por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A "Velha Senhora" - José Nilton Mariano Saraiva

Aliando discrição, simplicidade e traços de nobreza, ao nascer ela já conseguira o que parecia impensável: a unanimidade sobre sua beleza e suas formas perfeitas, suas graciosas curvas e sua postura real, responsáveis por sua caracterização como uma “gracinha”, autêntica “jóia”, detentora de um charme indescritível, um verdadeiro presente dos deuses.
Embevecidos e orgulhosos, os cratenses sentíamos imensa satisfação em mostrá-la aos que aqui aportavam, em visitá-la periodicamente ou, simplesmente, em transitar à sua frente ou arredores, admirando-a e inflando o nosso ego com o que as pessoas dela comentavam; e, se distantes nos encontrávamos do torrão natal por algum motivo, não cansávamos de citá-la em conversas informais, ou mesmo recomendá-la aos que pretendiam visitar a cidade do Crato.
E assim sua fama cresceu, atravessou fronteira, espraiou-se rincões afora. O astral era tamanho e a curiosidade tanta, que todos nutriam o desejo interior de algum dia conhecê-la, mesmo que por um fugidio e único momento, para simplesmente comprovar tudo o que dela diziam. E, vindo, e vendo-a, saiam satisfeitos, radiantes, solidários, a difundi-la por outras plagas. Era, realmente, de uma beleza ímpar, diferente... avançada para os padrões da época.
Com o passar do tempo, entretanto, dada à inexorabilidade do ciclo normal da natureza, naturalmente a jovem cresceu, adolesceu, virou adulta, transmutou-se e viu processar-se o arrefecimento de ânimo, o rareamento das manifestações de simpatia; a chegada da rotina, enfim, acabou com o seu encanto e tornou-a “normal”; além do que, por falta de carinho, cuidados e incentivos, seu aspecto físico compreensivelmente decaiu a olhos vistos, enquanto outras beldades, turbinadas por energéticos e vitaminas que a ela passaram a ser negadas, apareceram ao longo do caminho, tomando-lhe o lugar e adeptos, deixando-a no ostracismo e na saudade.
Os que deveriam zelar e dela cuidar, simplesmente a abandonaram criminosamente, deixando-a por muito tempo ao relento, exposta ao sol, chuvas e trovoadas, enquanto seu habitat natural foi indiscriminadamente invadido e ocupado por companhias nada recomendáveis, sufocando-a sem dó nem piedade.
Hoje, sua imagem é de dá pena e dó e dela até temos vergonha: isolada, acanhada, decadente, sitiada, decrépita, evitada pelos antigos admiradores e também pelas novas gerações, abandonada pelo poder público, ela é o retrato mais que preciso, emblemático e pujante daquilo em que transformaram o Crato ao longo desses 40 anos: uma cidade semifantasma, sem perspectivas, sem futuro, sem nada, e a reboque de migalhas governamentais.

Quem te viu e quem te vê, Rodoviária do Crato !!!

"Ovigopólio" (Luis Fernando Veríssimo)

O DELEGADO E O LADRÃO - O ladrão foi flagrado roubando galinhas de um galinheiro e o levaram para a delegacia, onde se deu o seguinte papo com o Delegado:

Delegado - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai ficar enjaulado!  
Ladrão - Não era para mim não. Era para vender.
Delegado - Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!  
Ladrão - Mas eu vendia mais caro.
Delegado - Mais caro? 
Ladrão – É, espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
Delegado - Mas eram as mesmas galinhas, seu safado. 
Ladrão - Os ovos das minhas eu pintava.
Delegado - Que grande pilantra. Ainda bem que tu foi preso. Se o dono do galinheiro te pega... 
Ladrão - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um “ovigopólio”.
Delegado - E o que você faz com o lucro do seu negócio? 
Ladrão - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros do supremo... Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação escolar do governo e superfaturo os preços.

Nisso, deu-se a guinada: intrigado, o delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada e tal e depois perguntou:

Delegado – “Doutor”, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
Ladrão - Trilionário, doutor, trilionário.. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
Delegado - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas? 
Ladrão - Às vezes. Sabe como é.
Delegado - Não sei não, excelência, me explique. 
Ladrão - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.
Delegado - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.  
Ladrão - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
Delegado - Sim. Mas o “Doutor” é réu primário. E com esses antecedentes...


Luis Fernando Veríssimo.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O CÉU ESTRELADO DO MEU AVÔ - por Stela Siebra




Era uma vez um avô poeta que louvava a Deus louvando a sacralidade da natureza. Era um avô sábio e simples, brincalhão e contemplativo.
Antigamente, não muito antigamente, a energia elétrica não havia chegado aos sertões do nordeste brasileiro, o que fazia com que as noites fossem escuras como breu nas fases de lua minguante e nova. Mas o manto estrelado do céu era um convite à contemplação do infinito, à leitura do mistério das constelações distantes, à viagem interior em busca do brilho divino dentro de nós.
A noite, seja clara de lua cheia, seja clara de estrelas, é tempo e espaço propício aos astrólogos, aos poetas, aos buscadores da Beleza Infinita de Deus.
Stela Siebra

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O homem que "presenteia" livros - José Nilton Mariano Saraiva

Dentre as muitas variáveis que caracterizam o pleno exercício da cidadania, o acesso à leitura deveria constituir-se peça necessária, primordial, absolutamente imprescindível. E, na contemporaneidade, quando a competição por um lugar ao sol é das mais acirradas, evidente que a falta de leitura impossibilita o acesso de muitos a um outro mundo, obsta-o de ter uma visão mais abrangente da realidade, escraviza-o à criminosa permanência na longa noite da escuridão da ignorância.
Não há, pois, atitude mais nobre e digna do que possibilitar aos que não têm condição, a perspectiva de descortinar um novo horizonte, de abrir novas portas, de agregar valores outros. E isso é feito primordialmente através da leitura.

