por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 24 de maio de 2015

ONDE FICA A PAZ? - José do Vale Pinheiro Feitosa

Onde se encontra a razão?

A minha, a tua, a dele? A razão como aquele dom da verdade. Da justiça. No modo cearense de dizer: ele tinha razão.

E vou falar do lugar onde moro há quarenta anos. No Rio de Janeiro. Jardim Botânico, cercado de belíssimos e qualificados equipamentos urbanos: o próprio Jardim, o Parque Lages, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Jóquei Clube, a Hípica, hospitais públicos e um seguro modo de viver.

Aí dou um salto e vou àquele samba do Nélson Cavaquinho: “não sei quantas vezes, subi o morro cantando, sempre o sol me queimando e assim vou me acabando”.

Sim. Para pautar a razão: escrevo pensando no médico esfaqueado e morto enquanto fazia ciclismo na Lagoa, no caminho pelo qual sempre passo. E para ajustar mais o campo: sou Flamengo e tenho uma nêga chamada Tereza.

Mas voltando ao morro. Quantas vezes terminei a minha função de médico da comunidade da Favela do Escondidinho, no Rio Comprido, descia o morro para continuar subindo pelo túnel da Rua Alice e, então, descer uma escadaria imensa (o povo subia fazendo zig-zag nos batentes para melhor respirar) até a Avenida Laranjeira, pegar o ônibus, atravessar o túnel Rebouças e chegar à Lagoa e daí a pouco em casa (apartamento).

Eu vivia em dois mundos. Pertencia aos dois. E foi tão imenso este viver para a cultura carioca, partida, onde rico não sobe o morro, mas o pobre presta serviço em suas casas, que me tornei manchete de jornal, editorial de primeira página no famigerado O Globo e até entrevistado fui no Jornal Nacional para falar o óbvio, que o povo precisava da segurança urbana (emprego, educação, saneamento básico, transporte e lazer).

E era este o clima como a moçada costuma falar. O povo do morro vivia em insegurança, inclusive da violência interpessoal. Cheguei a tirar bala de jovens que viveram pouco. Atender punguista todo cortado de gilete por tentar roubar travestis na Praça Tiradentes.

Nos anos seguintes, o tráfico de drogas empregou muitos jovens, mas trazia a marca maldita da criminalização e com isso a formação de grupos armados, que levaram a guerra para o coração do povo.

Esperem um pouco, ao recordar aqueles atendimentos médicos não generalizo. Era a exceção. O meu grande trabalho era com gente honesta em igualdade de valor que meus vizinhos do “asfalto” (acho que até mais, pois no limite sabem o papel da solidariedade).

Aliás. Posso afirmar que mais honestos. Pois, por estes dias no Jardim Botânico e Lagoa o barulho dos batedores de panela foi ensurdecedor em protestos contra o PT, governo Dilma, Lula e tudo que representa esta linha que afinal me coloquei: entre dois mundos que os bem-sucedidos teimam em manter separados.

Portanto, não acredito uma patavina furada na manifestação em solidariedade ao médico morto. Falando em paz para todos. E não apenas para a Zona Sul, enquanto pedem mais policiamento e que as linhas de ônibus dos seus empregados não parem mais na região. E eles sabem que não podem cercar ainda mais seus condomínios.

Como sempre, o discurso da paz é furado. Enquanto batem panelas, querem mesmo é usar o trabalho de prestadores de serviços, porteiros, vigias, empregadas domésticas e babás vestidas de branco, mas têm medo de seus filhos e netos.


Querem o todo, mas apartam o seu querer.

sábado, 23 de maio de 2015

pra adormecer...


