por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"Jogo de cena" - José Nilton Mariano Saraiva

Como o ano é de eleições para a Presidência da República, Governadores, Senado e Câmeras Federal e Estadual, convém que o distinto eleitor reflita: afinal, PROS, PDS, PMDB, PSDB, PPS, PT e PSB (além dos partidos nanicos) têm alguma coisa em comum, além do fato de serem volúveis agremiações políticas brasileira ??? Algum projeto ou algo que de alguma forma as irmanem ??? Guardam alguma similitude em termos de defesa de um ideário programático comum ??? Pugnam por regras ou princípios consentâneos e igualitários ???  Trilham a mesma estrada e comungam dos mesmos objetivos ???

Claro que não. Longe disso. Transamazonicamente longe.

Pois foi esta a trajetória sinuosa, oportunista, chinfrim e um tanto quanto fedorenta percorrida pelo papo-furado, espertalhão e arrogante Ciro Gomes até aqui (politicamente), nem que para tanto tenha tido que abater e deixar pelo caminho, insepultos, restos mortais de fiéis companheiros de jornadas outras. E ai de quem cobrar-lhe fidelidade e coerência programático-ideológica: sua conhecida e pornográfica metralhadora giratória é acionada em todas as direções, sem dó nem piedade, independentemente de quem esteja à frente. O negócio é marcar posição. Seguir o script surrado e batido, mas de uma eficiência a toda prova e que objetiva, em última instância, angariar alguma “boquinha” pra si e seus áulicos. Enfim, manter-se empregado e muito bem remunerado, já que no Brasil, lamentavelmente, a “política” virou um rentável “meio de vida” (e a família Ferreira Gomes é o exemplo vivo e maior disso).

Quem não lembra, por exemplo, que, quando Lula da Silva disparou na disputa da eleição presidencial, Ciro Gomes rotulou-o de “despreparado” e “incendiário” para, após a vitória do oponente, silenciar e lacrar o bico com “superbond”, a fim de acomodar-se cândida e placidamente em um dos seus ministérios ???  E - suprema ironia - a partir de então, era Deus no céu e Lula da Terra.

Ou alguém já esqueceu que, mais recentemente, ao ter sua candidatura à Presidência da República abortada e descartada pelo próprio Lula (que optou por Dilma Rousseff), o senhor Ciro Gomes (então um poço transbordante de mágoas), compareceu aos mais diversos meios de comunicação (Globo, Record, SBT, Band e por aí vai) e, em horário nobre, afirmou para toda a nação, de forma contundente e desabrida, que o candidato Serra (seu inimigo maior), pelo currículo e pela experiência, era a pessoa mais preparada para dirigir o Brasil do que Dilma Rousseff; em seguida, depois de uma conversa entre quatro paredes com o staff lulista, virou coordenador da campanha da então candidata, aqui no Ceará ???

Naquela ocasião, informamos, aqui mesmo, com todas as letras, vírgulas e acentos disponíveis (postagem “Cada homem tem seu preço ???”) que “...para renunciar à candidatura presidencial e agüentar calado todo o corrosivo desgaste que atualmente atravessa, por baixo do panos mui provavelmente terá sido firmado, lá atrás, um “acordo de cavalheiros”, que garante ao senhor Ciro Gomes um ministério qualquer num futuro governo Dilma Rousseff (onde ele poderá abrigar todos os áulicos que o cercam e traficar influência)”.

Pois é, hoje, depois de fazer beicinho, de “detonar” alguns dos atuais ministros, de mostrar-se magoado com o andamento do processo da escolha sucessória ministerial, de ter sido considerado por toda a mídia brasileira como “carta fora do baralho” no primeiro escalão da presidente Dilma Rousseff, de viajar à Europa (Portugal) para “esfriar a cabeça e recarregar as baterias”, o senhor Ciro Gomes faz “charminho” e anuncia que “vai pensar” sobre se atende ou não o “honroso convite” da presidenta (que tentará a reeleição), para assumir um Ministério no seu governo. Já marcou até prazo para o anúncio: quando abril chegar.

Jogo de cena, perfumaria barata e de quinta categoria, enganação pura e simples. Ciro Gomes, apesar dos aparentes laivos de loucura e intempestividade, dos arroubos e estultices de praxe, dos desmentidos e vai-e-vem protocolares, já está escolhido ministro no atual governo Dilma Rousseff. E mais: deverá manter a posição num (quase certo) e previsível segundo mandato da presidenta.