Assim, é motivo de tremenda satisfação saber que um “matuto” de Farias Brito, que morou no Crato, viveu no Rio de Janeiro e estabeleceu-se profissionalmente em Brasília, resolveu por conta própria ser uma espécie de “multiplicador” da cultura, inusual “farol” de um porto seguro.

É que, ao galgar o conceituado posto de produtor gráfico na Universidade de Brasília, entendeu ser chegada a hora de disseminar bibliotecas e distribuir livros pelo Brasil afora, doar-se de corpo e alma aos menos favorecidos, possibilitar-lhes o acesso à cidadania através do saber, do conhecimento. E tudo isso, anonimamente, sem propaganda, sem fazer barulho nenhum, sem contar com qualquer verba de quem quer que seja. Trabalho de formiguinha: solitário, persistente, incansável, sofrido, mas... gratificante.

Certamente que apegado e imbuído àquela filosofia de “fazer o bem sem olhar a quem”, adotou o revolucionário e estimulante lema de que “o livro precisa ir onde o leitor está”, daí já ter distribuído livros para mais de 200 bibliotecas nordestinas (dentre as quais cerca de 50 do seu querido Ceará), perfazendo um total de mais de um milhão de livros doados. Que outros sejam estimulados a seguir seu exemplo.


O nome da “fera” ??? Elmano Rodrigues Pinheiro. O homem que “presenteia” livros. E que em função de tão dignificante missão, merece o reconhecimento e aplausos de todos nós. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

"Blá-blá-blá" - José Nilton Mariano Saraiva

2014 nem começou e já se propagandeia que agora, em meados de janeiro, realizar-se-á em Juazeiro do Norte mais um daqueles seminários suntuosos, improdutivos e desnecessários sobre Cícero Romão Batista. Nenhuma novidade à vista, porquanto a “ruma” de autoridades que se fará presente virá com o mesmo blá-blá-blá de sempre, a recorrente lengalenga em uso há décadas, os desgastados sofismas de antanho e, enfim, a mesmíssima caduca pauta que já se conhece de cor e salteado. (parece existir o temor de incluir questionamentos pertinentes, mas que incomodam, porquanto capazes de “arranhar o mito” e levantar dúvidas sobre o seu modus operandi). Assim, tudo indica que só o “cachê” dos tais “experts” é que será mais salgado, daí a dúvida: quem responderá pelo pagamento, sem dúvida vultoso, além da locomoção e estadia das mais de uma centena de pessoas que se farão presentes ???

Agora, de estranhar mesmo, é que à frente de tal encontro tenhamos alguém que na atualidade se encontra respondendo a processo na justiça (o Bispo Diocesano dom Fernando Panico) que, inclusive, já passou pelo singular constrangimento de comparecer a uma delegacia de policia (no Crato) a fim de prestar esclarecimentos sobre a venda subfaturada de imóveis da Diocese, de par com o inusitado e estranho recebimento de aluguéis desses mesmos imóveis (afinal, como alguém que adquire um imóvel se sujeita a pagar ad eternum, aluguel do mesmo, a não ser que o tenha adquirido por um preço irreal ???).


Assim, a fim de afastar de vez a sombra das consistentes suspeitas que sobre si se abatem, será que a atitude mais prudente e correta não seria o próprio Bispo Diocesano tomar a iniciativa de (humildemente), se licenciar do trono (mesmo que temporariamente), voltando a posteriori, nos braços do povo, se inocentado após o julgamento. Ou, intimamente, existiria algum temor, na própria cúpula da Diocese, da sua não absolvição ???

