a Nicarágua através dos chamados “Contras” que agrediam o governo sandinista. Washington não o levou em conta. Por sua vez o Conselho de Segurança das Nações Unidas também adotou, nesse momento, uma resolução de que pedia, a “todos os Estados”, que respeitassem o direito internacional. Não mencionou ninguém em particular, mas todo mundo sabia que se estava a referir aos EUA. O Tribunal Internacional de Justiça tinha pedido aos Estados Unidos que pusessem fim ao terrorismo internacional contra a Nicarágua e que pagassem reparações muito importantes a Manágua. Mas o Congresso dos EUA o que fez foi aumentar os recursos para as forças financiadas por Washington que atacavam a Nicarágua. Isto é, a administração Reagan opôs o seu método à resolução TIJ e violou o que este lhe estava a pedir. Nesse contexto, Reagan pronunciou um célebre discurso dizendo que “os tanques da Nicarágua estão apenas a dois dias de marcha de qualquer cidade do Texas”. Ou seja, declarou que havia uma “ameaça iminente”.

Depois Chomsky falou sobre o caso Honduras:

Por exemplo, Obama é praticamente o único líder que deu apoio, em 2009, ao golpe de Estado em Honduras, que derrubou o governo constitucional (de Manuel Zelaya) e que instalou uma ditadura militar que os EUA reconheceram. Isto é, podemos deixar de lado a conversa sobre a democracia e os direitos humanos; não têm nada a ver: o esforço era para destruir o governo.

E agora Chomsky fala sobre os EUA e Cuba frente às iniciativas americanas para distender a situação até então praticada por eles:

Não se trata de “normalização”. É, primeiro, um passo para o que poderia ser uma normalização. Ou seja que o embargo, as restrições, a proibição de viajar livremente de um país a outro etc., não desapareceram...Mas efetivamente constitui um passo para a normalização, e é muito interessante ver qual é a retórica atual da análise de Obama e da sua apresentação. O que disse é que cinquenta anos de esforços “para levar a democracia, a liberdade e os direitos humanos a Cuba” fracassaram. E que outros países, infelizmente, não apoiam o nosso esforço, de tal maneira que temos de encontrar outras formas de continuar a nossa dedicação à imposição da democracia, liberdade e direitos humanos que dominam as possas políticas benignas com o mundo. Palavra mais, palavra menos, é o que disse. Quem leu George Orwell sabe que quando um governo diz alguma coisa, é preciso traduzi-la para uma linguagem mais clara. O que disse Obama significa o seguinte: durante cinquenta anos fizemos um terrorismo de grande escala, uma luta econômica sem piedade que deixaram os EUA totalmente isolados; não pudemos derrubar o governo de Cuba nesses cinquenta anos, portanto, tudo bem se encontramos outra solução? Essa é a tradução do discurso; é o que realmente quer dizer ou o que se pode dizer tanto em espanhol quanto em inglês. (...) Efetivamente, os EUA fizeram uma campanha grave de terrorismo contra Cuba sob a presidência de John F. Kennedy; o terrorismo era extremo naquele momento. Há um debate, às vezes, sobre as tentativas de assassinato de Fidel Castro, e fizeram-se ataques a instalações petroquímicas, bombardeamento de hotéis – onde sabiam que havia russos alojados – mataram gado, etc. Ou seja, foi uma campanha muito grande que durou muitos anos. E mais, depois de os EUA terminarem o seu terrorismo direto apareceu o terrorismo de apoio, digamos, com base em Miami nos anos 1990. Além da guerra econômica, iniciada por Eisenhower, ganhou realmente impulso durante a era Kennedy e intensificou-se depois. O pretexto da guerra econômica não era “estabelecer a democracia” nem “a introdução de direitos humanos” era castigar Cuba por ser um apêndice do grande Satã que era a União Soviética. E “tínhamos que proteger-nos”, da mesma maneira que “tínhamos de nos proteger” da Nicarágua e de outros países...”



Um Desastre Aguardado - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Voltamos repetir o que afirmamos no dia 1° de fevereiro de 2011, há mais de quatro anos portanto,  quando a população cratense enxugava a lama que tomou conta das ruas e de várias residências e prédios comercias, devido ao transbordamento do Rio Grangeiro. Ontem em chuva de menor intensidade do que a daquela época, as noticias revelam que a situação nada mudou. E quem são os culpados?

Dessa vez não podemos de modo algum responsabilizar a extrema pobreza da nossa subdesenvolvida região. Como vem ocorrendo há mais de sessenta anos, o Crato vive órfão de liderança. A população depositou toda a sua expectativa de dias melhores nessa última eleição para prefeito. Na minha modesta opinião, naquela eleição o povo do Crato não escolheu simplesmente um candidato, mas deu um recado claro, direto e gritante de que precisava mais do que um prefeito, precisava de liderança. Não adianta procurar culpados. Cada um de nós, cratenses somos culpados pelas nossas escolhas.

Mas se serve de ajuda, é claro que devemos ajudar, então vamos delinear algumas linhas de ação para solucionar esse grave problema das inundações, antes que de acordo com a crença indígena, a pedra da Batateira arraste o Crato.  
  
 Em primeiro lugar, o canal do Rio Grangeiro deverá ser redimensionado. A municipalidade deverá se apoiar em estudos presumivelmente existentes sobre os índices pluviométricos da bacia do Rio Grangeiro a montante da cidade do Crato. Quais são os registros dos volumes das cheias máximas? Será necessário aumentar a calha do canal? Caso positivo, cair em campo em busca dos recursos necessários. A população cratense a uma só voz deverá pressionar todos os deputados federais e estaduais que se lembraram do Crato nas últimas eleições. Todos aqueles que obtiveram expressiva votação em nossa terra, muitos dos quais, sem o voto dos cratenses, jamais teriam sido eleitos. 

Entretanto devemos olhar para o futuro. Existem recursos para demolir o atual canal e refazer outro, com melhor dimensionamento? Se tal resposta for negativa, busquemos outras soluções para evitar o pesadelo das inundações. Particularmente, eu vejo com bons olhos uma idéia externada pelo ex-prefeito do Crato, pela construção de duas pequenas represas para barrar o leito do Rio Granjeiro, a montante da cidade, com barragens de concreto armado, bem dimensionadas e, construídas criteriosamente para evitar danos ainda piores. Além de barrar as cheias, tal providência serviria para reforçar o abastecimento d’água da cidade, além de despoluir o canal e propiciar a irrigação dos canaviais a jusante da cidade do Crato nas estações secas.   

Enfim, lembrar que pela primeira vez na sua história, o Crato possui um governador eleito com o voto de mais de 83% dos seus eleitores, mais do que uma prova de confiança, uma súplica, salve-nos jovem Camilo. Seja a nossa recompensa e o líder que falta ao Crato.


Por Carlos Eduardo Esmeraldo 

Pérola da MPB


quinta-feira, 23 de abril de 2015


A ATLÂNTIDA AFUNDA NO MEDITERRÂNEO - José do Vale Pinheiro Feitosa

A certeza de nossas posições sempre estará no deslocamento da história, criando contradições, oxidando verdades, introduzindo novas coordenadas. Um dos temas jornalísticos mais dramáticos do momento é a tragédia da migração clandestina africana para a Europa, especialmente no Mediterrâneo.