Assim, enganou-se, gerou expectativa ou embarcou na canoa furada por ele oferecida, já que não é preciso se ser nenhum expert na política para se matar certas previsíveis charadas. 

domingo, 12 de janeiro de 2014

Mas... até ontem (e de forma veemente) a Marina não cansou de “escrachar” com todos os "partidos políticos”, sob a justificativa de que (ela) seria “diferente” daqueles que os compõem, daí ter criado a sua personalíssima "rede sustentabilidade", objetivando não se “misturar” ???
Como, não mais que de repente, resolve se aliar a um “partido político” (misturando-se e não numa “rede”) que abriga espécimes tão sectárias quanto ultraconservadoras do xadrez político nacional, da estirpe de um Bornhausen (SC), Heráclito Fortes (PI) e Ronaldo Caiado (MT) dentre outros ???
No novo partido, baixará a cabeça, dirá amém e passivamente se deixará enquadrar, aceitando a posição de vice na chapa majoritária, embora nas pesquisas de intenção de voto seu índice seja quatro vezes superior ao do “messias”, Eduardo Campos ??? E se este, mesmo tendo a sua companhia, não “decolar”, terá coragem de “peitar” o neo-companheiro, exigindo a “cabeça-de-chapa”, por exigência dos seus pretensos partidários e eleitores ???
Alfim, seus próprios adeptos poderão questionar:
Cadê a tal ética ???
Cadê a coerência  ???
Cadê a sensatez ???
Cadê o respeito ???
Se as respostas não forem convincentes e consistentes, a tendência é que depois de todo o “auê”, de toda a “rasgação de seda”, de todo o “carnaval” que foi feito pela mídia, os eleitores descubram que Marina não tem nada de “diferente”, optando por um outro candidato.

Alguém duvida ???

sábado, 11 de janeiro de 2014

"Prostíbulo" global - José Nilton Mariano Saraiva

Alô, alô, galera. Atenção, muita atenção. Depois de propagado incessantemente em horário nobre e precedido de detalhadas análises “sócio-antropólogicas” por parte de “especialistas em relações humanas” (que, por incrível que pareça, tentam nos convencer da sua utilidade, porquanto retrataria “a vida como ela é”), a partir deste 14.01.2014, a Rede Globo mais uma vez “brindará” seus fiéis telespectadores com o seu “prostíbulo global”,  em pleno horário nobre, ao exibir o indecente, imoral e desprezível programa BBB (e que nem por isso deixa de ser um dos seus “campeões de audiência/bilheteria”). Serão meses de xaropadas, imoralidades e futilidades, ao vivo e a cores (e quem não tiver um mínimo de massa cinzenta na cachola, mas grana sobrando e nenhum compromisso com a seriedade, pode até passar o dia todo assistindo, desde que adquira o tal “pacote”).

A fórmula é velha e conhecida: numa tal “casa”, projetada com antecedência, são acomodados intelectuais de araque, gays, lésbicas, garanhões, homossexuais, malandros, prostitutas, marombados, mocinhas inocentes, anônimos aspirantes à fama e até vovós (pra dissimular), com ordens de infligir códigos, desrespeitar as leis, usar drogas, praticar sexo ao vivo e a cores e, enfim, exercitar a devassidão e o heterodoxo (se, por algum milagre, existir alguma mulher “virgem” entre eles e lá demorar, certamente de lá sairá “ex”, tal a pressão da “direção” para que tal se concretize).

Estimulados pelo pseudo-intelectual e apresentador Pedro Bial (quem te viu e quem te vê), e por um tal Boninho (um dos diretores graduados da emissora), os escolhidos não têm limites éticos, legais, morais ou alguma coisa que se pareça com respeito ou dignidade, já que tudo lhes é permitido, contanto que o “jogo” seja apimentado e “desperte” a curiosidade do público (independentemente do vazio do seu conteúdo).