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O umbigo de Teodolino




J. Flávio Vieira

                                               A família tivera lá seus anos de glória. O avô chegara a Matozinho tangido pela seca medonha de 1915, temendo morrer não de fome , que era já um luxo, mas de sede. Empregou-se num pequeno Armarinho e lá mesmo dormia, num quartinho nos fundos. Pasqualino  Caicó carregava um talento inato de vendedor, tinha boa conversa, artes de sedução e rápido cresceu no comércio, terminando por montar sua própria lojinha : “A Mão na Roda” . E foi com ela que, pouco a pouco, solidificou  um verdadeiro império naquelas brenhas. As lojas se diversificaram e multiplicaram ;  nos anos 50, Pasqualino inaugurou o primeiro Posto de Gasolina da vila e , ainda, enveredou pelo ramo dos imóveis, da pecuária comprando fazendas casas e se tornando uma das maiores fortunas da região. Havia filiais de “A Mão na Roda” em quase todos os municípios importantes do estado. Pasqualino carregava consigo inúmeras qualidades :  mesmo com todo o império firmando, mantinha-se simples, de vida regrada e monástica , nunca se mudou de Matozinho e trabalhava como um mouro. Não se sabia, também, de papel feio dele no comércio, era duro e sagaz nas negociações, mas trato firmado  , palavra empenhada, escrevia-se no mármore: não era homem de quiriquiqui, nem  duas conversas.
                                   Casara-se Pasqualino com D. Mimosa, senhora também de origem humilde, econômica, digna e dinâmica. Os filhos foram se sucedendo, como acidentes de trabalho da única diversão de pobre naqueles confins do Judas. Vieram ao mundo  dezenove, sobreviveram,  ao duro corredor polonês  das incontáveis moléstias infantis, dez. Os meninos  criaram-se sobre a rigidez   sistemática dos pais. Nada de regalias extremas , nem facilidades em demasia. Vieram ao mundo, no entanto, na fase mais áurea do casal e já partiram de um outro patamar social. Tinham diante de si um verdadeiro império , sem terem qualquer idéia do esforço desprendido na construção, do suor escorrido pelo corpo de Pasqualino e de Mimosa. Como sói acontecer, com a morte dos pais, o patrimônio viu-se fatiado em dez pedaços, além , claro, das fatias dos advogados que terminam também herdeiros nessas querelas. Findo o inventário, a história parece de todo previsível. Rapidamente o vasto patrimônio  arduamente construído por Pasqualino e Mimosa dissolveu-se como picolé em calçada quente.  A mor parte dos filhos fez apenas o caminho de volta que o pai um dia havia trilhado. Apenas um dos rebentos , Florisvaldo, pareceu ter herdado as artes de Pasqualino  e permaneceu mais remediado, mantendo ainda parte da riqueza:  lojas e fazendas.
                        Vê-se , assim, que a família, tivera lá seus dias de glória e mantinha ainda alguma empáfia, a certeza última : quem havia reinado devia manter lá alguma majestade, mesmo depois da queda da dinastia  caicoense. E aqui estamos nós, justamente nos dias que se sucederam à morte da viúva de Florisvaldo : D. Soledônia. Ela havia sido uma das mulheres mais elegantes do estado e ficara conhecida pelas jóias , pelos colares de pérolas e pelos diamantes que costumava usar nas festas mais solenes.  Os quatro filhos reunidos , todos netos de Pasqualino, já brigavam ,como urubu em carniça,  pelo resto do espólio que restara dos pais. Havia pouco a dividir: a casa, uma fazendola e a última loja “Mão na Roda” de Bertioga, últimos bens que restaram do incrível reino que Pasqualino um dia erguera com mão de ferro.  Imaginavam todos os matozenses que a partilha de bens seria dificílima. Primeiro, mesmo já quase nada mais restando, na cabeça dos filhos, eles ainda eram riquíssimos como nos velhos tempos do avô. Depois, a geração atual pouco tinha a ver com a lisura e a honestidade do avô. Eram quase todos desmantelados como rastro de carroça , principalmente  o primogênito : Teodolino. O homem era velhaco : não pagava a gente viva nem a morta ou reencarnada. Viva de rolos e de mutretas e havia sido ele um dos maiores responsáveis pela dilapidação do patrimônio do pai Florisvaldo, metendo-o como sócio numa indústria de granito que terminou , após um investimento vultoso, dando com os burros na água. Previa-se, assim, uma briga colossal pela posse da pouca carniça que restara para tantos abutres como comensais.
                        Aberta a reunião, já com a presença de um advogado como mediador, por incrível que possa parecer, as coisas pareceram caminhar para um bom termo. Teodolino, com os olhos merejando, voz embargada, visivelmente emocionado, fez uma declaração absolutamente inusitada :
                        --- Minha vida se acabou ! Não consigo viver um minuto sem pensar na minha mãezinha ! Assim, abro mão de tudo, meus irmãos ! Quero apenas o cofre velho dela. Quero guardar como lembrança última  : seus documentos, seus escritos, sua bíblia, suas lembranças mais queridas que sei ela guardou lá dentro !
                        Os manos acharam estranho aquele desprendimento súbito de Teodolino. Mas , vendo-o derramar-se no pranto, concordaram. Rápido, os outros três irmãos chegaram a um consenso na divisão : um fica com a loja, outro com a fazenda e o derradeiro com a casa. O advogado jamais imaginou que ganharia o salário tão facilmente. Lavrou o documento, todos assinaram e o juiz , aliviado, no mesmo dia, deu provimento ao embargo. Na manhã seguinte, chamaram um especialista em  cofre para  abri-lo, já que não mais existia chave e ninguém lembrava do segredo. Teodolino fez questão, com ar vencedor, de convidar os irmãos para a abertura oficial . Já não derramava lágrimas, os olhos brilhavam como holofotes,  imantados pela energia mais potente que se conhece: a  ambição.  Esperava, com a ânsia de um pirata,  ver sair lá de dentro as jóias fabulosas de Soledônia: anéis de diamantes, colar de pérolas, braceletes de ouro.
                        O especialista , usando uma gazua, encostou o ouvido na porta do cofre e, meticulosamente, rodopiou  o botão da combinação, anotando a sequência correta ( dois para a esquerda, três para direita, sete para a esquerda). Depois , refez toda a sequência e, por fim,  destravou-o, num clique seco. Teodolino partiu correndo e de lá retirou o tesouro deixado por Soledônia:  um buquê de rosas secas do seu casamento, um par de chinelas currulepes do velho Pasqualino e o umbigo de Teodolino que se  houvessem  enterrado no pé do mourão do curral não teria dado aquele azar danado a ele.

Não quero pressa...


Quero

As noites de sonhos
Acordar com cheiro de café
O  telefone mudo
A TV desligada do mundo

Tempo lato pra lembrar
de quem está do outro lado da vida
Ou do outro lado da serra

A  mansidão de quem não tem pressa
(pra viver.cozinhar,comer,morrer..)
A suavidade pra amar indistintamente
Com todas as dores e alegrias compreendidas

Quero todo mundo feliz, e eternamente crescentes...

QUERO NUNCA ESQUECER QUEM EU AMO

SOCORRO MOREIRA


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Nosso Sonho Americano - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Há cerca de quinze anos, quando a Coelce, onde eu trabalhava, estava sendo preparada para privatização, ficou decidido entre uma infinidade de providências, que seus engenheiros deveriam aprender a falar inglês, para melhor se comunicarem com os futuros patrões. Então, no próprio local de trabalho, uma hora antes do expediente, passamos a ter aulas de inglês três vezes por semana. Qual não foi a minha surpresa ao verificar que muitas palavras do  idioma de  Shakespeare  já eram usualmente faladas em nosso país! Provavelmente devido a utilização dos micro-computadores, uma novidade que surgia naquela época, com seus "e-mails," "facebook", "home pages," "delete" ou talvez por influência da televisão ou quem sabe, para demonstração de "bom gosto" ou elitismo das pessoas ditas mais educadas. No meu entender, isso revela mesmo nosso subdesenvolvimento sócio-cultural.