Na semana um barco com 850 pessoas a bordo naufragou no estreito da Sicília. O comandante do barco, um Tunisiano, é acusado pelos passageiros de ter fechado as pessoas que vinham no porão e no estágio inferior do barco. Aprisionados, eles se afogaram.

Este drama leva nossas posições num sentido, para logo a seguir mudar de rumo frente a como se manifestam as autoridades europeias.

No primeiro sentido nos posicionamos contra este tipo de pirataria que carrega a mão-de-obra barata de um continente para outro em condições tão desumanas quanto os navios negreiros. O artista plástico Bruno Pedrosa, que vive na Itália, disse-me alguns meses passados que o nível de desumanidade tinha chegado ao ponto em que os tais agentes punham as pessoas em pequenos barcos, orientavam o rumo do leme em sentido do continente europeu e diziam: é por aí. E os barcos, sem piloto, levavam os desesperados de mar a dentro.

Mas em seguida, mudamos o rumo de nossas posições. A chamada à responsabilidade dos governos Europeus sobre o assunto representa o que exatamente? Aumento da vigilância aérea, marítima e por satélites e radares sobre o mediterrâneo? Ampliação de uma rede de informação secreta nos países africanos para detectar os movimentos? A rápida devolução dos migrantes? A perseguição estilo CIA da raia miúda dos contrabandistas de gente?

Afinal vamos tender a ficar contra os piratas e ao mesmo tempo contra os governos? É contradição tremenda em nossos espíritos (uma ressalva: na televisão estas coisas só têm um lado e a posição se resume à condenação dos piratas e, por tabela, dos migrantes).  Mas o que efetivamente temos?

Temos um sistema econômico e político desigual. Fazedor de misérias e supressor de oportunidades. Além desta inerência, é um mundo que cresce numa velocidade descontrolada como fetiche consumista, onde as pessoas se tornam peças performáticas e vivem numa eterna incompletude diante das ofertas inatingíveis.

Segundo análises prospectivas, em 2020 apenas 1% da população mundial controlará mais riquezas do que 99% da população. Esta riqueza organizada em redes de influência carregará a história num sentido mecânico consumista e degradante. Dados da ONU estimam que de cinco pessoas no ano de 2050, quatro estariam vivendo em regiões com problemas de abastecimento de água. Isso sem contar com esgotamentos naturais, danos ambientais, desflorestamentos, poluição dos mares e do ar.

A questão energética será mais crítica do ponto de vista de sua distribuição do que de sua geração. Quem tem acesso às fotografias da terra à noite já pode observar, pela iluminação dos países, como esta distribuição é brutalmente desigual. Este modo de distribuição do lúmen produzido pelo trabalho humano é o molde plástico ao olhar de como a sociedade ultra-capitalista atual funciona.

A questão da desgraça no Mediterrâneo é uma questão de consciência política, de organização e mobilização, refletida com o conhecimento até agora adquirido pela humanidade para que se possa, com escala de danos mais reduzida, se transformar e superar o estágio atual do sistema econômico e político. Existem muitas formulações políticas dedicadas a compreender os fatos históricos e lhes dar uma condução racional, normalmente revolucionária.


Não acredito que a dimensão destas contradições possa ser resolvida pelo consumismo, uma vez que ele mesmo é parte daquelas contradições anteriormente apontadas (concentração de riquezas, esgotamento da natureza, desigualdade e conflitos). 

Quero tanto!
No cotidiano apressado
Seu riso leve, o abraço apertado
Vales, luas, montanhas
Viajar
Café na cama
A delicadeza das flores no jardim
Ou enfeitando a sala
Pássaros no quintal
Quero o mar
Chuva no telhado e beijo no portão
Filme com pipoca, vinho no jantar
Amigos, violão, cerveja gelada
O brilho do olhar ao pôr do sol
Namorar
Quero as miudezas essenciais:
Afago nos cabelos, dançar abraçadinha
Ler poesia
Ouvir nossas músicas
Viver simplicidades com você

segunda-feira, 20 de abril de 2015

domingo, 19 de abril de 2015

Rua André Cartaxo, 148


Naquele tempo, naquela rua
tinha um nome que ia e vinha,
nome de menina,
como se a rua fosse um fio
por onde passam as palavras
de um coração de angústia
numa cidade que não quer.

Tinham cartas com letras azuis
dizendo ser a saudade
uma coisa esquisita,
cortando por dentro,
e as noites de Fortaleza...
Puxa! Não lembro. Quem lembrará?

Tinha um menino que seria
um poeta sem livros,
de poemas para surdos,
poemas mudos de amor,
mas o que é o amor?

A Rua André Cartaxo foi ficando
um espinho onde o tempo cravou
os dentes e roeu lentamente
o que secaria em outras ruas
transfigurado pela distância,
por ver o que não queria,
cimento e aço, sangue e choro,
água podre e fumaça,
exílio cinzento.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

TEA PARTY BRASILEIRO - NASCEU COM A MARCA DA FARSA - José do Vale Pinheiro Feitosa

De modo simplificado. Reconheço fácil de errar. Mesmo assim vou adiante. Adiante em busca de explicações para o nosso momento histórico.

Comecemos pelo sistema econômico predominante na atual fase da história. Baseado na supremacia e no monopólio do dinheiro (capital) sobre todos os bens matérias e a ordem política. Ao transformar a ordem de todas as coisas em tabelas precificadas, incluindo os valores morais e portanto atinentes à justiça, se aproximou da natureza largamente conhecida do Deus bíblico.

Onipresente, onisciente e onipotente. Ao mercantilizar todas as relações humanas, este sistema econômico criou uma superestrutura, que abarca desde a cultura até a amamentação da criança no peito da mãe. E, neste momento, ele fere de morte alguns princípios e esperanças muito próximas das religiões semitas (judaísmo, cristianismo e islamismo), incluindo a religiosidade de natureza oriental.

O princípio do merecimento diante do amor ao Deus ou às regras de conduta estabelecidas. Atinge, portanto, o princípio da bondade eterna de Deus onde para ele todos somos iguais em piedade, benevolência e proteção de um pai compreensivo. Até mesmo o conceito da punição se corrompe neste tipo de ordem onde o efetor da ordem é meramente a acumulação numérica de moedas (sob a forma de bens e direitos particulares).

Por isso quando algumas correntes filosóficas procuraram entender o mundo sob a ótica possível do materialismo histórico muitos viram ali a mera negação de Deus, quando na verdade se fazia a leitura do sistema econômico que nascera com a revolução burguesa na Europa Ocidental. Qual seja, a revolução materialista que opera com os mitos, fetiches e crenças sobre a esfera material da acumulação e da extração de trabalho tudo mediado por relações matemáticas de moedas.

Baseado na acumulação, o sistema é por essência excludente, marginal às regras sociais (só presta devoção à regra da acumulação seja direta ou dissimulada), mas ao mesmo tempo detentor de regulações autoprotetoras de fluxo e status, onde o privilégio é de quem se encontra no topo tentando se sustentar.  