Público, aliás, que é estimulado a “escolher” (pagando caro a ligação telefônica) os seus preferidos, expostos nos tais “paredões”, que por sua vez rendem milhões e milhões de reais à emissora e à operadora telefônica (para tanto, uma mega estrutura é montada e disponibilizada aos telespectadores), inclusive e principalmente para pais, mães, irmãos e demais familiares, que compulsoriamente se deixam envolver, em troca de uma futura viagem ao Rio de Janeiro (com mordomias inimagináveis), além de uma aparição relâmpago na telinha.

Enfim, o circo tá armado e nossas crianças e adolescentes sairão mais “cultas”, “sabidas” e “preparadas para a vida”, graças ao BBB (e ainda tem gente que não acredita na influência e tirania da televisão).

Agora, aqui pra nós, o que doe e maltrata é o apresentador global nos faltar com o respeito todos os dias, ao referir-se àquela cambada de vadios e malandros como... “os nossos heróis”.

Te manca, Pedro Bial. Tô fora !!!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Tim - Tim !



   


J. Flávio Vieira

                               Taça elevada aos céus, como um Santo Graal, Emiel , sorriso nos lábios, sem quaisquer laivos de apreensão turvando-lhe o espírito,  brindou  os encantos da vida, o pudim de leite que é o  mistério de existir. A sala estava repleta de  amigos, companheiros do Clube de Atletismo,  e parentes, afinal tratava-se de uma celebração.  Não tão diferente daquela , muitos anos atrás, que lhe abriu as portas e janelas de um mundo novo, que se lhe desabrochava num milagre de pétalas e cores. Apercebeu-se, rápido, das muitas cláusulas  daquela viagem de bilhete único, de destino perfeitamente previsível e da inescrutável estação onde um dia, inevitavelmente, teria de desembarcar de alforjes vazios. A vida fora-lhe ofertada em consignação.  O segredo de tudo não estava, na verdade, no ponto obscuro do desembarque forçado. A viagem consubstanciava-se  na travessia, na paisagem mutante que caleidoscopicamente passava pela janela , no contato aleatório com os outros passageiros. Aos 95 anos , sabia  , perfeitamente, que havia chupado a doce fruta  até o bago,   sugara o mais que pudera da polpa e da seiva, restava-lhe  o caroço pronto para uma nova semeadura. Bastava olhar para o longo trajeto percorrido: os rios transpostos, as árvores bolinadas, os mares  navegados, as montanhas galgadas, os obstáculos transpostos, os muitos amigos acolhidos; e banhava-lhe aquela certeza : mesmo sem alcançar a meta sabidamente sempre inalcançável, tudo valera a pena pela busca do inencontrável.  Emiel Pauwels passara os anos correndo, literalmente, e terminou por se tornar o mais velho atleta da Bélgica. Em 2013, já combalido, ainda havia ganho o título europeu de veterano no Campeonato de Atletismo, na modalidade : 60 metros Indoor. 
                        Aceitou, resignado, o diagnóstico  frio que o médico lhe passou alguns dias depois de pôr a medalha no peito:
                        --- É câncer no estômago, Sr. Emiel e em fase terminal ! Curta bem este verão, viu ?
                        Havia alguma coisa de sádico naquele prognóstico. O médico parecia dizer-lhe, indiretamente :
                        --  Tchau ! Já basta de mamar na previdência do país! Você está burlando todas as estatísticas de expectativa de vida, não tem vergonha, não ?
                         No primeiro momento, saltou-lhe aquele instinto de preservação: E se o sacana do médico estiver errado ? O exame não terá sido trocado ? Com o passar dos dias, no entanto, vendo-se fragilizado, as forças se esvaindo pelo ralo das horas, conformou-se: estava, por fim, prestes a cumprir a última cláusula do Contrato de Consignação: deveria desembarcar na próxima parada ! Podia, claro, sentir-se apeado da vida, obrigado a abandonar o trem em plena viagem, mas compreendeu, rapidamente, que aqueles não eram tempos de semear ou de colher, mas de ressemear. Fechava-se o ciclo da existência. Percebeu, no entanto, que talvez a dor e a angústia  do desembarque poderiam apagar ou nublar a bela memória da travessia. Alguns dias de fel , quem sabe, arrancariam o  enlevo de toda viagem. UTI, dores lancinantes, Respiração Artificial : a Morte a crédito.  Estava, graças a Deus , na Bélgica, onde a morte  e seu séquito não precisam ser necessariamente crônicos , a tortura final da existência humana. Foi assim que , decidido, encomendou a eutanásia e reuniu todos os amigos , colegas e parentes naquela celebração. Queria-os testemunhas, acólitos  e convidados ao ritual.
                                    E, enquanto , gota a gota, espalhava-se na veia,  lentamente ,  o combustível  que, como um relógio anti-horário,  marcava  a contagem regressiva da volta , Emiel pressentiu : já se prenunciavam as chamas primeiras que engoliriam , novamente, a Biblioteca de Alexandria. Ergueu alto o cálice de Champanhe , contemplou a paisagem à sua volta, como a gravar na retina a última foto ,  e fez o brinde derradeiro : Aos  cúmplices de viagem ! Ao  sagrado milagre da   impermanência !  Aos deuses do acaso e do imponderável !  Aos irmãos siameses  Vida e Morte !  Ao pó  razão, origem e fim de toda travessia !
                                               --- Tim-Tim !

