por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 4 de junho de 2013

A conquista do sul - José do Vale Pinheiro Feitosa

Contando a bacia do Rio da Prata, dos Pampas, do Chaco, parte da bacia do Amazonas e a bacia do Orinoco pela costa do Atlântico, os Espanhóis na América do Sul herdaram toda a costa do Pacífico ou seja a metade do continente. Na verdade os portugueses levaram uma vantagem relativa quando 8,5 milhões de quilômetros quadrados dos 17,8 quilômetros quadrados da América do Sul lhes pertenceu. Isso considerando os aproximados 200 mil quilômetros quadrados ocupados pela Inglaterra, Holanda e França no que se chamou Guianas.

A conquista espanhola dos territórios do Pacífico, incluindo o vasto interior pela Cordilheira dos Andes e até grandes trechos do território do Amazonas e toda a bacia do Orinoco tem um centro galvanizador. Foi, como no México, a conquista dos Incas, do ouro e da prata do Peru. Uma conquista tão poderoso que causou uma enorme inflação na Europa de então e estando na raiz de grandes fomes e de uma crise camponesa sem igual.

A expressão institucional do domínio do Pacífico é o Vice-Reinado do Peru. Alías, a cidade de Lima tem umas das mais belas Praças de Armas das Américas no estilo antigo dos espanhóis. No botim das riquezas do Incas entre Pizarro e Diego de Almagro este se rebela e, tomando conhecimento de que riquezas maiores existiriam ao sul, atravessa os Andes desde Cuzco, perde grande parte de sua tropa por hipotermia durante a travessia e chega ao vale do Capiapó onde acontece a Guerra do Arauco com os nativos e, sendo Almagro perdedor, retorna ao Peru para continuar a disputa com Pizarro. Isso aconteceu em 1536, mas a historiagrafia chilena considera a sua descoberta como tendo ocorrido em 1520 pelo português Fernão Dias de Magalhães na sua famosa circunavegação da terra.

Mas a história das Américas não é a história da conquista do mercantilismo pura e simples. Ela é a dinâmica que transforma os camponeses europeus e os nativos americanos num caldo cultural do mercantilismo e sua empresa mercantil que se capitaliza através da exportação de produtos minerais e agropecuário com seus derivados. Nem os espanhóis eram este ser único como ainda não é hoje. O centro do reinado era Castelha, mas a Galícia, a Catalunha e até os belicosos Bascos não são um único cultural. Assim os nativos do Chile.

Como havia Castelha na Península Ibérica a rivalizar com os Portugueses, no Chile os valorosos Mapuches eram o núcleo de expressão frente à força cultural dos Incas ao norte. Incas que dominaram os Aimaras, os Atacamenses (do Atacama) entre outros. Por isso que a cultura de resistência chilena e peruana quando precisa avocar sua alma americana fala num grande personagem chamado Túpac Yupanqui como símbolo das lutas políticas de agora. Os Túpac eram os imperadores Incas.

Em 1540 Pedro de Valdívia atravessa o Atacama, evita a rota da cordilheira feita por Almagro e começa a guerrear com os nativos seguindo numa conquista rumo ao sul, fundando cidades (na verdades pequenos fortes com agrupamento humano mínimo) e vai até ao sul. Funda cidades como La Serena, Concepción, La Imperial, Valdívia entre outras. Isso durou treze anos, quando em 1553 os Mapuches se rebelaram, retomaram seu território e mataram Pedro de Valdívia. Fica na rebelião dos povos oprimidos à força, a enaltação da memória de duas lideranças Mapuches: Lautaro e Caupolicán.

Os espanhóis destacaram para combater os Mapuches um fidalgo com nome florido: Garcia Hurtado de Mendonza y Manriquez. Este tomou um tombo fenomenal dos Mapuches e resolveu-se com a herança do vice-reinado do Peru. E foi aí que um espírito além das amarras do conservadorismo a serviço da empresa mercantil enxergou depois do pragmatismo da exploração e ouviu a humanidade nascida das franjas ricas da costa chilena: a alma dos Mapuches.

Era um poeta-soldado, que conseguia enxergar além da ponta ensanguentada de sua lança, que se chamava Alonso de Ercilla y Zúniga e escreveu a primeira poesia épica americana chamada La Araucana. No livro Dom Quixote de La Mancha, Cervantes escreve que La Araucana era, então, uma das maiores poesias em verso heroico castelhano. 

Identificado como um soldado, Alonso Ercilla era na verdade de descendência fidalga, sendo seu pai um jurisconsulto e o avô um senhor feudal. A mãe pertencia à nobreza e era dama de companhia da rainha. Além de uma grande aprendizado formal, Ercilla viajou por toda a Europa e pelas possessões espanholas. Acompanhou o príncipe Espanhol quando este foi a Bruxelas tomar conta do ducado de Brabante. Estava em Londres acompanhante o príncipe Felipe quando este foi casar-se com a herdeira inglesa e ali se tomou conhecimento da resistência dos Mapuches em Arauco. Foi então que o poeta embarcou para o Chile. Tinha, na ocasião, 21 anos de idade.

Alonso participou de sete batalhas com os Mapuches e, inclusive, participou da conquista do estreito de Magalhães. Junto a dez soldados atravessou o arquipélago de Aneudbox numa pequena barcaça e entrou de terra adentro onde numa árvore escreveu esta quadra:

Aqui chegou, onde outro não há chegado,
Don Alonso de Ercilla, que o primeiro
Em um pequeno barco deslastrado,
Com apenas dez, passou o desaguadeiro,
No ano cinquenta e oito entrado,
Sobre mil quinhentos por Fevereiro,
Às duas da tarde, ao fim do dia,
Retornando ao encontro da companhia.

E eis um trecho do espírito Mapuche nos versos de Alonso:

Chile, fértil província e assinalada
na região Antártica famosa,
de remotas nações respeitada
por forte, principal e poderosa
a gente que produz é tão granada,
tão soberba, galharda e belicosa
que não há sido por rei jamais regida,
nem à estrangeiro domínio submetida. 

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