Relendo" Paracuru ", lembrei dessa minha postagem , em 2008

Retrato Falado - Por socorro moreira




Estou no quarto elemento
Já me senti rocha
Já fui mar...
Já fui derrubada pelo vento
e agora me queimo, nos meus
vinte e cinco por cento
(Porque todo sentimento
é vitalizado pelo sol!)
Agora sei porque não escrevo
porque as palavras
nem escorregam , nem chegam
Sei também porque não fotografo
Quem escreve
encontra a luz no diálogo
Agora já sei
que não preciso chegar
Depois de um retrato falado ,
Toda luz do mundo ,
chegou aqui , vai parar !
Sei também
que não preciso voltar
Nada deixei por lá
Fui abduzida...
Simplesmente , seduzida !
Percorro meu sonho de entendimento
numa " bicicleta" da cor do vento
e nas miragens do tempo ,
entro e saio ,
sem que me achem !
Meu inconsciente tomou a frente
Minha vida é cristal
dissolvido pelas águas
Os ventos me penetram
com toda suavidade ...
Já não temo a tempestade
nem o mar da ansiedade.
Tudo já foi sem ter sido
Tudo
nunca deixou de ser
porque é !
" O sono do silêncio.
Sem sonho , deixou de ser ".
Agora é quase fim de tarde ...
ainda tenho duas madrugadas
pra ler você .
Nem sei
se és da terra ou das águas
Se dos ares ... ,
ou o fogo te faz criar
Acho que és a grande síntese
de tudo que no mundo há !
Uns são espelhos ...
Outros
fragmentos de nós mesmos ...
E o amor ,
precisa ser inteiro ,
no banquete elemental
de toda natureza !
É "bonzim" ...
um baião com feijão verde
temperado com queijo
manteiga da terra ,
manteiga do reino !?
Um pargo ao termidor
com camadas de bananas
desperta instintos e fome
cria o vazio no estômago
Sabores do mar
sabores da vida
Quero aquela janela
e o teu " olhar panorâmico "
Não quero a posse
sequer do nada
não quero a posse...
Salve , a liberdade !

E OS VENDILHÕES DO TEMPLO DOMINARAM A TERRA - José do Vale Pinheiro Feitosa

O grande fenômeno dos BRIC´s, entre as particularidades nacionais, étnicas, culturais, sociais e econômicas, é essencialmente parte do denominado Capitalismo Desenfreado pelo economista indiano Prabhat Patnaik. O capitalismo, para este economista, não teria mais restrições sociais e políticas como a da aristocracia, do operariado em formação e dos capitais nacionais.

A superação destas restrições acontece com a Globalização Financeira que, praticamente, superou os contrários pela natureza universal atingida. Assim este capitalismo global tem suas características imanentes agora expressas numa “liberdade” sem freios. E esta liberdade destrói formas humanas de viver antiguíssimas substituindo-as pelos seus parâmetros capitalistas de ser.

E o economista identifica algumas de tais características do capitalismo desenfreado: mercantilização numa escala nunca vista (saúde, educação, cultura, religião, vida pública etc.); destruição implacável da pequena produção (produções tradicionais, populares, pequenas empresas, riquezas nacionais, etc.); enorme aumento da desigualdade econômica (não só em riqueza, mas também em rendimento); aumento da fome mundial (tendência à super-produção sem consumidores) e agressão às formas democráticas de sociedade (financiamento de movimentos fascistas, financiamento privado das eleições, etc.).

A se considerar o que foi resumido do pensamento do economista indiano, nestes dias uma publicação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE – formada por 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e a economia de livre mercado ou seja Europa, América do Norte, Austrália, Japão, incluindo os países liberais da América Latina como México e Chile) a respeito do consumo de álcool nestes países.

A pesquisa é relevante porque revela o ambiente psicológico, social e cultural do que seria considerado a “ponta de lança” do “capitalismo desenfreado”. Estes países se conformam como o mais avançado modelo do capitalismo contemporâneo, em outras palavras. E o que temos na pesquisa.

Nestes países o consumo de álcool é cerca de duas vezes a média mundial. Do ponto de vista per capita, em média, nestes países, se consome 9,1 litros por ano. E mais ainda, se verifica que o consumo atinge segmentos específicos destas sociedades, quando o maior consumo se concentra em apenas 20% da população.

A se considerar como espelho da sociedade capitalista desenfreada, extrai-se um componente da educação mercantilizada o fato (talvez não superável apenas pela educação) de que o consumo de álcool tende a se concentrar nas elites bem-sucedidas ao mesmo tempo que o consumo perigoso atinge a base da pirâmide econômica. As pessoas com mais educação e maior nível econômico tendem a beber mais. No entanto os mais pobres tendem a maior risco de consumo perigoso.