Uma volta a esses luxuosos centros de compras, aliás "shopping centers" como costumamos chamar, faz com que nos sintamos no exterior, com a vantagem de fácil acesso e não ser preciso tirar passaporte. Palavras como "sale, light, square, delivery, site" e tantas e tantas outras são usualmente faladas em nosso país. Já pensaram nos famosos "queimas" da velha Casa Abrahão sendo anunciados como "sale"?  Remédios sendo comprados na "Central Drugstore" do seu Zuza da Botica? Nossas compras semanais na Cantina do Oliveira sendo  processadas por "delivery"? Ou o que responderia o velho Bantim ao pedirmos um "lunch light" em sua sorveteria?

Pois não é que aquele curso de inglês me fez regressar a 1964?  Lembrei-me de que na minha primeira semana de aulas no então primeiro cientifico de um colégio de Salvador, ao atender uma solicitação do professor de português para uma redação sobre o orgulho de ser brasileiro, uma aluna ruiva, de rosto escondido por pesados óculos de grau sustentados pelos seus cabelos cor de fogo, escreveu que não tinha nenhum orgulho de ser brasileira, pois gostaria de ser norte-americana. O professor elogiou aquela redação e a leu para toda turma, ressaltando a coragem dessa aluna e, o estilo de escrita corretíssimo, embora não concordasse com suas idéias, não poderia se negar de lhe atribuir nota dez. Anos depois, eu soube que aquela aluna morrera tragada pelas ondas do mar na praia de Piatã, sem realizar o sonho de ir morar nos "States", onde provavelmente iria sentir orgulho de ser brasileira.

Penso que para falarmos o inglês definitivamente, falta pouquíssima coisa. Que dizer quando as pessoas mais simples desconhecem uma palavra do português? Pois nós tivemos uma prova disso no final de 2011. Estávamos em Natal, no vizinho estado do Rio Grande do Norte, quando visitamos o mais novo "shopping center" daquela cidade. Numa sorveteria, toda turma que nos acompanhava resolveu pedir sorvetes, pois fazia muito calor. Havia ali a mais variada espécie de sabores. Então eu indaguei ao sorveteiro se havia algum tipo de sorvete dietético:
- Não! - Respondeu ele secamente.
 Magali que chegara ao balcão alguns segundinhos depois perguntou:
- Você tem sorvete "diet"? (Pronuncia-se: "daite"). 
- Temos sim! - Respondeu ele.
Olhei para cara dele e não me contive. Perguntei ríspidamente:
- Você é americano? É?

Estava ali a maior prova de que o inconsciente coletivo do brasileiro tem esse sonho! Sermos todos nós norte-americanos, como aquela ex-colega baiana, para maior desgosto dos nossos avós portugueses que, graças a nós brasileiros  transformamos o idioma de Camões na quinta língua mais falada do mundo.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Nota: Eis a relação das dez línguas mais faladas no mundo por números de pessoas nativas: 1° Mandarim (China) 2° Hindi (Índia); 3° Espanhol; 4° Inglês; 5° Português; (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e Guiné Equatorial, São Tomé e Principie, Goa, Timor Leste, e Macau.) 6° Árabe; 7° Bengali, 8° Russo; 9° Japonês, 10°  Francês. 
 
Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Amar acima de tudo revoluciona o todo - José do Vale Pinheiro Feitosa

Seguindo a ideia de uma outra utopia frente ao atual sistema capitalista. Toda utopia é a construção do futuro e quando aplicada à realidade vai enfrentar as contradições. Como dizia o filósofo Alemão Ernest Bloch: viver o futuro no presente. Nem sempre realizáveis, as utopias ao menos se prestam para que seus cultores sintam a renúncia dos seus motivos nobres. É muito comum entre os cristão a renúncia ao amor fraterno, pelo menos na prática, em razão de sociedades desiguais que aceitam a servidão humana.

Agora mesmo o Papa Francisco tem dito coisas que ferem mortalmente o atual sistema de lucros e transações sob base do interesse compensatório. O modelo você sabe, vale pelo que em negócio me proporciona. Estendido, por exemplo, com as indulgências pagas, com o dízimo e a tabela dos preços dos sacramentos.

Nem preciso falar em figuras abjetas que pregam milagres com a mão, enquanto na outra sustenta o saco que recepciona o lucro do milagre. Falo de coisas do tipo de quem chega para “encomendar” o corpo de um rico e se engana ao se aproximar do corpo de uma família pobre. Quanta decepção pelo engano, interrompe o ritual antes da metade e vai em busca da família que o encomendou.

E eis que o Papa Francisco anda a pregar o amor gratuito de Deus por nós. Retorne à palavra gratuito, que não requer pagamento. Não depende da transação. E se conclui que a pessoa que é muito amada é levada, naturalmente, a amar muito. Quem é amado de modo gratuito, sem ter que dar nada em troca, ama sobretudo a todos.


Algo mais revolucionário em relação a este mundo baseado no sucesso, no acúmulo de bens materiais e em levar vantagens nas transações com o outro? Isso é de uma radicalidade que põe por terra todos os alicerces em que a própria Igreja foi construída e se sustenta. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

terça-feira, 31 de dezembro de 2013


Hoje, 31 de dezembro de 2013. Estamos de saída para a Praia de Copacabana. Um amigo, que mora na Avenida Atlântica, com uma visão privilegiada para a Praia, a Multidão e a Queima de Fogos faz uma cota, contrata um DJ, arruma bebidas e comidas, dançamos, conversamos e assistimos. Claro provando a tradicional lentilha da meia noite quando já estamos em 2014. Vocês aí em Crato uma hora após.