Acumulando até mesmo além dos limites do céu, o sistema é corrupto de todas normas históricas da cultura, das religiões e de certas normas morais assentadas em tradições antigas. Por isso na indústria se retira parcela do valor do trabalho para os donos do capital, no comércio se corrompem todas as normas pelo lucro.

Eles sonegam impostos que regulariam seus excessos de acumulação. Comparativamente às corrupções recém descobertas nas operações de empresas como a Petrobrás, envolvendo políticos, a sonegação é uma montanha em relação ao monturo. Dados da Tax Justice Network revelam que o Brasil perdeu em evasão fiscal só no ano de 2012 em direção a paraísos fiscais algo em torno de 280 bilhões de dólares (na cotação do dólar na época seriam 490 bilhões de reais).

E agora paramos nisso? Ao contrário. Precisamos argumentar, participar, lutar por uma sociedade mais justa, igualitária economicamente, que abra oportunidade para as pessoas que são diferentes historicamente até o limite da contradição deste sistema. A partir daí o momento definirá a ocasião desta superação, pois não é verdade que após ele só o caos.

De caos eles entendem bem. O caos, sob a face da irracionalidade e da supressão de oportunidades é a lógica virtuosa do seu porvir. Mas é no caos mesmo que uma nova ordem nasce. Isso muita gente conhece nas primeiras letras da antiguíssima narrativa bíblica da origem de tudo.


O novo Tea Party brasileiro ainda é um pastiche e não creio que tenha bases sociais para repetir a experiência republicana americana. Mas são eles na rua que apontam para uma agenda negativa, da disrupção, puramente aversiva e martelada na corrupção em parte para esconder a corrupção geral. 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

O giro dos tufões


Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos...
......................................................
Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.

Antero de Quental, in "Sonetos"
 

                                                               A equação  parece simples e nem necessitaria da ajuda  da matemática. Imaginem uma garota  bonita, meiga, doce, filha de um médico renomado, nascida na capital, com todas os desejos de uma criança totalmente ao alcance das mãos. Os mais simples anseios adolescentes ali estavam perfeitamente atingíveis. O caminho mais previsível seria relegar os estudos a um segundo plano, meter-se em festas , ter a praia como uma extensão da sua casa e tomar o shopping center como seu templo  maior, onde passaria a fazer oferendas diárias ao mais sagrado deus da modernidade : o consumo. Depois, certamente, apareceria o casamento perfeito  e nem haveria a necessidade de se preocupar com o futuro. Viriam alguns filhos que seriam criados afetuosamente pelas babás, pagas regiamente, e a vida se resumiria a viagens, passeios e deleites. Os frutos da existência estavam ali pendentes em galhos baixos, prontos para a colheita diária.
                                               Este talvez seria o caminho trilhado por incontáveis dondocas dos dias atuais. A felicidade vista ali na prateleira da loja de departamentos pronta para ser adquirida , dia a dia, nas mais variadas sessões. O cartão de crédito seria o ingresso de cortesia para o Shangri-lá. Pois bem, pensem, agora, num anjo que , simplesmente, resolve nadar contra a corrente e escolhe trilhar, biblicamente, o caminho estreito ao invés da highway.  
                                               Ela se chamava Marinila e fez-se aluna dedicada, enveredou pela Medicina e formou-se com aquela chama hipocrática de tratar e curar os mais necessitados. Poderia escolher uma especialidade rentável, destas que enchem os olhos dos recém-formados da atualidade  tão afeitos às cabines duplas. Eles babam de satisfação e descobrem, rapidamente, sua vocação,  no sonho certo do pote de ouro ao pé do arco-íris. Ao invés disso, ela buscou o patinho feio da sua profissão : A Medicina Social. Poderia, mais uma vez, ter se dedicado única e exclusivamente ao bem-estar da sua própria família. Carregava consigo, no entanto,  a vontade de mudar o destino terrível de uma outra família que houve por bem adotar : a de milhões de desafortunados que migalhavam no país , diuturnamente, por uma consulta, um exame complementar, um medicamento. Profundamente religiosa – uma faceta que herdou indelevelmente da família—descobriu cedo que a doença estava intrinsecamente ligada à política e que , como diria Foucault, para ser sadio o homem necessitaria primeiramente ser liberto.
                                   Num crítico momento porque passava o Brasil, meteu-se na luta desigual que redundou na Constituição de 1988 e nos alicerces do Sistema Único de Saúde. Envolveu-se, logo a seguir, nas gestões municipais do SUS, no interior do Ceará, naqueles terríveis instantes da implementação do novo Sistema, nadando contra as fortes correntezas contrárias da Medicina Privada. Como Secretária de Saúde, deixou um legado inesquecível de trabalho árduo, técnica afiada, administração sóbria e solidária,  e honradez absoluta e irretocável. O Cariri viu, diante de si, a mais completa , justa e bem intencionada Secretária de Saúde de toda sua história. Depois, ascendeu à vida acadêmica, como professora e Coordenadora da Faculdade Federal de Medicina do Cariri, após cumprir, com galhardia, Mestrado e Doutorado na Itália. Os alunos liam facilmente nos seus olhos que a Medicina não era um ofício mas uma Arte,  que o médico trabalhava num templo e não em uma oficina.
                                   A batalha maior da sua vida, no entanto, estava ainda por vir. No auge das vidas profissional e pessoal,  eis que o destino lhe põe face a face com o inimigo contra o qual batalhara durante todos seus dias : a Moléstia. Enfrentou-a com  força hercúlea, instante a instante, minuto a minuto. Manteve-se impávida ante o sofrimento e a dor, fazendo tremular, até o fim, a verde bandeira da esperança. Nestas esquinas tortuosas da vida é que se percebe, claramente,  a religiosidade de superfície.  Do seu corpo já frágil, porém, brotava uma luz incandescente, reflexo da profunda espiritualidade que imantou toda sua existência. Ante o desespero dos amigos mais próximos, pedia que orassem simplesmente para que se fizesse a vontade de Deus e não para que Ele viesse a mudar os seus desígnios.
                                   Estas palavras saem apenas agora depois de quase um ano do voo último do nosso pássaro. É que para todos nós,  Marinila se mostra ainda tão vívida , parece que encontraremos aquele sorriso  aberto e largo na quebra da próxima esquina. E a  ausência se faz insidiosamente, como um caruncho que nos vai , lentamente, roendo as fibras da nossa alma.  A saudade, no entanto, esmaece um pouco quando vemos diante de nós um outro irmão que sofre, uma injustiça que precisa de luta para ser corrigida,  uma caridade que necessita transformar-se, urgentemente, em justiça social.  Marinila, como por encanto, chega então com o seu sorriso e sua meiguice de outrora, junta-se a nós no Amor sagrado, na comunhão universal do eterno Bem.