Isso significaria um desarranjo endógeno das sociedades capitalistas de ponta, onde os custos decorrente do consumo perigoso do álcool impacta 1% do PIB dos países de alta e média renda; em todo mundo é a quinta causa de mortes prematuras, responde por 1 e cada 17 mortes, deficiências especialmente em homens, repercute em mais de 200 tipos de agressões à saúde e tem repercussão sobre terceiros como causa de acidentes de trânsito, violência e afetando a gestação de crianças e o seu futuro social.     

O relatório da OCDE trouxe um fato positivo uma queda pequena na média do consumo de álcool, mas quando se observam os números por dentro, na verdade houve um agravamento social no consumo. Nestes últimos anos houve um deslocamento do consumo de álcool para jovens e mulheres, ambos grupos muito mais vulneráveis. Aí neste grupo os efeitos sociais são imediatos (trânsito, violência, doenças crônicas etc.) e afetam mais o futuro das pessoas (ou seja, novas gerações mais enfraquecidas).

Nos últimos anos a percentagem de crianças de 15 anos que já faz uso de álcool passou de 66% para 70% e a percentagem destes jovens que se embriagam já de 43% para meninos e 41% para meninas. Deste modo é que o capitalismo desenfreado (bebida alcoólica é um bem de consumo muito bem divulgado no marketing de venda) firma o seu modo “desenfreado” de ser.   

Agora considerem o seguinte: se agrotóxicos é do interesse dos produtores, se as sementes geneticamente modificadas são do interesse da Monsanto, se a exploração de petróleo, em larga escala, alavanca corporações, se o desmatamento se transforma em pastagem e esta em carne, se os pesqueiros nos mares pertencem à exploração desenfreada, por que o álcool e as substâncias psicoativas não absorveriam o interesse capitalista?

Não nos enganemos: a chamada guerra do tráfico de drogas é um mero jogo “mafioso” (bem no estilo americano) de troca e distribuição desta mercadoria. As máfias não estão fora do capitalismo, elas são instituições imanentes a ele. Por isso o ex-Presidente Mujica do Uruguai entendeu a lógica e a transformou num jogo aberto (tentando controla-lo pelo Estado).


Enfim: a tese do Prabhat Patnaik é de que não existem formas de amenizar os efeitos imanentes do capitalismo. A única forma é a sua superação. E isso as novas gerações vão ter que pensar uma vez ultrapassados os efeitos negativos do fim das experiências que tentaram superá-lo, especialmente na União Soviética e na China. 

terça-feira, 19 de maio de 2015

Compreensão-por socorro moreira

Desfragmentando  medos,
culpas,paixões...
A resultante em transcendência
É amor!

Não existem diferenças,
nem preferências...
Cada um é único,
e  todos são unidade!

A propriedade de encantamento,
por alguns,permanece!

Será esse o caminho da ressurreição
e do reencontro?


Interessante,necessária,indispensável- a leitura do livro de José Almino Pinheiro!


"MAR DE ALMIRANTE" - José Nilton Mariano Saraiva

Assim como o “céu de brigadeiro” caracteriza aquele estágio do voo em que o avião prescinde literalmente do comando humano-manual face à tranquilidade na rota seguida (ausência de pesadas nuvens ou turbulências), o “mar de almirante” é sinalizador que o oceano não oferece qualquer dificuldade (ondas, tempestades, etc) aos navios que por ele singram.