Crato, 10/01/14

A "Velha Senhora" - José Nilton Mariano Saraiva

Aliando discrição, simplicidade e traços de nobreza, ao nascer ela já conseguira o que parecia impensável: a unanimidade sobre sua beleza e suas formas perfeitas, suas graciosas curvas e sua postura real, responsáveis por sua caracterização como uma “gracinha”, autêntica “jóia”, detentora de um charme indescritível, um verdadeiro presente dos deuses.
Embevecidos e orgulhosos, os cratenses sentíamos imensa satisfação em mostrá-la aos que aqui aportavam, em visitá-la periodicamente ou, simplesmente, em transitar à sua frente ou arredores, admirando-a e inflando o nosso ego com o que as pessoas dela comentavam; e, se distantes nos encontrávamos do torrão natal por algum motivo, não cansávamos de citá-la em conversas informais, ou mesmo recomendá-la aos que pretendiam visitar a cidade do Crato.
E assim sua fama cresceu, atravessou fronteira, espraiou-se rincões afora. O astral era tamanho e a curiosidade tanta, que todos nutriam o desejo interior de algum dia conhecê-la, mesmo que por um fugidio e único momento, para simplesmente comprovar tudo o que dela diziam. E, vindo, e vendo-a, saiam satisfeitos, radiantes, solidários, a difundi-la por outras plagas. Era, realmente, de uma beleza ímpar, diferente... avançada para os padrões da época.
Com o passar do tempo, entretanto, dada à inexorabilidade do ciclo normal da natureza, naturalmente a jovem cresceu, adolesceu, virou adulta, transmutou-se e viu processar-se o arrefecimento de ânimo, o rareamento das manifestações de simpatia; a chegada da rotina, enfim, acabou com o seu encanto e tornou-a “normal”; além do que, por falta de carinho, cuidados e incentivos, seu aspecto físico compreensivelmente decaiu a olhos vistos, enquanto outras beldades, turbinadas por energéticos e vitaminas que a ela passaram a ser negadas, apareceram ao longo do caminho, tomando-lhe o lugar e adeptos, deixando-a no ostracismo e na saudade.
Os que deveriam zelar e dela cuidar, simplesmente a abandonaram criminosamente, deixando-a por muito tempo ao relento, exposta ao sol, chuvas e trovoadas, enquanto seu habitat natural foi indiscriminadamente invadido e ocupado por companhias nada recomendáveis, sufocando-a sem dó nem piedade.
Hoje, sua imagem é de dá pena e dó e dela até temos vergonha: isolada, acanhada, decadente, sitiada, decrépita, evitada pelos antigos admiradores e também pelas novas gerações, abandonada pelo poder público, ela é o retrato mais que preciso, emblemático e pujante daquilo em que transformaram o Crato ao longo desses 40 anos: uma cidade semifantasma, sem perspectivas, sem futuro, sem nada, e a reboque de migalhas governamentais.

Quem te viu e quem te vê, Rodoviária do Crato !!!