Crato, 16/04/15     

                                         

Um professor vocacionado!!!
Profissional que era, quando tudo que fazia era com amor e dedicação. Nossa Escola se orgulha de receber o seu nome e zelar por ele eternamente.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O BRASIL EM MOMENTO CRÍTICO - José do Vale Pinheiro Feitosa

Se fosse apenas uma ficção seria fácil o enredo. Mas é realidade. Dura. Dividida. De classes. Com preconceitos raciais, sociais, econômicos, comportamentais e religiosos. E que se sustenta em classes hereditárias que controlam os meios de comunicação, bancos, comércio, indústria e financiam os governos e por tabela controlam o Estado.

Assim um sujeito da classe média tradicional que foi privilegiado pelos anos de Ditadura e de algum modo alvo do modelo de desenvolvimento industrial e, agora, com a globalização se encontra numa situação de stress absoluto. Por duas percepções objetivas e por insuflação externa com razões geopolíticas.

As duas percepções provocam pavor pelas perdas de privilégios e os ameaçam ainda mais no futuro. Entre estes privilégios se encontram o da perda da mão-de-obra barata que servia à residência e aos serviços de lazer. A outra foi a ampliação do crédito “encarecendo” a vida do “empregado” agora consumindo gás butano, luz elétrica, linha branca e outros eletrônicos.

A classe média tradicional de repente viu suas reservas de consumo serem invadidas pelo “outro” em ambientes tais como aeroportos, shoppings, restaurantes, clubes, balneários e assim por diante. De algum modo, precariamente ou não, as classes menos favorecidas têm a educação pública e a saúde pública. Mas a classe média tradicional paga do bolso o plano de saúde e educação dos filhos e ainda tem a sensação de ser a única pagadora de impostos, em razão do imposto de renda com seus ajustes individuais.

Os pobres pagam relativamente mais impostos que estão embutidos em seu consumo básico, mas quem tem a percepção do desembolso é a classe média tradicional. E tem outro agravante de classe: os trabalhadores das grandes empresas recebem planos de saúde na negociação salarial e isso deixa os pagadores individuais mais revoltados ainda. Acontece que Plano de Saúde é sustentado pelos chamados Planos Coletivos (ou Planos Empresa) e não gostam de planos individuais. Aí a classe média tradicional sente-se mais desamparada ainda.

Existe uma contradição no país: seguimos o modelo inglês (com sistema de saúde e educação efetivamente universal) ou o modelo americano (com base em planos de saúde e ensino pago)? Um modelo com base em direito social e outro baseado num bem de consumo, como se educação e saúde fossem apenas consumo. Aqui coexistem e disputam espaço político os dois modelos. Os governos do PT não superaram esta contradição e o problema está posto.

As manifestações de rua de agora e aquelas de 2013 refletem este indefinido mundo. Qual rumo integralmente seguiremos? Não é possível adotar os dois modelos ao mesmo tempo pois a geração de contradições é a regra. Medos, invejas, revolta, sentimento de rejeição e ódios acumulados irão caracterizar o nosso universo político. Por isso ouvimos frases nas manifestações de agora em que o mesmo sujeito fala mal de Cuba e diz que quer uma saúde e educação pública. Ele quer a opção socialista deste direito e não as leis de mercado mas seu discurso é esquizofrênico.

A outra coisa é que fica cada vez mais evidente a interferência americana na política da sociedade brasileira com a finalidade de se apropriar de seus desencontros para proveito do seu plano imperial. Quando Snowden denunciou o bisbilhotar das agências do governo americano no Brasil se referia à Petrobrás e ao BNDES, dois importantes instrumentos do desenvolvimento nacional.

A operação lava jato junta a sua ponta com a espionagem americana desovando segredos. E tudo fica mais evidente pelo ataque especulativo dos investidores americanos da Petrobrás querendo destruir a empresa, em associação com “agentes” políticos brasileiros de modo a se apropriarem do cadáver. As estratégias e táticas dos “abutres” são exaustivamente esclarecidas e reconhecidos na sua atual ação.

Agora os chineses, observando a “operação americana” chegaram em socorro da Petrobrás, frustrando todos aqueles na operação desestabilizadora promovida pela Folha de São Paulo, Globo, Estado de São Paulo, políticos tipo José Serra e a classe média tradicional desamparada em seu caminho ao futuro.

É preciso superar a dureza destas contradições trazendo para o conjunto da sociedade a mesma expectativa de direitos sociais, de projeto de nação e de inserção soberana internacional. Não tenhamos ilusões, uma coisa é a saída individualista que pode amar os EUA ou a Europa e por lá viver melhor que aqui e a outra é a saída nacional, onde temos que preservar e considerar que todo mundo defende os interesses de nação: alemães, americanos, chineses Etc.


Como, obviamente, nós.   

terça-feira, 14 de abril de 2015

TIVE SIM - José do Vale Pinheiro Feitosa


Claro que ouviram e conhecem este belíssimo samba de Cartola intitulado: "Tive Sim". Não compreendido como nossas histórias de muitas pessoas, vários amores, onde o momento da palavra sempre será o incomparável. Mesmo quando de fato é incomparável.

A curiosidade é que este samba foi composto e exposto ao público pela primeira vez entre maio e junho de 1968. Era a 1ª Bienal do Samba, promovido pela Record. Ali se reconhecia a fantástica safra de jovens compositores brasileiros ao mesmo tempo que salvaguardava a velha guarda na altura sem oportunidades.

Foram três eliminatórias e a decisão da colocação das finalistas. Para se compreender o universo dos participantes, entre compositores e intérpretes estiveram Chico Buarque, Edu Lobo, Cartola, Aracy de Almeida, Sidney Muller, Moreira da Silva, Adoniran Barbosa, Demônios da Garoa, Baden Powell, João da Baiana, Clementina de Jesus, Jair Rodrigues, Elis Regina, Ataulfo Alves, Ciro Monteiro, Marília Medalha, Claudete Soares, Agnaldo Rayol, Jorge Goulart, Oswaldo Nunes, Paulinho da Viola e por aí foi.

Imaginem o privilégio dos paulistanos com um elenco como este por oferta em noites memoráveis. Agora vamos ao resultado final acontecido no dia 1º de junho de 1968.

Quem ganhou a Bienal foi a música Lapinha, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, interpretada por Elis Regina. Quase não foi inscrita pois naquela altura Paulo César Pinheiro era desconhecido e muito jovem. Baden Powell disse que se retiraria da Bienal e tiveram que aceitar. Inclusive Lapinha foi controvertida por um jornalista que disse ser a composição uma peça do folclore baiano.

O segundo lugar foi “Bom Tempo” de Chico Buarque de Holanda e defendida pelo próprio (Um marinheiro me contou/Que a boa brisa lhe contou/ Que vem aí bom tempo...). O terceiro lugar foi para “Pressentimento” de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, defendido por Marília Medalha (ai! Ardido peito / Quem irá entender o teu segredo?...). O quarto lugar foi para “Canto Chorado” de Billy Blanco defendido por Jair Rodrigues (No jogo se perde ou se ganha / Caminho que leva/ Que traz.....).

Bem, logo a seguir falaremos do quinto lugar para “Tive Sim”. Antes vem o sexto lugar que foi para “Coisas do Mundo, Minha Nega” de Paulinho da Viola interpretado por Jair Rodrigues (Hoje eu vim minha nega / Como venho quando posso...). O destaque para esta canção é a leveza da melodia e um dos mais bem acabado poemas para um amor.