A reflexão é só para lembrar que após o insano, desonesto e intenso “bombardeio-depreciativo” patrocinado pela “tucanalhada” e certo segmento da mídia tupiniquim (com repercussão na mídia internacional), com o objetivo precípuo de pô-la a nocaute (a fim de facilitar sua entrega à “gringalhada”), a PETROBRAS continua brasileiríssima e ninguém vai meter a mão no nosso pre-sal.
Para tanto, bastaram algumas medidas básicas: 
01) enxotar de lá, vapt-vupt, os “ladrões-engravatados” oriundos da era FHC (e quem tiver alguma dúvida é só ouvir o vídeo do presidente do grupo Setal, Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, uma das empresas abastecedoras do propinoduto), onde afirma detalhadamente que desde 1997 o tal esquema-mafioso vigia na Petrobras; 
02) a decisão da presidenta Dilma Rousseff de “peitar”, contra tudo e contra todos, o tal “mercado”, colocando no comando da nossa maior empresa não um representante do dito-cujo (que certamente trataria de entregar a Petrobras a preço de banana em fim de feira à banca internacional), mas, sim, um “bancariozinho” entendedor de finanças, oriundo dessa outra empresa que muito nos orgulha, o Banco do Brasil; 
03) no mais, ao contrapor o anunciado em Nova York por Fernando Henrique Cardoso, segundo o qual "esses malfeitos vêm de outro governo, isso deve ficar bem claro; vêm do governo Lula; começou aí", o jornalista Jânio de Freitas complementa: Se é para "ficar bem claro", vêm de outro governo, sim. Como disse Pedro Barusco em sua delação premiada e na Câmara, "começou em 1997" na Petrobras do governo Fernando Henrique. Ou o que é dito em delação premiada vale só contra adversários de Fernando Henrique?
Claro que, como o estrago foi de proporções amazônicas, a recuperação completa dar-se-á paulatinamente, num médio prazo; mas a sinalização, que depois de saneada a empresa corre nos trilhos, que a tormenta foi superada com galhardia, pode ser constatada com a divulgação do balanço (auditado) do primeiro trimestre/2015, que apresenta um lucro líquido de expressivos R$ 5.300.000.000,00 (cinco bilhões e trezentos milhões de reais), quando os abusados “especialistas” previam algo em torno de R$ 2,5 bilhões.

No mais, há que se atentar que apesar de toda a abjeta campanha encetada, a PETROBRAS foi a empresa do ramo petrolífero que mais cresceu no mundo, ano passado, superando portentos como a Shell, Chevron, Total e demais. 

  

Saudando um novo dia...


segunda-feira, 18 de maio de 2015

(in)delicadeza

por Vera Barbosa




E foi assim...
Pousaste.

Quando notei, era tarde.

Quando me vi, tinhas ido.

Partiste.

Sem perceber, sem sentido.
- porque sempre foste a primavera em minha vida -
(clique e ouça Canto triste - Edu Lobo)

domingo, 17 de maio de 2015

Escutem...




Porque aquele órgão encantador mais embriagava a dose de Cuba Libre. Entretanto tuas emanações inebriantes a todas as minhas fibras tremiam na angústia da urgência. Aquele momento único não podia se perder.

E teu silêncio denso, como a mais dura rocha, deixava aquele momento grave como o irrealizado que é renúncia. O pingo de perfume na ponta de tua orelha, a fornalha que molda uma vontade no malho do ferreiro.

E aquele órgão se desdobrava em canção. Numa língua que eu não traduzia, mas compreendia. O fervor do teu corpo era o enigma em decifração.  Jogava-me um feito único e toda a iniciativa a mim cabia.

Na timidez ameaçada por um escândalo no salão. Um tapa na cara que move todas as humilhações do mundo. E a tua rocha de silêncio era um lajedo quente no pleno do meio dia.

E os dedos do organista ocupando todo os teclados implodiu o silêncio. Nada mais se escutava, apenas nossos corpos quentes ligados por um cabo rijo e um anteparo que promete o encaixe.

Mas nada havia entre nós. Uma fusão organista, uma concentração no mesmo ponto de fusão. Um momento que não diz nada, mas revela todo o universo. Eis o salto qualitativo do momento de urgência da timidez e do sólido silêncio de espera.

A iniciativa fora disparada. Um pleno orgástico ao som do órgão de A Whiter Sade of Pale.