"Ovigopólio" (Luis Fernando Veríssimo)

O DELEGADO E O LADRÃO - O ladrão foi flagrado roubando galinhas de um galinheiro e o levaram para a delegacia, onde se deu o seguinte papo com o Delegado:

Delegado - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai ficar enjaulado!  
Ladrão - Não era para mim não. Era para vender.
Delegado - Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!  
Ladrão - Mas eu vendia mais caro.
Delegado - Mais caro? 
Ladrão – É, espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
Delegado - Mas eram as mesmas galinhas, seu safado. 
Ladrão - Os ovos das minhas eu pintava.
Delegado - Que grande pilantra. Ainda bem que tu foi preso. Se o dono do galinheiro te pega... 
Ladrão - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um “ovigopólio”.
Delegado - E o que você faz com o lucro do seu negócio? 
Ladrão - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros do supremo... Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação escolar do governo e superfaturo os preços.

Nisso, deu-se a guinada: intrigado, o delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada e tal e depois perguntou:

Delegado – “Doutor”, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
Ladrão - Trilionário, doutor, trilionário.. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
Delegado - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas? 
Ladrão - Às vezes. Sabe como é.
Delegado - Não sei não, excelência, me explique. 
Ladrão - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.
Delegado - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.  
Ladrão - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
Delegado - Sim. Mas o “Doutor” é réu primário. E com esses antecedentes...


Luis Fernando Veríssimo.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O CÉU ESTRELADO DO MEU AVÔ - por Stela Siebra




Era uma vez um avô poeta que louvava a Deus louvando a sacralidade da natureza. Era um avô sábio e simples, brincalhão e contemplativo.
Antigamente, não muito antigamente, a energia elétrica não havia chegado aos sertões do nordeste brasileiro, o que fazia com que as noites fossem escuras como breu nas fases de lua minguante e nova. Mas o manto estrelado do céu era um convite à contemplação do infinito, à leitura do mistério das constelações distantes, à viagem interior em busca do brilho divino dentro de nós.
A noite, seja clara de lua cheia, seja clara de estrelas, é tempo e espaço propício aos astrólogos, aos poetas, aos buscadores da Beleza Infinita de Deus.
Stela Siebra

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O homem que "presenteia" livros - José Nilton Mariano Saraiva

Dentre as muitas variáveis que caracterizam o pleno exercício da cidadania, o acesso à leitura deveria constituir-se peça necessária, primordial, absolutamente imprescindível. E, na contemporaneidade, quando a competição por um lugar ao sol é das mais acirradas, evidente que a falta de leitura impossibilita o acesso de muitos a um outro mundo, obsta-o de ter uma visão mais abrangente da realidade, escraviza-o à criminosa permanência na longa noite da escuridão da ignorância.
Não há, pois, atitude mais nobre e digna do que possibilitar aos que não têm condição, a perspectiva de descortinar um novo horizonte, de abrir novas portas, de agregar valores outros. E isso é feito primordialmente através da leitura.

Assim, é motivo de tremenda satisfação saber que um “matuto” de Farias Brito, que morou no Crato, viveu no Rio de Janeiro e estabeleceu-se profissionalmente em Brasília, resolveu por conta própria ser uma espécie de “multiplicador” da cultura, inusual “farol” de um porto seguro.

É que, ao galgar o conceituado posto de produtor gráfico na Universidade de Brasília, entendeu ser chegada a hora de disseminar bibliotecas e distribuir livros pelo Brasil afora, doar-se de corpo e alma aos menos favorecidos, possibilitar-lhes o acesso à cidadania através do saber, do conhecimento. E tudo isso, anonimamente, sem propaganda, sem fazer barulho nenhum, sem contar com qualquer verba de quem quer que seja. Trabalho de formiguinha: solitário, persistente, incansável, sofrido, mas... gratificante.

Certamente que apegado e imbuído àquela filosofia de “fazer o bem sem olhar a quem”, adotou o revolucionário e estimulante lema de que “o livro precisa ir onde o leitor está”, daí já ter distribuído livros para mais de 200 bibliotecas nordestinas (dentre as quais cerca de 50 do seu querido Ceará), perfazendo um total de mais de um milhão de livros doados. Que outros sejam estimulados a seguir seu exemplo.