E “Tive Sim” de Cartola e cantada por Ciro Monteiro conquistou o quinto lugar diante de uma estrondosa vaia. Uma vaia própria de tempos agudizado em contradições, como foi 1968, onde as paixões afloram acima de qualquer referência. Onde a torcida prevalece sobre o debate e construção do melhor para todos. Assim como a direita brasileira, tocada pela grande mídia e o ódio dos privilegiados age em palavras e atos.
Vou colar do mesmo modo que encontrei num blog este texto de Albert Einstein traduzido do inglês tecendo considerações sobre as origens e o métodos para combater o fascismo. Considero que vem a propósito das manifestações conservadoras que democraticamente se expressam nas ruas das grandes cidades. Aliás manifestações bem diferentes das ocorridas na Europa submetida a programas de austeridade governamental. E tão diferentes que permitem setores se infiltrarem a pedir ditadura, golpes e truculência. 

Sei que os conservadores de natureza democrática não concordam com a ditadura que no primeiro ato proibiriam tais manifestações. A não ser que sejam a favor do ditador de plantão. Confesso que a vantagem desta postagem é ter sido escrita por uma unanimidade da categoria de gênio no século XX. Neste momento da "SOCIEDADE PERFORMÁTICA" nada como um texto de alta personalidade para aluir o zinabre de alguns espíritos empedernidos que acreditam na liberdade de conquista individual por sobre a derrota da maioria.

Por Albert Einstein
O New York Times convidou-me a exprimir-me brevemente sobre o perigo fascista. Em resposta a esse convite envio as linhas que se seguem. Pretendendo ser breve, exprimir-me-ia de um modo categórico e dogmático que poderia dar uma impressão de imodéstia. Pedirei, portanto, aos leitores o favor de serem indulgentes para com a forma das minhas considerações e de não se interessarem senão pelo seu conteúdo.
Quase toda a gente neste país considera o regime e o modo de vida fascistas um mal contra o qual nos devemos defender por todos os meios disponíveis. É reconfortante ver os espíritos concordarem nesse ponto. Mas uma tal unanimidade não existe nem acerca da natureza desse perigo nem sobre os meios a mobilizar para o afastar. Exprimirei o meu ponto de vista sobra este assunto nas linhas que se seguem.

Eu tive oportunidade de observar a propagação da epidemia na Alemanha. Não é sem dificuldades nem reticências que o homem renuncia às suas liberdades e aos seus direitos. Mas basta que um povo se veja, em grande parte, confrontado com uma situação insuportável para que se torne incapaz de um julgamento são e se deixe abusar voluntariamente por falsos profetas. "Desemprego" é a palavra terrível que designa essa situação. Também o recear do desemprego é igualmente lancinante.

A ausência constante de segurança económica engendra uma tensão que as pessoas são incapazes de suportar a longo termo. Essa situação será ali pior do que aqui porque, num país fortemente povoado e dispondo de recursos naturais extremamente limitados, as flutuações económicas fazem-se sentir com ainda maior dureza.

Existe também aqui uma situação semelhante; o progresso tecnológico e a centralização da produção provocaram um desemprego crónico e uma parte muito considerável da população em idade de trabalhar luta em vão para se integrar no processo económico. Sobreveio desde então que tanto aqui como lá os demagogos encontraram algum sucesso provisório mas, graças à existência neste país de uma mais forte e mais avançada tradição política, eles não duraram muito tempo.

Estou convencido de que só medidas eficazes contra o desemprego e a insegurança económica do indivíduo poderão realmente afastar o perigo fascista. Por certo é necessário contrariar a propaganda fascista levada a cabo do exterior. Mas é preciso abandonar a ideia errónea e perigosa de que alcançaremos o fim do perigo fascista através de medidas puramente políticas. Tudo se passa, pelo contrário, como quando existe uma ameaça de contágio pela tuberculose. É certamente bom que existam medidas de higiene impeditivas logo que entremos em contacto com os germes da doença, mas uma boa alimentação é ainda mais importante, dado que ela reforça as defesas naturais do indivíduo contra a infecção.

Todos os que se interessam pela salvaguarda dos direitos cívicos neste pais devem, por conseguinte, estar disponíveis também a procurar de forma sincera uma solução para o problema do desemprego, tal como devem prestar-se aos sacrifícios necessários para a alcançar. É preciso então perguntar se não é justificado sacrificar uma parte da liberdade económica se isso permitir em contrapartida garantir a segurança do indivíduo e da comunidade política. Não é preciso considerar estas questões de um ponto de vista sectário, pois trata-se de nos defendermos contra um perigo que a todos diz respeito [1] .

O desempregado não sofre somente por estar privado de bens de primeira necessidade. Ele sente-se ainda excluído da comunidade humana. Ele vê recusada a possibilidade de colaborar no bem-estar geral; não goza de nenhuma consideração, sendo mesmo percebido como um fardo. É absolutamente natural que ele tenha o sentimento de que nós procedemos incorrectamente perante ele e que, procurando desembaraçar-se por si mesmo, tenha pouco a pouco recorrido a meios ilegais, a actos criminosos.

Mas, se um dentre eles consegue mesmo assim encontrar um emprego, após um período mais ou menos longo de desemprego, ele não é mesmo assim um homem livre, porque é inevitável que receie encontrar-se, em breve, de novo no desemprego. Esse estado de tensão bem real dos que têm um emprego, junto ao desemprego bem real daqueles que perderam o seu, torna as pessoas amargas. Na busca de uma saída, eles concedem sem discernimento a sua confiança ao primeiro que chegue a prometer-lhes uma melhoria da sua situação. É aí que reside o perigo político do desemprego. O perigo de ver o desemprego ameaçar a democracia é particularmente elevado quando são jovens aqueles que devem suportar essas amargas decepções; eles preferem não importa que combate à resignação e a sua falta de experiência torna-os cegos aos perigos e aos riscos que comporta uma acção irreflectida.

É interessante constatar a que grau a atitude dos homens face ao trabalho se modificou ao longo do tempo. Quando Adão foi punido, escutou: "Ganharás o teu pão com o suor do teu rosto" [2] . O trabalho foi-lhe imposto como castigo e foi por isso considerado como uma maldição. O castigo do Adão moderno é o de ser desocupado e privado do seu trabalho. Aquele que tem um trabalho suscita a inveja. Se considerarmos o progresso económico da humanidade deste ponto de vista lá se acaba essa bela altivez tanto dá a impressão de termos, ao longo dos séculos, evoluído.

O desemprego é particularmente cruel em período de crise económica. Muitas pessoas têm por isso tendência a crer que uma vez ultrapassadas as crises, o desemprego tenderá também a desaparecer. Isto parece-me, no entanto, incorrecto. Mesmo em períodos de prosperity [3] , o desemprego é significativo. É por isso que penso que podemos, sem riscos de errarmos, abstrair-nos do fenómeno das flutuações quando reflectimos nas causas do desemprego.