À tarde assisti a um entrevista num canal de televisão com o Maestro Zubin Mehta quando a entrevistadora fez a analogia clássica que quase se tornou um chavão. Ela queria a transcendência da música, especificamente a elevação dos seres humanos a Deus. Ao que o Maestro respondeu: ela une as pessoas. Ela eleva as pessoas em razão uma das outras quis dizer o maestro. 

Isso que penso dessa procissão que acompanhei e filmei e fiz um filmete com todo o percurso, com texto e voz. Já publiquei um trecho quando falava na solidão da estrada carroçável que em seguida encheu-se de gente em caminhada. Isso é o que penso sobre a procissão: mais do que um elevação ao sublime da dádiva, é uma elevação dos seres humanos. Assim como todas as nossas mensagens de fim de ano. Com um reparo com a filmagem é em alta definição, tive que rebaixar para poder fazer o upload.




segunda-feira, 30 de dezembro de 2013


UNS

(Caetano Veloso)

Uns vão
Uns tão
Uns são
Uns dão
Uns não
Uns hão de
Uns pés
Uns mãos
Uns cabeça
Uns só coração
Uns amam
Uns andam
Uns avançam
Uns também
Uns cem
Uns sem
Uns vêm
Uns têm
Uns nada têm
Uns mal
Uns bem
Uns nada além
Nunca estão todos

Uns bichos
Uns deuses
Uns azuis
Uns quase iguais
Uns menos
Uns mais
Uns médios
Uns por demais
Uns masculinos
Uns femininos
Uns assim
Uns meus
Uns teus
Uns ateus
Uns filhos de Deus
Uns dizem fim
Uns dizem sim

E não há outros.

Uma demissão por justa causa. - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Em 1978, o motorista do Superintendente da Coelce para a região do Cariri, veio até minha residência, para informar que estava ali a fim de me conduzir ao distrito de Quincuncá, no município de Farias Brito. E eu deveria representar a Coelce na inauguração da energia elétrica daquela localidade. A solenidade contaria com a presença do governador do Estado e outras autoridades. Eu não havia participado nem do projeto, nem da construção da obra e portanto não possuía nenhum dado sobre aquela rede elétrica prestes a ser inaugurada.

O distrito do Quincuncá fica no topo de uma serra cujo acesso a partir da cidade de Farias Brito era muito difícil. Uma ladeira tão íngreme, que ao terminá-la de subir, tivemos de parar o carro por cerca de uma hora, pois a água do radiador estava fervendo, como se ele fosse uma chaleira, tendo derramado quase toda água. Por esse motivo chegamos um pouco atrasado ao inicio da festa.

Quando chegamos, o governador já havia acionado a chave que simbolizava a inauguração tão ansiosamente aguardada pelos moradores da vila. As autoridades já estavam sobre um improvisado palanque para os discursos e, eu como representante da Coelce fui convidado a subir. No palanque, o senador Virgílio Távora se aproximou de mim e perguntou:
- "Dotorzinho, quantos postes tem essa rede?"
- Setenta postes! - Respondi chutando.
- E o transformador? Qual a potencia? - Insistia ele.
- 112,5 kVA - Dei mais outro palpite.
- E quantas casas foram ligadas? - Sua última pergunta.
- 130 residências. - Meu último chute.

Preocupado, desci do palanque e fui ouvir o discurso no meio dos eletricistas da Coelce que tinham trabalhado até aquele dia na conclusão da rede elétrica. Quando ele terminou sua fala, então eu comentei com o chefe de turma que aquelas informações eu havia chutado ao senador Virgílio Távora. Foi com grande surpresa que eu o ouvi dizer:
- O senhor somente errou no número de ligações: foram 128 casas e não 130. O restante estava tudo certo. Mal poderia imaginar àquela altura, que o meu "achismo" seria tema de futuros ensinamentos na universidade.

Três anos depois, encontrava-me em Recife participando de um curso de pós-graduação "lato sensu", o CEDIS - Curso de Especialização em Distribuição de Energia Elétrica, numa promoção da Eletrobrás através da Universidade Federal de Pernambuco. Era uma espécie de revisão do programa do curso de Engenharia Elétrica, especificamente voltado para distribuição de energia, com participação de engenheiros das empresas distribuidoras de energia do nordeste e convidados de países sul-americanos.

Um dos professores era o engenheiro Solon Medeiros Filho, uma das maiores autoridades em medição de energia elétrica. Paraibano de Patos, o professor Solon era autor de vários livros técnicos adotados na maioria dos cursos de engenharia elétrica do pais e um convidado para ministrar palestras e cursos em Congressos e Seminários de Distribuição de Energia Elétrica por toda a  América Latina. Apesar de todo conhecimento de que era possuidor, o professor Solon não perdia a postura de sertanejo. Ministrava suas aulas com muita competência, entremeando os complicados assuntos técnicos com histórias interessantes, sempre que notava o cansaço se abater sobre a turma de alunos. Ele contava, que certa vez num congresso realizado na Argentina, seus companheiros brasileiros participantes daquele evento compravam sapatos de cromo alemão por apenas dez dólares, uma pechincha, o equivalente a cerca de trinta cruzeiros naquela época, ou nossos atuais vinte reais.
- Solon, você não vai comprar sapatos? Estão baratíssimos! -  Diziam seus companheiros. E ele respondia com outra pergunta para em seguida dar seu próprio veredicto:
- Tem vulcabrás? Porque eu só uso vulcabrás!

Certo dia, já no final do curso, ele nos contou uma história de um ex-aluno, recém formado em engenharia elétrica. Este aluno procurou o professor Solon para, segundo ele interpretava, relatar uma grande injustiça de que fora vítima e pedir ajuda a ele para interferir junto ao governador.

