por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 21 de outubro de 2014

UM MUNDO DE CONTRADIÇÕES EM QUE O BEM E O MAL NÃO SÃO COISAS ABSOLUTAS E ONDE É PRECISO TRAÇAR CAMINHOS HUMANITÁRIOS (humanitas como conhecimento). - José do Vale Pinheiro Feitosa

Aviso ao leitor. A partir de agora continue a leitura tendo em vista que este texto não será bem absorvido por quem está impregnado pelos termos da Guerra Fria. A impregnação que, raivosamente, deseja fuzilar “comunista” e, enquanto o faz, os acusando de assassino. Que tem horror a Hugo Chavez, Fidel Castro, Che Guevara e todos aqueles que, na América Latina, ousaram desafiar as grandes pilastras do imperialismo americano. Pare por aqui até porque se já ainda continua lendo só vai ter mais raiva.

Agora começando. A África terminava a década de 50 do século passado com uma herança esgotada do velho colonialismo europeu. Já havia passado mais de 15 anos do fim da 2ª Guerra Mundial e do nascimento da ONU e o que restava aos africanos era a guerra de libertação do velho e anacrônico sistema. Olhe que neste meio havia o apartheid da África do Sul.

Neste movimento que envolvia toda a África se incluíam as colônias portuguesas. E ao longo da década de 60 uma colônia a após a outra foi se libertando. Angola finalmente conseguiu formar um governo nacional. Mas os EUA financiaram uma dissidência armada, os Russos deram uma ajuda insuficiente pelo outro lado e o equilíbrio angolano era tão instável que rachava até mesmo dentro das forças hegemônicas.

A situação angolana piorou quando, de repente, o regime do apartheid partiu para cima da antiga Namíbia e invadiu o sul de Angola e rapidamente avançou para destruir as forças nacionais. Um médico brasileiro exilado em angola, acho que tinha o sobrenome Lerner, atendia no campo aos soldados feridos e um dia chegou para o jornalista Neiva Moreira, então vivendo em Angola e contou que estavam aparecendo feridos estranhos falando espanhol.

Enfim eram os soldados cubanos (Operação Carlota) que mudou o rumo da guerra angolana, derrotou os sul-africanos que de tão humilhados passou-se a se atribuir ao fim do regime esta quebra de invencibilidade deles. Um pouco mais de dois anos depois a Somália invade rapidamente o deserto do Ogaden e já tomara cidades importantes, como Jijica e se lança em cima das principais: Harar e Dire Dawa.

Aí Fidel Castro desencadeou uma ação militar, que comprometeu a União Soviética, até aquele instante indecisa, a criar uma ponte de abastecimento da Etiópia e em poucos dias, sob o comando do General cubano Ochoa, a Somália perdeu a ofensiva. A etiópia reconquistou o território. Pronto chegamos a este ponto da capacidade cubana de ir em auxílio dos povos africanos mesmo que em guerras.

Acontece que este norte do povo cubano não mudou. A diferença entre os médicos brasileiros e os cubanos não são de preparação e nem de capacidade. É idiotice pensar nisso. Cuba tem boas escolas médicas e seus profissionais estão acostumados a situações críticas ou adversas. Parte dos médicos brasileiros vive num mundo de especialidades, num corre-corre de plantões, operando equipamentos e tentando extrair o “sucesso profissional e econômico” nos grandes centros urbanos. Os médicos interioranos, longe da parafernália tecnológica, lutando contra adversidade e sendo vistos como inferiores, estão lá e são muito especiais. Mas estes estão se tornando uma minoria.

Os médicos urbanos não querem ir para outras realidades que não as grandes edificações hospitalares. Não têm condições de agir fora destas megaestruturas. Por isso jamais iriam, como muitos médicos foram para Amazônia, vieram aos sertões, andaram de um lado para outro deste país, no mais ermo e desolado mundo e toparam a missão. Inclusive não gostam de trabalhar em comunidades faveladas.
E por isso a medicina cubana é efetiva e tem uma tradição tão importante. Isso foi refletido num longo editorial do New York Time desta semana ao falar da ajuda cubana ao combate do Ebola na África. Já foram enviados mais de 300 médicos. Leiam para entenderem que neste mundo de contradições, onde o bem e o mal não são absolutos, é preciso nele construir caminhos. Não precisamos adorar e nem condenar absolutamente nada. Mas precisamos entender o momento da história.
Eis a reprodução do editorial, com a tradução portuguesa extraído do site Diário do Centro do Mundo:  

“Cuba é uma ilha pobre que permanece em grande parte isolada do mundo e encontra-se a cerca de 4 500 quilômetros das nações do Oeste Africano, onde o ebola está se espalhando a uma velocidade alarmante. Ainda assim, comprometida a enviar centenas de profissionais médicos para as linhas de frente da pandemia, Cuba desempenha o papel mais robusto entre as nações que buscam conter o vírus.