Parece-me que a maneira mais convincente de elucidarmos a questão será recorrer a um modelo simplificado ao extremo. Imaginemos uma ilha isolada do resto do mundo, na qual a terra possui um rendimento suficiente para nutrir os seus 300 habitantes. Supondo que existem 100 campos nessa ilha e que 100 habitantes possuem um campo cada um, com a condição de que todos os cultivem produz-se mesmo à justa para sustentar os trezentos habitantes.

Para que todo este sistema funcione de maneira satisfatória aqui está o que deve passar-se: cada camponês cultiva o seu campo com dois empregados, a quem paga para o ajudarem. Com o seu salário estes compram aquilo de que têm necessidade para viver. Deste modo, tudo está em ordem.

É então que um dos camponeses inventa uma ferramenta de trabalho particularmente eficaz que lhe permite obter do seu campo o rendimento habitual com a ajuda de um só empregado. Resultado: temos um desempregado e um camponês para o qual o lucro é mais importante que aqueles seus colegas, porque este último pode vender os seus produtos mais baratos dado que tem que desembolsar menos em salários.

A satisfação é de curta duração. Ele faz, de facto, aos outros camponeses uma concorrência desmesurada. Estes vêem-se, deste modo, constrangidos a utilizar por seu turno a nova ferramenta que ele inventou, o que lhes permitirá também obter doravante com um só empregado o mesmo rendimento do costume.

Mas algo de grave se passou entretanto. Cem homens são forçados ao desemprego e os camponeses não mais chegam a desfazer-se de um terço da sua colheita, tanto mais que não existe mercado exterior. Produzir do mesmo modo de futuro não tem mais sentido algum. Não existe "procura" correspondente àquilo de que cem homens têm necessidade para viver. Pode-se, entretanto, produzir quanto muito um pouco mais que dois terços da quantidade normal a fim de evitar que os 100 desempregados morram de fome e se revoltem.

Eis que vejo os meus sensatos leitores torcerem o nariz de desdém e dizerem que nada percebo de economia. Esses cem desempregados, pensam, acabarão na realidade por descobrir na sua miséria um meio de fazer frutificar o seu trabalho utilmente e de receber em troca dinheiro e pão. Eles poderão, por exemplo, tornar-se cabeleireiros, actores, enfermeiros, etc., e dessa forma suavizar a vida da comunidade. Eis o que é perfeitamente verdadeiro. Mas que este processo não logra, contudo, compensar o facto de que a necessidade de mão-de-obra baixou em virtude do aperfeiçoamento do processo, eu o vejo revelar-se na nossa economia de verdade e não neste exemplo um pouco simplista que escolhi para clarificar a ideia.

Voltemos ainda ao nosso exemplo! Os nossos trezentos insulares quebraram a cabeça para encontrar uma forma de se desenvencilharem do desemprego de modo a recriarem o seu paraíso perdido. Para começar, é evidente que um só camponês não pode contratar duas pessoas e dividir o tempo de trabalho por dois. Isto porque lhe seria necessário gastar tanto dinheiro com os salários destes dois empregados que se tornava impossível a ele sustentar a concorrência dos outros camponeses.

De facto, sozinho um camponês não pode resolver o problema! Mas, todos juntos poderiam consegui-lo, e eis o que eles determinaram: cada um deles contrataria duas pessoas a meio tempo, mas com salário completo. A bem dizer, não era indispensável exigir um salário normal, porque se as pessoas passassem a receber um salário reduzido a metade os preços dos cereais teriam forçosamente que baixar, eles também, para metade, e seria oportuno evitar este choc [4] no mundo dos negócios.

Se estas pessoas tivessem podido dispor, como nós, de um vocabulário erudito elas teriam qualificado essa solução de "economia planificada" no quadro de uma sociedade capitalista. No caso da nossa estrutura económica actual, que é eminentemente complexa, o problema é muito mais complicado; [ainda assim] ele não permanece [por isso], no essencial, menos o mesmo. Como as pessoas da nossa ilha estavam longe de serem tão instruídas quanto o somos hoje em dia, não se encontrará pessoa alguma para combater essa proposição sob o pretexto de que se trata aqui de um entrave ao direito do cidadão de agir livremente, tal como o está garantido pela constituição; e, por outro lado, à falta de um Supreme Cour [5] , uma tal diligência não teria, por assim dizer, nenhum sentido.

Indiquei, no que precede, o que é preciso, quanto a mim, procurar o único remédio contra o perigo fascista. Impormo-nos voluntariamente limites em favor de uma ordem cuja necessidade reconhecemos é na verdade, em geral, o meio mais eficaz para chegar ao mais alto grau possível de liberdade e de segurança, inclusive no domínio da política internacional.

Notas
1- No seu manuscrito, Einstein riscou vinte e quatro linhas, dentre as quais as seguinte: "Hoje em dia não há ninguém que negue que as concessões da França e da Inglaterra a Munique desenvolveram a arrogância e a agressividade [da Alemanha e da Itália]."
2- No Génesis, 3, 19.
3- A palavra, em inglês no original, é assim, ao mesmo tempo, uma alusão ao passado compreendido entre a Primeira Guerra Mundial e a crise de 1929, nos Estados Unidos da América.
4- Em francês no texto.
5- O Supremo Tribunal dos EUA.

[*] Artigo publicado no número especial (para a Feira internacional) do New York Herald, de 30/Abril/1939.   Einstein intitulou primeiramente a sua contribuição de "O perigo fascista e os meios de o combater".   Tradução de Bruno Monteiro.

domingo, 5 de abril de 2015

"RATIFICAÇÃO" - José Nilton Mariano Saraiva

Na edição de hoje da “Folha de São Paulo” o competente jornalista Jânio de Freitas RATIFICA - à sua maneira; evidentemente - aquilo que já havíamos comentado ontem na postagem "A Petrobras e o Pragmatismo Chinês" no tocante ao sucesso do pré-sal; à campanha negativa contra a Petrobras por parte de maus brasileiros e; paradoxalmente; o apoio e estímulo incondicionais por parte dos “pragmáticos” chineses. Confira abaixo.
(Obs: estamos sem a vírgula; daí o uso do ponto e vírgula)

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De olho no óleo, por Janio de Freitas - (Folha de São Paulo – 05.04.15)

A pressão para que seja retirada da Petrobras a exclusividade como operadora dos poços no pré-sal começa a aumentar e, em breve, deverá ser muito forte. Interesses estraula)ngeiros e brasileiros convergem nesse sentido, excitados pela simultânea comprovação de êxito na exploração do pré-sal e enfraquecimento da empresa, com perda de força política e de apoio público. Mas o objetivo final da ofensiva é que a Petrobras deixe de ter participação societária (mínima de 30%) nas concessionárias dos poços por ela operados.
Como o repórter Pedro Soares já relatou na Folha, a Petrobras está extraindo muito mais do que os 15 mil barris diários por poço, previstos nos estudos de 2010. A média da produção diária é de 25 mil barris em cada um dos 17 poços nos campos Lula e Sapinhoá, na Bacia de Santos (de São Paulo ao Espírito Santos). Perto de 70% mais.
Não é à toa que, se a Petrobras perde a confiança de brasileiros, ganha a da China, que a meio da semana concedeu-lhe US$ 3,5 bilhões em empréstimo com as estimulantes condições do seu Banco de Desenvolvimento.

