por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 7 de julho de 2011

TAPUMES NAS MONTANHAS- por José do Vale Feitosa


Uma noite, aniversário de Violeta Arraes, sentei-me num batente ao lado de um senhor de longos bigodes. Ambos quase ao rés do chão, ele um nonagenário e eu célere no consumo dos meus cinqüenta anos. Não cheguei ali por escolha, era um lugar vazio e tramamos uma conversação. Sem nos conhecermos, cá entre garfadas saborosas e bebericando um vinho, ele, não recordo o quê. Conversamos sobre coisas que pulam pelas cordas vocais feitos pássaros de galho em galho. A verdade é que nenhuma hierarquia nos assombrava, nem mesmo as nossas evidentes diferenças de idade.

Afinal como é da natureza humana nos agarramos ao território. Este belo Rio de Janeiro. Cenário simbólico de uma pátria. Cenas fundadoras de uma nação. Práticas melódicas de um povo continental. Atos políticos de uma transformação que não nunca chega e seja suficiente. Rio de Janeiro, baixadas, lagoas, mata atlântica, morros e serra do mar. O mar, de enseadas, contra rochedos, ilhotas de gnaisses, um grupo de biguás cruzando os céus entre as lagoas da baixada de Jacarepaguá e a Baia da Guanabara.

Uma lenda circulou na internet. Como uma lição para executivos ou para um curso de administração. O valor da cooperação como referência das aves migratórias em sua formação de asa delta. Um líder na frente e duas linhas que se afastam em suas respectivas fileiras. Diz a lição: o líder se reveza à proporção que cansa e os demais são favorecidos pela redução da resistência do ar em face daqueles que à frente voam. Mas a nossa conversa não andava bem por aí. É que os ventos possuem forças variadas, velocidades tantas e até turbulências que dialogam com a formação das aves. E como refletíamos: os biguás são obrigados a mudar sua formação em face dos ventos.

Hoje não se vive no Rio como antes. Não é apenas uma escala demográfica, é uma escala arquitetônica. A captura do olhar em busca das montanhas no entremeado das ruas. Ângulos postos como uma vontade primeira, em tantos graus que prédios, calçadas e ruas obedeciam. Vivia-se num espaço muito próprio, de enormes sombras, de micro climas no intervalo de algumas dezenas de metros, a tomada de olhar numa brecha que se abria para outro cenário, inteiramente diverso daquele em que anteriormente se encontrava. Este Rio se encontra lá como antes, mas agora sujeitado como um leão na sua jaula de zoológico.

As escalas se reduziram, são contadas em andares, dez, doze ou vinte andares. Paredes soerguendo-se nas rotas das montanhas, escondendo morros, circundando lagoas, criando corredores pelos quais circulamos no interior que fica numa face que esconde a outra cidade. A antiga cidade, aquela que não é mais a mesma não pelas favelas no alto dos morros, mas pelas moradias das classes médias que arranharam os céus e engaiolaram as montanhas. E hoje, como ontem, querem a primazia de não mais serem fiéis à cidade de então, apenas querem a cidade do modo como imaginam a cidade. E o modo mais radical que imaginam é removerem as favelas para os quintos. Para o esquecimento daqueles que pretendem que tudo o mais se esqueça, mas não seus privilégios.

E quem somos? Boa noite, Lúcio Costa já não espera a meia noite. Boa noite mestre Lúcio!

por José do Vale Pinheiro Feitosa

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