A contribuição cubana sem dúvidas indica a intenção de, pelo menos em parte, reforçar a sua já sitiada posição internacional. No entanto, ela deve ser elogiada e imitada.

O pânico global com o ebola não ainda não trouxe uma resposta adequada das nações que têm mais a oferecer. Enquanto os Estados Unidos e vários outros países ricos ficaram felizes em somente prometer fundos, apenas Cuba e algumas organizações não-governamentais estão oferecendo o que é mais necessário: profissionais de saúde no campo da epidemia.
Médicos na África Ocidental precisam desesperadamente de apoio para estabelecer instalações de isolamento e mecanismos para detectar casos mais agilmente. Mais de 400 profissionais de saúde foram infectados, e cerca de 4.500 pacientes morreram até o momento. O vírus já chegou aos Estados Unidos e à Europa, aumentando os temores de que a epidemia poderá em breve tornar-se uma ameaça global.

É uma pena que Washington, o principal doador na luta contra o Ebola, seja diplomaticamente afastado de Havana, justamente o contribuinte mais ousado. Neste caso, o cisma tem consequências de vida ou morte, porque as autoridades americanas e cubanas não estão equipadas para coordenar os esforços globais em alto nível. Isso deve servir como um lembrete urgente ao governo Obama de que os benefícios de se restabelecer rapidamente as relações diplomáticas com Cuba de longe superam as desvantagens.

Os profissionais de saúde cubanos estarão entre os estrangeiros mais expostos, e alguns poderiam muito bem contrair o vírus. A Organização Mundial de Saúde (OMS) está orientando a equipe de médicos, mas ainda não está claro como a instituição iria tratar e evacuar os cubanos que adoecerem. O transporte de pacientes em quarentena requer equipes sofisticadas e aeronaves especialmente adaptadas para tal fim. Mas a maioria das companhias de seguros que oferecem serviços de evacuação médica disse que não fará voos de pacientes com ebola.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, elogiou na última sexta-feira “a coragem de qualquer profissional de saúde que encara este desafio”, e fez um breve reconhecimento da iniciativa de Cuba. Por uma questão de bom senso e compaixão, os militares dos Estados Unidos, que agora tem cerca de 550 tropas na África Ocidental, devem comprometer-se a oferecer a qualquer cubano doente o acesso ao centro de tratamento do Pentágono construído em Monrovia e a auxiliar com a evacuação do paciente.

O trabalho destes médicos cubanos beneficia todo o esforço global e deve ser reconhecido por isso. Mas as autoridades do governo Obama têm insensivelmente se recusado a dizer se lhes oferecerão alguma ajuda.

O setor de saúde cubano está ciente dos riscos em missões perigosas. Médicos cubanos assumiram o papel principal no tratamento de doentes de cólera no rescaldo do terremoto do Haiti em 2010. Alguns voltaram para casa doente, fazendo então a ilha ter seu primeiro surto de cólera em um século. Uma epidemia de ebola em Cuba seria um risco muito mais perigoso e aumentaria as chances de uma rápida propagação do vírus no hemisfério ocidental.

Cuba tem uma longa tradição de envio de médicos e enfermeiros para áreas de desastre no exterior. Nos dias seguintes ao furacão Katrina, em 2005, o governo cubano criou um corpo médico de reação rápida e se ofereceu para enviar médicos para New Orleans. Os Estados Unidos, sem surpresa, não aceitaram o bom gesto de Havana. No entanto, autoridades em Washington pareciam sensibilizadas ao saberem nas últimas semanas que Cuba havia preparado equipes médicas para missões em Serra Leoa, Libéria e Guiné.

Com o apoio técnico da OMS, o governo cubano treinou 460 médicos e enfermeiros sobre as precauções rigorosas que devem ser tomadas para tratar pacientes com o vírus altamente contagioso. O primeiro grupo de 165 profissionais chegou a Serra Leoa nos últimos dias. José Luis Di Fabio, representante da OMS em Havana, disse que os médicos cubanos já estavam especialmente preparados para a missão, pois muitos tinha trabalhado na África.

- Cuba tem profissionais médicos muito competentes – disse Di Fabio, que é uruguaio.
Di Fabio afirmou ainda que os esforços de Cuba para ajudar em situações de emergência de saúde no exterior são frustrados pelo embargo dos Estados Unidos impõe na ilha, que luta para adquirir equipamentos modernos e manter as prateleiras médicas adequadamente abastecidas.


Em uma coluna publicada no fim de semana no jornal estatal de Cuba, Granma, Fidel Castro argumentou que os Estados Unidos e Cuba deveriam colocar de lado suas diferenças, mesmo que apenas temporariamente, para combater o flagelo mortal. Ele está absolutamente certo.”

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