Por Norma Hauer

MOREIRA DA SILVA ... E O PRIMEIRO DE ABRIL
Ele gostava sempre de dizer que nascera em um primeiro de abril, mas que não era de mentira. Esse primeiro de abril foi no ano de 1902.
Assim, todos os anos, nessa data, desfilava em carro aberto pela Rua da Carioca comemorando seu aniversário, para mostrar que estava vivo.
Seu nome : Antônio Moreira da Silva, que se tornou conhecido como MOREIRA DA SILVA – O Tal, cognome que lhe deu César Ladeira ao levá-lo para a Rádio Mayrink Veiga, em 1937, depois de descobri-lo no Cassino Atlântico.
Antes de ingressar no rádio, cantava música romântica em bares e bailes, o que hoje parece impossível ter acontecido com o sambista que incentivou sua carreira cantando sambas de breque. Não foi o criador desse estilo de cantar (Luiz Barbosa, também da Mayrink, já o fazia, mas com pequenas frases.)
Foi no Teatro Méier, interpretando o samba “Jogo Proibido” que interrompeu a música e “desfilou” seus breques, entusiasmando a platéia e fazendo-o adotar o estilo até o fim de suas apresentações aos 96 anos , em 1998.
Não foi o cantor que mais gravou, mas foi o que cantou durante mais tempo. Afinal, viveu 98 anos , lúcido até o fim.
Sua primeira gravação foram dois pontos de macumba: “Ererê” e “Rei da Macumba”, em 1931, na Odeon. Mas seu primeiro sucesso foi o samba “Arrasta a Sandália”, em 1932.
Em 1935 outro grande sucesso:”Implorar”,de Kide Pepe e Germano Augusto.
Já sendo um nome conhecido, em 1938 foi a Portugal, ali tomando parte em um filme de nome “A Varanda dos Rouxinóis”, de Leitão de Barros.
Regressando ao Brasil no mesmo ano, voltou à Mayrink, indo depois para a Rádio Tupi.
Em 1940 e 1941 dois sambas “estouraram”:
“Etelvina, acertei no milhar
Ganhei quinhentos contos,
Não vou mais trabalhar...
Você dê toda nossa roupa aos pobres
E a mobília, podemos quebrar (isso é pra já)
Etelvina, vai ter outra Lua de mel
Você vai ser madame, vai morar num grande hotel
E telefone para o Mané do armazém
Porque não quero ficar devendo nada a ninguém
Eu vou comprar um avião azul
Para percorrer a América do Sul
Até que enfim agora sou feliz
Vou percorrer a Europa toda, até Paris...
E os nossos filhos, oh, que inferno,
Eu vou pô-los no colégio interno...
Mas de repente, mas de repente...
Etelvina me chamou, está na hora do “batente”
Mas de repente...
Etelvina me chamou...
Foi um sonho, minha gente.
“e O “Amigo Urso “
"Amigo Urso, saudações polares,
Ao leres esta, hás de te lembrares"
Ele a regravou, corrigindo o “português” assim:
"Amigo Urso,saudação polar
Ao leres esta, hás de te lembrar"
Daquela“ grana” que eu te emprestei,
Quando estavas mal de vida e nunca te cobrei,,,”
A primeira gravação foi recolhida e, quem a adquiriu, ficou com uma raridade.
Dois sambas foram sua marca em 1952: “Olhe o Padilha” e “Na Subida do Morro”.
Padilha era um delegado “durão” que não admitia certas “intimidades” na rua e mandava prender quem as cometesse.
Morengueira, brincalhão, gravou o samba que “estourou” como um dos maiores sucessos daquele ano.
Seu primeiro LP, já nos anos 60, recebeu o nome de “O Último dos Malandros” e em 1963 gravou uma série de composições de Miguel Gustavo, lançados em um LP, aberto com “O Último dos Malandros”.
Em outros LPs gravou Noel Rosa com “Conversa de Botequim”; regravou “Acertei no Milhar”, alterando sua letra para “ 500 cruzeiros” ao invés de 500 contos e regravou, ainda, “Na Subida do Morro”.
Em 1979, convidado por Chico Buarque, fez parte de um LP com o nome de “A Ópera do Malandro” na qual, em dueto com Chico, gravou “Meus 12 Anos”.
Em 1980, viajou pelo Brasil com o “Projeto Pixinguinha”; em 1989 lançou um LP denominado “ 50 Anos de Samba de Breque” e, em 1992, foi homenageado pela Escola de Samba “Unidos de Manguinhos” com o samba-enredo “Moreira da Silva-90 Anos de Samba”.
Com Dicró, e Bezerra da Silva gravou um LP de nome “Três Malandros in concert”, numa sátira aos “Três Cantores in concert”, com Pavarotti e Cia.
Ainda, em 1995 teve fôlego para se apresentar no Projeto Seis e Meia do Teatro João Caetano.
E em 1998 num LP de nome “Brasil são Outros 500”. encerrou sua carreira com “Amigo Urso”.
Ele dizia que viveria 100 anos, mas a morte o levou em 6 de junho de 2000, aos 98.

sábado, 4 de abril de 2015



A PETROBRAS E O "PRAGMATISMO CHINÊS" - José Nilton Mariano Saraiva

Sábios, pacientes e pragmáticos, os chineses não dão murro em ponta de faca e nem admitem marola com coisa séria. E por serem muito criterioso em tudo o que fazem, é que atingiram a condição de maior potencia do mundo, da atualidade. Não entram em aventuras que venham a lhes causar problemas futuro, daí só investirem quando o retorno é certo e onde haja a garantia de manutenção das regras por parte de um governo institucionalmente estável. Especialmente em termos econômico-financeiros, o rigor na “seletividade” dos parceiros é sua marca maior, beirando ao extremismo. Em assim procedendo, o chinês não se deixa ludibriar por qualquer canto de sereia e não desembarca em nenhum desses portos chinfrins da vida.

Por isso, e embora a desonesta mídia brasileira haja adotado um silencio sepulcral sobre, é gratificante tomar conhecimento, e tratar de difundir aqui e alhures, que o “pragmatismo chinês” prevaleceu mais uma vez, porquanto, mesmo com o vendaval de denúncias e a posterior confirmação de malfeitos perpetrados por alguns aloprados na Petrobras (sem a participação do chefe do poder executivo), resolveram investir pesado na empresa, concedendo-lhe um empréstimo de estratosféricos U$ 3.500.000.000,00 (três bilhões e quinhentos milhões de dólares) além de acenarem com a perspectiva da concessão, mais adiante, de novos e portentosos investimentos.

E isso, repita-se, apesar de toda a campanha negativista e malévola encetada contra aquela estatal e seus funcionários por uma oposição raivosa e sectária (ainda lambendo as feridas do inconformismo por ter perdido uma eleição que considerava certa) e difundida com estardalhaço por uma mídia corrupta e desonesta, que também fracassou em sua tentativa de eleger o representante da “gringarada” (o playboy do Leblon, Aécio Neves) por essas bandas.
 