O nome da “fera” ??? Elmano Rodrigues Pinheiro. O homem que “presenteia” livros. E que em função de tão dignificante missão, merece o reconhecimento e aplausos de todos nós. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

"Blá-blá-blá" - José Nilton Mariano Saraiva

2014 nem começou e já se propagandeia que agora, em meados de janeiro, realizar-se-á em Juazeiro do Norte mais um daqueles seminários suntuosos, improdutivos e desnecessários sobre Cícero Romão Batista. Nenhuma novidade à vista, porquanto a “ruma” de autoridades que se fará presente virá com o mesmo blá-blá-blá de sempre, a recorrente lengalenga em uso há décadas, os desgastados sofismas de antanho e, enfim, a mesmíssima caduca pauta que já se conhece de cor e salteado. (parece existir o temor de incluir questionamentos pertinentes, mas que incomodam, porquanto capazes de “arranhar o mito” e levantar dúvidas sobre o seu modus operandi). Assim, tudo indica que só o “cachê” dos tais “experts” é que será mais salgado, daí a dúvida: quem responderá pelo pagamento, sem dúvida vultoso, além da locomoção e estadia das mais de uma centena de pessoas que se farão presentes ???

Agora, de estranhar mesmo, é que à frente de tal encontro tenhamos alguém que na atualidade se encontra respondendo a processo na justiça (o Bispo Diocesano dom Fernando Panico) que, inclusive, já passou pelo singular constrangimento de comparecer a uma delegacia de policia (no Crato) a fim de prestar esclarecimentos sobre a venda subfaturada de imóveis da Diocese, de par com o inusitado e estranho recebimento de aluguéis desses mesmos imóveis (afinal, como alguém que adquire um imóvel se sujeita a pagar ad eternum, aluguel do mesmo, a não ser que o tenha adquirido por um preço irreal ???).


Assim, a fim de afastar de vez a sombra das consistentes suspeitas que sobre si se abatem, será que a atitude mais prudente e correta não seria o próprio Bispo Diocesano tomar a iniciativa de (humildemente), se licenciar do trono (mesmo que temporariamente), voltando a posteriori, nos braços do povo, se inocentado após o julgamento. Ou, intimamente, existiria algum temor, na própria cúpula da Diocese, da sua não absolvição ???