Eis o relato desse aluno. Após a formatura, foi contratado pela CELPE, a Companhia de Distribuição de Energia Elétrica de Pernambuco e lotado em Garanhuns. Naquela agradável cidade, o escritório da CELPE era defronte a casa do prefeito. Rapidamente estabeleceu-se uma amizade entre o prefeito e seu jovem vizinho. Certo dia, o prefeito foi convidar o engenheiro para almoçar com ele e o governador do estado na casa dele. Na hora do almoço foi apresentado ao governador, e o prefeito numa distinção ao seu amigo, fez com que ele se sentasse ao lado do governador. Então começou um interessante diálogo semelhante àquele ocorrido comigo e o Senador Virgílio Távora, acima mencionado.
- Quantos consumidores a Celpe tem aqui em Garanhuns? -  Quis saber o governador.
- Governador, me dê um minutinho que eu vou pegar o relatório no escritório ali do outro lado da rua. De pressa eu volto.
- Não. Não precisa. - Disse-lhe o governador! E continuaram o almoço. Alguns minutinhos depois, outra pergunta do governador:
-  Quantos quilômetros de linha de distribuição tem a cidade de Garanhuns? - Quis saber o governador!
-  Governador, deixe-me pegar o relatório, que darei todas as respostas que o senhor desejar.
- Não, não precisa. - E encerrou aquele assunto. E o engenheiro, após relatar tudo ao professor Solon, disse:
- Professor, quando o governador chegou a Recife mandou me demitir. Será que o senhor poderá falar com ele para tornar sem efeito essa demissão? - Então o jovem engenheiro recebeu do professor Solon a seguinte resposta:
 -  O governador fez muito bem em lhe demitir. Quando ele lhe perguntou quantos consumidores tem a cidade, você deveria ter respondido: cinqüenta mil. E olhasse para o homem. Se ele dissesse, só isso? Você deveria emendar: Estou contando somente a cidade, não inclui os distritos e nem a zona rural. Por outro lado se ele exclamasse: tudo isso? Você deveria dizer, estou contando com os consumidores da cidade, das vilas e da zona rural. 

Depois de ouvir essa história, vi como tivera sorte por haver chutado minhas respostas ao senador Virgílio Távora, pois três anos depois daquela inauguração em Quincuncá, ele foi conduzido à chefia do governo do Estado do Ceará e eu não fui demitido como aquele engenheiro pernambucano, nem mesmo transferido, mas nomeado chefe do Departamento Regional da Coelce no Cariri.  Prova de que qualquer chute na direção do gol, mesmo que a bola bata na trave, é melhor do que a bola passar longe da trave. 

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

sábado, 28 de dezembro de 2013

O nosso (anti) herói do sertão - José Nilton Mariano Saraiva

Todo mundo sabe que o Ceará enfrenta uma das maiores secas da história. Que tal drama comoveu milhares, ao se constatar que tem gente no interior bebendo água misturada com lama, porquanto os açudes e reservatórios de há muito chegaram aos fundos lodosos dos poços.

Pois, ainda assim, o Governador do Estado resolveu inaugurar uma “adutora” no município de Pentecoste, a poucos quilômetros de Fortaleza. Adutora cuja tubulação é composta daqueles “canões” grossos de PVC, com diâmetro de 20/30 centímetros em toda a sua extensão.

Só que, durante a inauguração da dita-cuja, “espocaram” vazamentos de tudo que é lado na tubulação, em razão da... “pressão da água” (é vero, senhores, acreditem). Assim, em pleno cenário de fome e desolação, onde literalmente as pessoas morrem de sede, a pressão da água (durante a inauguração da adutora) foi tão grande que os canos de PVC não suportaram e... tome água jorrando aos borbotões (mais um daqueles milagres fajutos de Cícero Romão Batista ???).

Fato é que logo desconfiaram da “qualidade” dos “canões” de PVC utilizados na obra, e que possivelmente alguém pagou por um produto de marca e recebeu um genérico, presumivelmente fabricado no Paraguai, daí o espetáculo inesperado.  A oposição, claro, botou a boca no mundo.

E aí, de pronto, surge a intrépida figura do salvador da pátria, nosso (anti) herói do sertão. Fingindo-se incomodado, sua excelência o Governador do Estado, Cid Gomes, resolveu “fiscalizar” a obra, evidentemente que acompanhado de um exército de áulicos de plantão e de uma autentica caravana de  jornalistas, cinegrafistas e por aí vai.

E aí aconteceu o inimaginável, o intraduzível, o surrealismo em toda a sua pujança: deixando a formalidade de lado, sua excelência se desvencilhou da roupa tradicional, pôs um “bermudão” de cor berrante e, alegando querer ajudar de forma mais efetiva e presencial, mergulhou e submergiu diversas vezes em um tanque, ferramenta à mão, com o intuito de “fechar um registro” (aqueles “torneirões” enormes usados em adutora) a fim de obstacular a derrama do precioso líquido, possibilitando aos seus “colegas-bombeiro” complementar o serviço.

Naturalmente que tudo isso foi “filmado para a posteridade”, de sorte que as gerações futuras possam tomar conhecimento que (em plena seca), graças à atuação do “governador-bombeiro” foi sanado um sério problema de falta d’agua no município de Itapipoca (por que não cunhar uma placa comemorativa, a ser afixada no local, sob o título de “governador-bombeiro” ???).

O espetáculo, desnecessário, deprimente e repulsivo sob todos os aspectos, apenas reforça o conceito pra lá de negativo que os políticos brasileiros ostentam ante a população.


Quanto ao nosso (anti) herói do sertão, governador Cid Gomes, pontuou seu currículo com mais uma atitude reprovável, dentre as muitas que já afloraram na vigência do seu mandato. Afinal, isso é falta de respeito para com seus conterrâneos, ou o atestado eloqüente do pouco caso que faz da inteligência do eleitor cearense.    