E os chineses fizeram tal opção por uma razão simplória e objetiva, mas que alguns maus brasileiros (incensados por políticos corruptos e irresponsáveis), teimam em querer manter à sombra: é que, independentemente das dificuldades momentâneas que atravessa, a Petrobras é, sim, uma das maiores empresas do mundo em termos de prospecção e extração de petróleo em águas profundas (em face da sofisticada tecnologia de ponta que desenvolveu ao longo dos anos) e que lhe permitiu descobrir as fabulosas e até então virgens jazidas do pré-sal a 7.000 metros de profundidade e a milhares de quilômetros de distância da costa brasileira (um feito inigualável).

Além do que, o que se comenta entre especialistas (e os chineses devem tomado conhecimento, evidentemente) é que hoje a Petrobras estaria até “economizando” em investimento pelo fato de os poços do pré-sal serem mais produtivos que o esperado. Por exemplo: num poço em que se previa produzir 15 mil barris-dia, em média, produz, hoje, 25 mil barris a cada 24 horas. E isso, queiram ou não admitir os “eternamente do contra” (sempre de plantão) é uma monstruosidade, em qualquer idioma, tendo em vista que no Mar do Norte a média é 15 mil barris de petróleo por poço/dia e, no Golfo do México, são 10 mil barris de petróleo por poço/dia. Pois bem, no campo de Lula, um só poço produz tanto quanto um do Mar do Norte e outro do Golfo do México, SOMADOS. E mais: alguns dos poços do pré-sal chegam a produzir, entre óleo e gás, 45 mil barris-dia de média e na produção do poço de Libra espera-se rendimento de 50 mil barris diários.

Assim, a alvissareira perspectiva é que, como o faz hoje a pragmática China no mundo sempre haverá alguém para “negociar-conceder” créditos a uma empresa detentora de um capital intangível insuspeito e que literalmente se acha fincada sobre as maiores jazidas de petróleo recentemente descobertas. Portanto; a tendência é que depois da casa arrumada novos e potenciais parceiros deverão aportar por essas bandas em breve.

Conclusão: mesmo ante a ação criminosa naquela estatal de meia dúzia de bandido-engravatados (de alta periculosidade), de par com mafiosos políticos e empresários inescrupulosos – cujo objetivo maior sempre foi, é e será entregar o pré-sal à “gringarada” – tal não ocorrerá. Isso porque, detentora de tantos predicados, a Petrobrás impor-se-á sobre o vendável de falcatruas de que foi vítima – apesar da recorrente e desesperada tentativa da “tucanalhada” de enxovalhá-la e denegri-la dia a dia.

No mais, aprendida a lição (mesmo que de forma traumática e dolorosa), a partir de então é tratar de blindá-la hermeticamente, visando obstar qualquer outra "investida-bandida", principalmente da abjeta e desprezível classe política brasileira.



quinta-feira, 2 de abril de 2015

Os elos de uma só cadeia

J. Flávio Vieira

“Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

Castro Alves ( “Navio Negreiro”)

                                               O lenga –lenga parece cantiga de grilo : não tem fim. Desde os anos 90 roda,  no Congresso,   Projeto de Emenda Constitucional que busca reduzir a Maioridade Penal no Brasil. Em meio ao tiroteio interminável da nossa violência urbana, com frequentes casos de menores envolvidos em delitos, a grande Mídia – reflexo das classes mais privilegiadas do país que lhe patrocina—tem levado a maior parte da população ( mais de 80%)  a crer nesta medida como fundamental para a atenuação da nossa violência urbana. Recentemente a Comissão de Constituição e Justiça apreciou a PEC 171/93, apresentada pela Frente Parlamentar de Segurança Pública, vulgarmente conhecida como  Bancada da Bala, e a proposta foi aprovada por mais de 70% dos votos. Deve agora seguir os trâmites legais e ir, depois, à  votação  na Câmara e no Senado.
                            Nado contra a maré mais uma vez.  Acredito que a Emenda, se aprovada, não só não atenuará o problema, como tende a piorá-lo. Continuaremos  matando algumas formigas na boca do formigueiro, imaginando que assim solucionaremos o problema da saúva no milharal. E as razões que me levam a pensar assim são transparentes. Primeiro , as estatísticas mostram que apenas uma fatia mínima dos jovens , algo em torno de 0,5%, comete delitos. Estes, na sua maioria , são pobres, pouco alfabetizados, negros e residem em áreas em que o Estado sempre se mostrou profundamente omisso. Eles são , na verdade, vítimas do sistema perverso onde estão metidos e não agentes da violência das ruas.  Punir apenas, isenta totalmente o Estado da sua culpabilidade e estaremos, mais uma vez,  mexendo apenas nos efeitos e colocando no baú as causas.  Além de tudo, se resolvesse cadeia para criança, o problema estaria , de longe, resolvido. Temos uma Pena de Morte tácita nas ruas para os menores infratores. Nos últimos vinte anos,  os homicídios de crianças e adolescentes cresceram 350%,  só em 2010, foram assassinadas 24 crianças e adolescentes a cada dia.  
                            Aplicada a nova Maioridade Penal, os presídios,  já perversamente abarrotados, se encherão , agora, de crianças, sujeitas a todo tipo de agressão. Já possuímos a quarta maior população carcerária do mundo.  Delinquentes menores se matricularão, automaticamente, em verdadeiras universidades do crime . Os presídios brasileiros têm uma vergonhosa taxa de reincidência de 70% e a do sistema socioeducativo aplicado, com toda falha desse mundo, não chega a reincidência a 20%. Aprovada a PEC, feriremos , de morte, o Estatuto da Criança e do Adolescente e mais : a Emenda parece de todo inconstitucional. Além de tudo, para nós que nos preocupamos tanto  com a imagem do país no exterior, estaremos agredindo acordos internacionais importantes como  a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil. Por outro lado, a elite brasileira que tanto se preocupa em copiar modelos estrangeiros precisa saber que das 57 Legislações internacionais existentes sobre Maioridade Penal, apenas 17 preconizam maioridade abaixo de 18 anos, ou seja a minoria de tão-somente 29%. Os índices de delitos entre jovens no Brasil de 10%, por outro lado, estão abaixo da média mundial  que é de 11,6%.
                            A aprovação da PEC 171/93, assim, não é só inócua, como perigosa e irresponsável. A chave para minorar a delinquência juvenil no país está na Educação e não na punibilidade. O Estado precisa  olhar para todos e não tratar alguns como filhinhos do papai e os outros como enteados. É preciso , sim, continuar na luta contra a desigualdade social. As vozes que hoje se levantam  a favor da diminuição da Maioridade Penal  são a reencarnação daquelas mesmas que um dia se puseram contra o fim da Escravidão e  a favor do genocídio de Canudos e do bombardeio do Caldeirão.  Elas continuam hasteando os mastros dos seus Navios Negreiros e reerguendo seus Pelourinhos pelas praças deste país.


Crato, 02 de Abril de 2015