Vamos falar assim: eu conheci João Nicodemos. Vi uma única
vez. Na casa do Roberto Jamacaru. Nicodemos, eu conheço desde que nasci e ele
mora numa casa depois da minha.
Se fosse dizer da flauta de bambu ou da rabeca, feitas na
maior parte das vezes pelo próprio, iria cair na arapuca dos pedaços de tempo.
Eu quero falar é do tempo pleno. Do modo de tocar que não é uma mera fração,
cada vez mais dividida dos tempos das notas musicais.
Um pé atrás para que me explique melhor. Eu sempre tive
muita pena de mim. Desafino. Não sei tocar nenhum instrumento musical. Memorizo
bem as músicas, mas não peçam que as cante inteira. Até porque seria
desagradável de ouvir as folhas de outono caindo entre uma nota e outra.
Aí outro lado da questão. Mas também tenho muita pena
daqueles que têm o chamado ouvido universal. Vivem pelo mundo comparando os
sons e classificando-os por semelhanças e dessemelhanças. Isso pode até chegar
num músico muito bem posicionado, mas não é o que desejaria.
E aí do meu estado penoso, comigo e com alguns, eu me dei
conta de gente como João Nicodemos tocando seus instrumentos. Caí perfeitamente
na minha falha tectônica. Ele é um contínuo, como já disse é tempo pleno, uma
narrativa sensitiva do mundo. Uma tradução auditiva do estado emocional que só
pode ser compreendido pela fusão de todos os sentidos, mais a memória e a
capacidade de refletir sobre o conjunto. Tudo num átimo de tempo.
Por isso digo que pleno. Como bem sabemos o conjunto dos
sentidos é maior do que soma de cada um individualmente. Baudelaire já traduzia
isso em seus poemas. E Nicodemos, com o som de sua rabeca, de seu bambu (como
era bom o tempo que dizia taboca) não é apenas audição, é a soma de toda a
nossa história expressa num momento ritualístico de sua revelação.
João Nicodemos, tem muita tarefa pela frente. Quem anda
neste diapasão carrega o grande peso do universo da arte. E arte é estado
permanente de inquietude e avançar sempre sobre a paisagem adiante.
E esta música brasileira é demais!
Um comentário:
Conheço Nico,( meu amigo,irmão) desde 1981.Não saberia dizer tão bem sobre ele, como você.
E ele é ainda muito mais do que pensamos!
Amei o seu texto!
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