FEIRA LIVRE - José do Vale Pinheiro Feitosa

O Rio de Janeiro é uma narrativa esticada. Convivem atos e fatos coloniais, imperiais e republicanos. Da velha, nova e atual República. E não falo de molduras como o casario e ruas antigas. Falo do metabolismo cotidiano da cidade.

Por exemplo, as Feiras Livres. Nos bairros, na véspera, os carros estacionados em certas ruas devem procurar novo repouso. Na madrugada começa a algazarra da montagem de barracas, caminhões estacionando, caixas de hortifrútis com baques se empilhando nas calçadas.

Carros não passam nas ruas, não chegam e nem saem das garagens. A rua é da feira. Os moradores delas são parte da dinâmica. Suas calçadas, seu trânsito a pé, seu silêncio e sua portaria fazem parte da apropriação coletiva da feira. De um coletivo a serviço da atividade mercantil privada e vice-versa.

O esticado Carioca não é um painel de tempos. É a maneira como o hoje acontece. Uma fusão de contraditórios, misturando aparências com interioridades distintas. Ao mesmo tempo um tipo estranho numa mentalidade conservadora. No mesmo corpo a vanguarda e o atraso. E usar o que deseja sem buscar a coerência. Viver o nicho zoando pelos habitats estranhos.

Com o carrinho de feira pela calçada, na rua Jardim Botânico, dou de cara com uma jovem gorda estampando uma camisa com a logomarca da revista Vogue. A revista fashion. Mas quem traduz de fato aqueles dizeres em inglês das t-shirt? E um pintor de paredes com uma camisa de uma campanha eleitoral de dez anos passados.

Nos botequins da redondeza, aqueles que ainda restam, os bebedores contumazes ausentam-se da monotonia dos quitinetes com uma garrafa de cerveja de volume incerto, mas um copo espumando já pela metade. E nunca ficam cheios.

E na barraca de pastel, uma juntada de fregueses pedem, esperam, conversam enquanto o motor de 4 HP espreme o bagaço que esvaziou-se num córrego de caldo de cana. Quem é mais importante? O Caldo de Cana? O pastel? A espera? Ou a conversa?

Os caminhões do peixe, do frango, do porco e até do carneiro. Linguiças. Ovos. Sangue para o molho pardo. Miúdos para o banho de vida insalubre e a retirada da pele das peças que dizem saudável. Dizem, é assim que a regra se interpõe.  

E uma rua plena com as duas margens de verduras, legumes e frutas desde a típicas dos finais de ano como a Lichia e as Cerejas até a velha banana do cotidiano. Barracas de temperos. Dos queijos, coalho, minas canastra, manteiga, parmesão e outros mais que somam-se à natureza de cada comerciante.

Para os sem tempo e preguiçosos, sacos de macaxeira descascada e em pedaços, sacos com mixes de legumes cortados ou de apenas um, além de outros ralados de modo a superar a lavagem daquele processador de legumes que foi uma maravilha na compra, mas hoje é estorvo no armário da cozinha.
E os comerciantes precisam alertar para o seu produto. Eles gritam, fazem piadas, têm seus refrãos. O marketing mais avançado contempla deste a rasgada satisfação com a venda ao repetir inúmeras vezes a palavra maravilha, maravilha, maravilha ou mentir sobre a qualidade do seu produto sem esquecer da piada que o denigre. Por exemplo, o senhor quer um mamão maduro, de vez ou um mamão podre.

E é fatal. Você se torna freguês de algumas barracas. A do Grandão por exemplo. Uma lábia de fazer inveja ao um padre ou a um pastor da liturgia da prosperidade. O melão é ótimo, só ele o tem, vem de Itaiçaba no Ceará. A manga dele não vem de São Paulo mas de um lugar outro onde é mais doce. Na verdade o bom sabor nos coloca no conhecimento da excelência daqueles lugares sem que nunca se tenha qualquer base que a sustente. A não ser a boa capacidade de escolha do Grandão na Ceasa.

E como um cidadão do século XIX, vou de volta para o meu canto, puxando um carrinho de compras cheio dos produtos da era da biotecnologia. A feira do Rio de Janeiro.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A Polêmica em torno do Programa Mais Médicos seis meses após - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os setores corporativos da medicina reagiram negativamente ao programa Mais Médico. Pela primeira vez o Governo havia dado um passo além do limite do discurso que unia a todos: mais recursos financeiros para a saúde. Nesse assunto de mais recursos as corporações médicas se alinhavavam na medida progressista.

Porém quando o assunto chegou à sala dos profissionais de saúde as suas corporações (Conselhos, Sindicatos e Ícones Técnicos como Dráuzio Varela) foram para o canto direito da luta. Quando os médico cearense vaiaram e xingaram os recém chegados, especialmente os cubanos, a situação se tornou puramente ideológica.

Se tornou na luta entre o SUS, de acesso universal e gratuito e o setor corporativo privado baseado na exploração intensiva de tecnologia cara. Naquela altura os sindicatos médicos que tiveram importante papel no período da redemocratização do país, na constituinte apoiando o SUS e depois lutando por mais recursos, pularam a barreira para o lado mercantil.

Muitos sem ter consciência disso, mas foi isso que aconteceu. Nesse momento, também, se rompe uma aparente aliança, muito por causa do silêncio, entre médicos que atuam nos Chamados Cuidados Básicos de Saúde e aqueles que operam na tecnologia de ponta. Na verdade há uma dicotomia de origem na formação de médicos de Atenção Básica e nos Tecnológicos.

A rigor os primeiros são mais médicos na acepção clássica da palavra. Eles operam com um senso coletivo de resultados de suas ações. Enquanto o outro se tornou uma espécie de técnico de nível superior especializado em operar equipamentos que dão lucros em Bolsa de Valores.