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O umbigo de Teodolino




J. Flávio Vieira

                                               A família tivera lá seus anos de glória. O avô chegara a Matozinho tangido pela seca medonha de 1915, temendo morrer não de fome , que era já um luxo, mas de sede. Empregou-se num pequeno Armarinho e lá mesmo dormia, num quartinho nos fundos. Pasqualino  Caicó carregava um talento inato de vendedor, tinha boa conversa, artes de sedução e rápido cresceu no comércio, terminando por montar sua própria lojinha : “A Mão na Roda” . E foi com ela que, pouco a pouco, solidificou  um verdadeiro império naquelas brenhas. As lojas se diversificaram e multiplicaram ;  nos anos 50, Pasqualino inaugurou o primeiro Posto de Gasolina da vila e , ainda, enveredou pelo ramo dos imóveis, da pecuária comprando fazendas casas e se tornando uma das maiores fortunas da região. Havia filiais de “A Mão na Roda” em quase todos os municípios importantes do estado. Pasqualino carregava consigo inúmeras qualidades :  mesmo com todo o império firmando, mantinha-se simples, de vida regrada e monástica , nunca se mudou de Matozinho e trabalhava como um mouro. Não se sabia, também, de papel feio dele no comércio, era duro e sagaz nas negociações, mas trato firmado  , palavra empenhada, escrevia-se no mármore: não era homem de quiriquiqui, nem  duas conversas.
                                   Casara-se Pasqualino com D. Mimosa, senhora também de origem humilde, econômica, digna e dinâmica. Os filhos foram se sucedendo, como acidentes de trabalho da única diversão de pobre naqueles confins do Judas. Vieram ao mundo  dezenove, sobreviveram,  ao duro corredor polonês  das incontáveis moléstias infantis, dez. Os meninos  criaram-se sobre a rigidez   sistemática dos pais. Nada de regalias extremas , nem facilidades em demasia. Vieram ao mundo, no entanto, na fase mais áurea do casal e já partiram de um outro patamar social. Tinham diante de si um verdadeiro império , sem terem qualquer idéia do esforço desprendido na construção, do suor escorrido pelo corpo de Pasqualino e de Mimosa. Como sói acontecer, com a morte dos pais, o patrimônio viu-se fatiado em dez pedaços, além , claro, das fatias dos advogados que terminam também herdeiros nessas querelas. Findo o inventário, a história parece de todo previsível. Rapidamente o vasto patrimônio  arduamente construído por Pasqualino e Mimosa dissolveu-se como picolé em calçada quente.  A mor parte dos filhos fez apenas o caminho de volta que o pai um dia havia trilhado. Apenas um dos rebentos , Florisvaldo, pareceu ter herdado as artes de Pasqualino  e permaneceu mais remediado, mantendo ainda parte da riqueza:  lojas e fazendas.
                        Vê-se , assim, que a família, tivera lá seus dias de glória e mantinha ainda alguma empáfia, a certeza última : quem havia reinado devia manter lá alguma majestade, mesmo depois da queda da dinastia  caicoense. E aqui estamos nós, justamente nos dias que se sucederam à morte da viúva de Florisvaldo : D. Soledônia. Ela havia sido uma das mulheres mais elegantes do estado e ficara conhecida pelas jóias , pelos colares de pérolas e pelos diamantes que costumava usar nas festas mais solenes.  Os quatro filhos reunidos , todos netos de Pasqualino, já brigavam ,como urubu em carniça,  pelo resto do espólio que restara dos pais. Havia pouco a dividir: a casa, uma fazendola e a última loja “Mão na Roda” de Bertioga, últimos bens que restaram do incrível reino que Pasqualino um dia erguera com mão de ferro.  Imaginavam todos os matozenses que a partilha de bens seria dificílima. Primeiro, mesmo já quase nada mais restando, na cabeça dos filhos, eles ainda eram riquíssimos como nos velhos tempos do avô. Depois, a geração atual pouco tinha a ver com a lisura e a honestidade do avô. Eram quase todos desmantelados como rastro de carroça , principalmente  o primogênito : Teodolino. O homem era velhaco : não pagava a gente viva nem a morta ou reencarnada. Viva de rolos e de mutretas e havia sido ele um dos maiores responsáveis pela dilapidação do patrimônio do pai Florisvaldo, metendo-o como sócio numa indústria de granito que terminou , após um investimento vultoso, dando com os burros na água. Previa-se, assim, uma briga colossal pela posse da pouca carniça que restara para tantos abutres como comensais.
                        Aberta a reunião, já com a presença de um advogado como mediador, por incrível que possa parecer, as coisas pareceram caminhar para um bom termo. Teodolino, com os olhos merejando, voz embargada, visivelmente emocionado, fez uma declaração absolutamente inusitada :
                        --- Minha vida se acabou ! Não consigo viver um minuto sem pensar na minha mãezinha ! Assim, abro mão de tudo, meus irmãos ! Quero apenas o cofre velho dela. Quero guardar como lembrança última  : seus documentos, seus escritos, sua bíblia, suas lembranças mais queridas que sei ela guardou lá dentro !
                        Os manos acharam estranho aquele desprendimento súbito de Teodolino. Mas , vendo-o derramar-se no pranto, concordaram. Rápido, os outros três irmãos chegaram a um consenso na divisão : um fica com a loja, outro com a fazenda e o derradeiro com a casa. O advogado jamais imaginou que ganharia o salário tão facilmente. Lavrou o documento, todos assinaram e o juiz , aliviado, no mesmo dia, deu provimento ao embargo. Na manhã seguinte, chamaram um especialista em  cofre para  abri-lo, já que não mais existia chave e ninguém lembrava do segredo. Teodolino fez questão, com ar vencedor, de convidar os irmãos para a abertura oficial . Já não derramava lágrimas, os olhos brilhavam como holofotes,  imantados pela energia mais potente que se conhece: a  ambição.  Esperava, com a ânsia de um pirata,  ver sair lá de dentro as jóias fabulosas de Soledônia: anéis de diamantes, colar de pérolas, braceletes de ouro.
                        O especialista , usando uma gazua, encostou o ouvido na porta do cofre e, meticulosamente, rodopiou  o botão da combinação, anotando a sequência correta ( dois para a esquerda, três para direita, sete para a esquerda). Depois , refez toda a sequência e, por fim,  destravou-o, num clique seco. Teodolino partiu correndo e de lá retirou o tesouro deixado por Soledônia:  um buquê de rosas secas do seu casamento, um par de chinelas currulepes do velho Pasqualino e o umbigo de Teodolino que se  houvessem  enterrado no pé do mourão do curral não teria dado aquele azar danado a ele.