Co-autores: Gary Brooker e Keit Reid, do grupo Procol Harum. O arranjo de órgão é de Mathew Fisher. Reid numa festa ouviu um rapaz falando para uma moça: você se tornou a mais branca máscara pálida. Uma exótica letra que traduz toda a leitura da educação inglesa do letrista. Parece, no estilo rock progressivo, traduzir a  sedução a dois embriagados, que termina numa relação sexual

A canção e o arranjo são derivados do Bach e isso traduz bem a erudição e a tecnicidade dos músicos do rock progressivo. O órgão introduz, reaparece ao final de cada estrofe e varia durante toda a canção.
No disco apenas estas duas primeiras estrofes foram cantadas. As demais apareceram em DVD e performances do Grupo de Rock inglês Procol Harum.


A mais branca máscara pálida

Nós girávamos a luz do fandango,
Carroça tombada cruzando o piso,
Eu me sentia um tanto enjoado,
Mas a desordem gritou por mais,
O quarto zumbia forte,
E o teto flutuou além,
Quando chamado para mais uma dose,
E o garçom trouxe uma bandeja.

E foi então, que mais tarde,
Como o moleiro disse em seu conto,
A face dela a princípio fantasmagórica,
Virou uma a mais branca máscara pálida.

Não há nenhuma razão, disse ela,
E a verdade é simples de ver,
Mas eu misturava meu jogo de cartas
E não a deixaria ser,
Uma das dezesseis virgens vestais
Que saiam para a costa do litoral,
Embora de olhos plenamente abertos,
Eles estariam sendo bem fechados.

Se a música for o alimento do amor,
Então o riso é a sua rainha,
Da mesma forma se atrás é a frente,
Então a sujeira é o limpo,
Minha boca igual a um cartão,
Parecia deslizar em linha reta ao meu coração
Então submergimos rapidamente,

E atacamos o leito do oceano.

UM DESERTO A SER DECIFRADO - José do Vale Pinheiro Feitosa

E foi por carregar uma criança de colo que caminharam longe pelo deserto. Montados num jumento iam porque o assassinato dos diferentes era a regra do governante.

Balançando no andar do muar, seguia aquele que explicitou que todos somos iguais. Ao invés de uma coisa ou animal de trabalho, somos humanos, pertencemos à mesma família, derivada de igual natalidade.

E aquele que seguia no deserto árido sabia que esta terra estava lá como potência de fertilidade. Sabia que gosmas que se amoldam aos contornos sólidos, lhes daria o beijo da traição.

Mas a questão não se encontra na gosma, nem nas rochas onde se ergue a avareza que tudo deseja apenas para si. A questão se encontra na humanidade traduzida em pessoas humanas que brilham num determinado natal com todo o deserto à frente, pronto para se revelar um potencial fértil.

Mas há que somos iguais e tantos se corrompem na ilusão da superioridade onde tudo que imaginam é um mérito a explorar os outros em diferenças. Há aqueles que decoram sua história com frases da mensagem e sob essa decoração luminosa, tentam ludibriar os demais com merecimentos que dividem, discriminam.

Dois mil anos após, o deserto continua lá pronto para ser entendido. Os chacais ainda o ronda em busca de corpos vivos. Os traficantes do trabalho, em orações de maldita fé, continuam fazendo escravos. Os execráveis continuam com suas vestes ornamentais a pregar anátemas aos demais, condenando-os só para arrancar-lhes o alimento que faz humanos às suas vítimas.

O deserto é para ser atravessado, pois é nele que o relevado se encontra. Ali onde os pilares das instituições nunca se ergueram, onde as bibliotecas da avidez medieval e burguesa nunca foram impressas.

No deserto viverá suando junto ao suor dos demais. Sombras para conservar os escusos que operam a ilusão do progresso não há. Assim como não há a divisão da terra, os livros da mais avalia que acumula, os bytes que fogem com a riqueza coletiva para entocá-las nas ruínas do livre mercado.

O deserto, dois mil anos após, diz tudo ao contrário destes alicerces eclesiais sobre os quais se ergue a acumulação que desfaz a pessoa humana.


A pessoa humana, nós que somos iguais em natalidade.


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
Drummond

P.S Obrigada, amigo Jackson.Drummond é demais!

sábado, 16 de maio de 2015