E por incrível que pareça os “Médicos Tecnológicos” sempre se acharam “superiores” ao colegas de Atenção Básica. Eles terminavam pelo caminho do acesso do fetiche da tecnologia adotando preconceitos de classe. Aliás essa é uma das características da pós-modernidade: a ideologia de classe decorrente do acesso à tecnologia de ponta.

Mas o que temos? Pela primeira vez uma política de Estado deu conta do problema integralmente. A primeira questão. A população de profissionais de saúde saltou de 5,39% em 2000 para 7,01% de participação na população economicamente ativa. Isso significa gerou muito mais vagas do que as faculdades formavam.

Nos últimos dez anos se abriram 146 mil vagas de médicos no país, mas as faculdades apenas formaram 93 mil. E o Brasil continua um dos países mais baixos em termos de médicos por mil habitantes. No país temos 1,8 médico por mil habitantes, enquanto na Argentina é 3,2, Uruguai 3,7, Alemanha 3,7 e Espanha 4.

E mais importante, eles estão concentrados em São Paulo (2,49), Rio de Janeiro (3,44), Espírito Santos (1,97) e Rio Grande do Sul (2,33). Os demais 22 Estados têm menos de 1,8. No Pará fica em 0,77, no Maranhão em 0,58 e no estados nordestinos o maior é Pernambuco com 1,39 médicos por mil habitantes.

Mesmo os estados mais ricos e que concentram maior número de médicos estão inferiores à correlação de médicos por exemplo da Argentina, do Uruguai, Alemanha e Espanha. Além do mais durante as décadas de 80 e 90 houve uma redução das vagas de médicos nas universidades, ou seja o Brasil formou menos gente e isso não só agravou a falta desses profissionais como aumentou a média de idade do médicos brasileiros. Hoje os médicos com idade entre 50 e 60 anos é maior do que entre 40 e 50.

Por isso o Programa prevê aumentar o número de vagas de graduação e de pós-graduação em residência médica. Ao contrário do que as corporações sempre viram com olhar de preocupação, a abertura de novas faculdades e de vagas nos cursos já existentes, passa a ser uma realidade. Por exemplo pelo que fui informado o Cariri terá um segundo curso de Medicina Federal que funcionará em Crato. Além do mais pretende-se chegar a uma vaga de residência para cada graduando em medicina.

O programa está em curso, já contratou 6.658 médicos para as periferias, atendendo a 2.177 municípios e pretende chegar 13 mil médicos até março e abril do ano que vem. Isso tem um enorme impacto na Atenção Básica de Saúde. Aí é onde cuidados essenciais como prevenção de cânceres, pré-natal, tratamento da tuberculose e hanseníase, vacinação, controle de hipertensos e diabéticos, pneumonias, asmas, bronquites entre outros vão modificar a longevidade e reduzir danos à saúde.


A verdade é que, no final, todos tomarão consciência que é preciso uma Política de Estado, independente da luta corporativa e do embate eleitoral do ano que vem. É preciso compreender que a medicina tecnológica, de alta complexidade e custo é uma decorrência da Atenção Básica de Saúde. E não ao contrário como alguns, olhando para seu umbigo de ouro, pensa. 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

É HOJE! ONTEM FOI APENAS A VÉSPERA - José do Vale Pinheiro Feitosa

A data correta é hoje. Ontem foi a véspera. E todos têm o direito à comemoração e, por serem interdependentes no processo social, mesmo quando ferinos individualistas, predadores mercantilistas ou vorazes rentistas do capital, a querer o abraço pelo nascimento. Pelo novo. Pelo que significa mesmo que por horas, ao coletivo abraça ainda que apenas por palavras e textos velhos, gastos e de puro chavão.

Mas hoje é preciso examinar-se o interior e a derme do cotidiano para sentir a troca de presentes da véspera. Sentir o acréscimo do nascimento. É preciso saber se o abraço comemorativo deixou alguma marca da mensagem de amor, fraternidade, paz e senso de justiça como matéria do humanismo e do perdão.

Comecemos pela necessária proteção e liberdade dos pobres, das crianças, dos idosos, das mulheres vítimas da violência, o arrefecimento do rancor irracional do preconceito de classe, cor, etnia, origem, contra doentes, a homofobia, todo aquele pensamento excludente de privilegiados apavorados com a presença do outro.

Comecemos com a mensagem do novo atribuindo contradição às manifestações que, em pensamentos, palavras e obras de ódio tanta gente assacou pelas redes sociais, nas rodas de parcerias infames, nos panfletos, nas reuniões sociais e políticas todas defendendo a escravidão do camponês espoliado, dos pobres desempregados das periferias urbanas, das adolescentes de famílias pobres que, sem proteção, eram entregues às jornadas escrava do serviço doméstico.

Este velho ranço anticristo que se camufla nos rituais religiosos, com os vasos do pescoço estufados pelo palavrório que repete salmos e palavras como armas para negar toda a nova mensagem que nasceu no dia de hoje. O anticristo que deseja levar para a fogueira da condenação as religiões indígenas, as fabulosas crenças de origem africana. Este mercantilismo concorrencial de quem precisa montar o seu negócio da fé.

E antes de apontar o dedo para anunciar a desgraça que o Bolsa Família ou outros programas de proteção social existam como fator de vagabundagem e para falta de trabalhadores baratos, imaginem o ser que nasceu no dia de hoje. Que viveu poucos anos, mas não para aquela época quando tão poucos chegavam aos quarenta anos de idade. E viveu pregando, pelos caminhos do Oriente Médio, mesmo quando na marcenaria do pai, largava o formão para falar da nova mensagem.

Mas o anticristo, por camuflagem, não terá coragem de nomear a ele vagabundo, apenas por não suar em produtividade, mas descer do seu rosto o suor nas estradas pela nova mensagem. A novidade. O nascimento.