por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 9 de agosto de 2011

Colaboração de Joaquim Pinheiro


Cinco anos sem Arraes
Publicado em 12.08.2010

Ítalo Rocha

Foi num mês de agosto que o ex-governador Miguel Arraes se despediu da vida, depois de 57 dias de luta contra a morte, num leito de hospital, no Recife. Tinha 88 anos e deixou para trás um legado de obras que até hoje estão presentes na mente e no coração dos pernambucanos. Sua atuação política em prol de um estado democrático de direito também jamais será esquecida pelo povo brasileiro. Pagou um preço alto por isso, mas nunca transigiu na defesa dos seus ideais. Foi secretário de estado, deputado estadual, federal, prefeito do Recife e três vezes governador de Pernambuco.

Depois de duas eleições difíceis para deputado estadual (perdeu a primeira mas assumiu o mandato como suplente), foi surpreendido com um convite para ser candidato a prefeito. "Como, se tenho tão poucos votos?". Teria respondido aos representantes das forças progressistas que fora convidá-lo. As urnas provaram o contrário. Como prefeito, logo ganhou a simpatia da população. Investiu na alfabetização de jovens e adultos pobres, levou água para a periferia e implementou um novo traçado urbano que preparou o Recife para as décadas seguintes: concluiu a Av. Norte, abriu a Abdias de Carvalho e a Av. Sul, organizou a Imbiribeira, construiu a Ponte do Limoeiro e pavimentou a Av. Boa Viagem. Naquela época, a prefeitura ficava na rua da Aurora, separada do Palácio do Campo das Princesas pelo Capibaribe. Para atravessar o rio, Arraes contou mais uma vez com a ajuda das urnas. Sentado na cadeira que ocuparia por mais duas vezes, Arraes fez uma administração revolucionária, ganhou projeção nacional e passou a ter influência nos destinos da política brasileira.

No dia 31 de março de 1964, os militares golpearam o Brasil e tiraram do poder João Goulart. Depois redirecionaram a mira dos canhões para Pernambuco. Mais precisamente para o imponente prédio da Praça da República, no Centro, de onde Arraes comandava. Os militares propuseram ao governador a renúncia em troca da sua liberdade. Arraes não aceitou. Seria uma violação aos seus princípios éticos e morais. Saiu do palácio direto para o quartel do Exército, em Socorro, Jaboatão. Transferido para o quartel da Av. Visconde de Suassuna, na Boa Vista, foi levado para Fernando de Noronha. No ano seguinte foi liberado por força de um habeas corpus e viajou para o Rio. Para preservar sua integridade física, já que estava recebendo ameaças de morte, pediu exílio na Embaixada da Argélia e partiu para um longo exílio na África. Longe da sua pátria, foi um dos comandantes das articulações políticas da resistência à ditadura militar. Em 1979, foi um dos últimos exilados incluídos na lista de anistiados e retornou ao País.

Eleito deputado federal pelo PMDB em 1982, quatro anos depois recebeu de volta do povo de Pernambuco o mandato de governador que os militares haviam tirado com a força das baionetas. Voltou mais uma vez à Câmara Federal, agora como o deputado mais votados do Brasil. Na eleição seguinte ocupou pela terceira vez o cargo de governador do Estado. Como integrante da equipe de comunicação do seu segundo governo (1997/1990), comandada pelo jornalista Ricardo Leitão, tive o privilégio de acompanhar Dr. Arraes em suas andanças por esse mundo afora. Captei mensagens e tirei lições que carrego comigo pro resto da vida.

Homem simples, austero no trato com a coisa pública, tinha uma visão social abrangente. Tratava com fineza seus auxiliares, mas, quando se zangava, era aquela "tromba". De hábitos alimentares normais, ria muito quando mostrávamos a ele notas de jornais dizendo que ele no café da manhã costumava comer carne de sol, macaxeira e inhame e no almoço se refestelava com buchada e chambaril. Pela manhã, sua comida era simples. Pedaço de pão, bolacha, geleia e café. Nas outras refeições gostava de carne magra. Não exagerava à mesa. É tanto que nunca engordou. Nos discursos de campanha não gostava de citar obras que havia feito. "Peço votos pelo que haverei de fazer e nunca pelo que fiz". Detestava essa história da mídia de rotulá-lo de mito. "Tudo que faço e fiz pelo povo é concreto e não abstrato. Então, como posso ser um mito?".

Mas não perdia o humor com a confusão que percebia na imaginação dos mais humildes. Numa ocasião, nos grotões do Sertão pernambucano, Dr. Arraes estava reunido com um grupo de agricultores fazendo uma avaliação das obras do seu governo na região. Um dos trabalhadores, de uns 65 anos, barba por fazer, cabelos brancos e ralos, rosto sofrido e um semblante que irradiava pureza e ingenuidade por todos os poros, pediu para falar. "Dr. Arraes, o senhor já trouxe muito pra nós: luz, água encanada, equipamentos para irrigação e créditos. Faça chover também, Dr. Arraes, que aqui tá uma seca de lascar". Todo mundo morreu de rir com aquele pedido insólito. Mas a gargalhada mais sonora naquele momento foi a do "mito", que logo em seguida disse bem baixinho:"Ai se eu tivesse esse dom".

Dr. Arraes morreu no dia 13 de agosto de 2005 e levou consigo a imagem de um poema (Joaquim Cardozo) que ele tanto gostava: "Sou um homem marcado pelo tempo, mas essa marca temerária, entre as cinzas das estrelas, há de um dia se apagar".

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